Por Karina Gomes, de Bonn
Mesmo com performance em níveis recordes, a imprensa alemã foi afetada pela crise gerada pelo novo coronavírus e teve de recorrer a pacotes de ajuda do governo federal e dos governos estaduais para conseguir manter os empregos e as atividades.
A pandemia evidenciou uma grande demanda por bom jornalismo. Mas, apesar da crescente procura do público por conteúdo de qualidade, as redações sofreram com a forte queda nas receitas de publicidade, entre 20% e 80%, e a redução das jornadas de trabalho das equipes editorais.
Para manter os empregos, pequenas e grandes empresas de mídia colocaram funcionários em um programa governamental de jornada reduzida, o “Kurzarbeit”. O ambicioso pacote financeiro foi lançado em março pela chanceler Angela Merkel para evitar demissões e garantir o pagamento dos salários.
As empresas puderam cadastrar-se no programa para colocar todos ou alguns dos seus funcionários no esquema de “Kurzarbeit”, que se estenderá até 31 de dezembro deste ano. O programa permite que, mesmo sem trabalhar, os funcionários recebam 60% do valor do salário líquido, pagos pelo Governo.
A porcentagem trabalhada é paga pela empresa contratante. A partir do sétimo mês de inscrição, a parte do pagamento do salário líquido feita pelo Governo aumenta para entre 80 e 87% do salário líquido. Com o Governo pagando parte dos salários dos funcionários nos casos de “perda temporária de trabalho”, a contrapartida das empresas é não demitir os trabalhadores e garantir o funcionamento das atividades essenciais da empresa.
Grandes veículos aderiram ao programa
O tradicional jornal impresso Süddeutsche Zeitung (SZ) reduziu a jornada de trabalho de todos os jornalistas em até 15%. A lacuna salarial é preenchida pelo “Kurzarbeit”. Mesmo com a forte queda nos anúncios e a redução do tamanho de alguns cadernos, como Cultura e Esporte, e do número de páginas do jornal em 23%, o SZ teve um aumento de quase 80% no número de usuários de conteúdo digital de fevereiro para março.
A equipe editorial do jornal semanal Die Zeit também implementou o “Kurzarbeit’ na redação, mas num menor grau em relação a outros setores do jornal, sediado em Hamburgo, no norte da Alemanha. O grupo DuMont adotou a mesma estratégia nas equipes editoriais dos jornais locais Kölner Stadt-Anzeiger e Express, ambos de Colônia, no oeste alemão.
O canal de televisão aberto RTL colocou quatro mil funcionários em “Kurzarbeit” em maio. A carga de trabalho foi reduzida em até 80%. Mas graças ao programa do governo federal conseguiu manter o pagamento dos salários integralmente por pelo menos por quatro meses. O Grupo Bertelsmann, que gerencia o canal, discute a possibilidade de fechamento de algumas áreas, como o setor de operações de transmissão e produção.
No final de abril, quatro em cada cinco editoras de jornais diários planejavam registrar ou registraram os funcionários no esquema de “Kurzarbeit”, segundo a Associação Federal de Editores Digitais e Editores de Jornais (BDZV).
Os veículos de mídia também puderam contar com a ajuda dos governos estaduais. O estado federal da Baviera anunciou um pacote de ajuda de 1,2 milhão de euros às estações locais de rádio e TV para a produção, distribuição e pesquisas de análise de mercado.
A indústria de rádios locais na Alemanha enfrentou sérias dificuldades durante a pandemia por causa da retirada de anúncios e uma consequente queda de até 70% nas receitas de publicidade. Em junho, o estado da Turíngia aprovou um projeto de lei que prevê 5 milhões de euros em “subsídios para ajuda de emergência aos veículos midiáticos”. As empresas podem acumular benefícios vindos do governo federal e dos governos estaduais para manter os empregos.
O “Kurzarbeit” conseguiu prevenir demissões em massa de jornalistas. A Associação Alemã de Jornalistas (DVJ) considera este um “importante apoio aos jornalistas em um momento muito difícil”.
Freelances tiveram pagamento garantido até quando não puderam realizar o trabalho
Na Alemanha, jornalistas freelance não recebem pelo dia de trabalho caso fiquem doentes e não possam entregar o serviço contratado. Com a pandemia, todas as empresas, incluindo veículos de comunicação, foram obrigadas a pagar por até seis semanas os dias não trabalhados por um freelance que tenha contraído o novo coronavírus ou que tenha suspeita de Covid-19.
A porcentagem do valor pago varia em cada estado. Essa determinação consta no parágrafo 56 da Lei de Proteção contra Infecções. A partir da sétima semana, passam a valer as regras da legislação de seguridade social.
Além disso, o pagamento de todas as colaborações de freelances combinadas antes de pandemia tiveram que ser mantidas por lei, mesmo que o jornalista não pudesse entregar o trabalho – por motivo de doença ou cancelamento de um evento ou uma entrevista, por exemplo, ou se o trabalho não pudesse ser feito de casa. As empresas também ofereceram ajuda financeira aos freelances que têm filhos, devido ao fechamento dos jardins de infância e escolas.
Os acordos salariais feitos durante a pandemia serão estendidos até ao menos o final de 2020, devido a um acordo feito entre a DVJ e os editores de jornais da Alemanha.
“Com este acordo, os parceiros sociais da indústria jornalística enviam um sinal para a estabilidade, a preservação dos trabalhos editoriais e o apoio aos freelances, que foram particularmente atingidos”, afirmou Kajo Döhring, negociador da DJV.
Apesar da garantia dos serviços pré-contratados, profissionais de mídia freelances foram duramente atingidos pela crise do novo coronavírus. Os jornalistas com a média de renda mensal bruta de 2.470 euros, que representam 50% de todos os profissionais que tiveram perdas, passaram a ganhar 780 euros, de acordo com uma pesquisa da DJV. Quase 30% passaram a ter uma renda de 500 euros e 13%, de mil euros.
Os fotojornalistas sofreram ainda mais perdas, com a renda mensal caindo, em média, de 2.260 euros para apenas 560 euros. A opção para esses jornalistas é entrar em esquemas de microcrédito oferecidos pelo Governo ou fazer empréstimos, mas muitos não podem arcar com os encargos. Em caso de desemprego, é possível entrar no sistema de ajuda social aos desempregados na Alemanha.
Profissionais autônomos donos de pequenas empresas com até dez funcionários puderam requerer ajuda financeira ao Governo para garantir a sobrevivência dos negócios, num valor entre nove mil e 15 mil euros por um período de três meses.
Karina Gomes (kg.consultora@gmail.com ) é jornalista radicada em Bonn, correspondente internacional com colaborações para a Rádio CBN, Folha de S.Paulo, O Globo, Swissinfo e CNN Brasil. Desde 2013, é repórter multimídia da Deutsche Welle, na Alemanha. Além de jornalista, é mestre em Direitos Humanos e consultora internacional em políticas públicas urbanas de inclusão e desenvolvimento sustentável, tendo atuado na UNESCO, em Paris.
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