Por Silvana Mautone, de Miami 

A crise desencadeada pelo coronavรญrus teve forte impacto nas empresas jornalรญsticas dos Estados Unidos. O jornalismo local/regional foi o que mais sofreu, pois sua situaรงรฃo jรก era mais frรกgil e por ser mais dependente de pequenos anunciantes locais. Mas as grandes empresas de mรญdia nรฃo ficaram imunes e devido ร  queda na receita publicitรกria tiveram tambรฉm que promover demissรตes, reduรงรฃo de salรกrio ou suspensรฃo temporรกria de contrato de trabalho. 

Antes do coronavรญrus, as empresas jornalรญsticas dos EUA jรก estavam sofrendo duramente com o domรญnio do Google e do Facebook no mercado publicitรกrio. No segmento de jornais, por exemplo, mais de 2 mil veรญculos deixaram de circular nos EUA desde 2004, o equivalente a cerca de 25% do total de jornais, representando em torno de 44% da circulaรงรฃo. Isso deixou vรกrias comunidades sem veรญculos locais. 

Em 2008 havia cerca de 72 mil repรณrteres e editores trabalhando em jornais nos EUA, nรบmero que foi reduzido em mais de 50% em dez anos. Os dados fazem parte do estudo “The Expanding News Desert” (A Expansรฃo do Deserto de Notรญcias, em traduรงรฃo livre), divulgado no fim de junho, de autoria de Penelope Muse Abernathy, professora da Escola de Jornalismo e Mรญdia Hussman, da Universidade da Carolina do Norte.

O estudo nรฃo avaliou o impacto da pandemia no setor, mas, segundo o Instituto Poynter para Estudos de Jornalismo, pelo menos 35 veรญculos locais fecharam nos EUA somente de marรงo a junho.  

A cruel ironia da pandemia รฉ que, ao mesmo tempo em que o jornalismo tem feito um trabalho essencial e o nรบmero de leitores, telespectadores e ouvintes cresceu, mesmo que apenas temporariamente, as empresas jornalรญsticas estรฃo enfrentando uma ameaรงa real de extinรงรฃo. 

“As empresas jornalรญsticas nunca fizeram um trabalho tรฃo bom quanto o que estรฃo fazendo agora. Suas notรญcias nunca foram tรฃo procuradas. Elas tรชm feito tudo certo da perspectiva de notรญcias. E, ainda assim, aqui estamos com essas demissรตes”, disse a jornalista Joanne Lipman, ex-editora-chefe do jornal “USA Today”.

Ken Doctor, analista da indรบstria de mรญdia e autor do livro “Newsonomics: Twelve New Trends That Shape The News You Get”, acredita que a crise do coronavรญrus deva ter um impacto ainda pior na mรญdia americana do que a crise de 2008/2009, quando a queda na receita dos jornais foi de 19%. “A receita com publicidade estรก sendo aniquilada”, disse ele em entrevista ao “BuzzFeed News”. Para alguns veรญculos, segundo ele, “isso parece realmente um evento de completa extinรงรฃo. Nรฃo sei como eles voltarรฃo”.

Algumas publicaรงรตes americanas estรฃo melhor posicionadas para sobreviver ร  crise, especialmente os veรญculos de grande porte como o “The New York Times”, “The Wall Street Journal” e “The Seattle Times”, porque tรชm uma sรณlida base de assinantes que pode lhes dar fรดlego por um tempo, mas os jornais locais e veรญculos digitais nos EUA tรชm uma chance de sobrevivรชncia menor.

“Infelizmente, acho que mais jornais vรฃo fechar, teremos mais desertos de notรญcias como consequรชncia disso”, disse Alan Fisco, presidente do “The Seattle Times”.

Uma pesquisa da Digiday Research, realizada no fim de marรงo, com 95 executivos de empresas de mรญdia, apontou que 85% deles esperavam queda na receita devido ร  pandemia. E a maioria acredita que a receita sรณ voltarรก aos nรญveis prรฉ-pandemia em 2021 โ€” a questรฃo รฉ como sobreviver atรฉ lรก.

Para reduzir despesas, algumas empresas suspenderam benefรญcios, como as contribuiรงรตes que fazem em planos de previdรชncia privada dos funcionรกrios (os chamados 401K nos EUA).

Alguns sindicatos (a fragmentaรงรฃo dos sindicatos nos EUA รฉ enorme) conseguiram negociar alguns benefรญcios para os profissionais de mรญdia que foram demitidos ou obrigados a tirar licenรงa nรฃo remunerada. O sindicato da “Vox Media”, por exemplo, conseguiu que a empresa se comprometesse a arcar com 100% dos custos com os planos de saรบde no caso de licenรงas nรฃo remuneradas. Alรฉm do site “Vox”, o grupo “Vox Media” possui outras publicaรงรตes como a revista “New York Magazine” e o site “The Verge”.

Vale lembrar que os EUA nรฃo tรชm uma lei nacional que rege acordos trabalhistas, como a CLT no Brasil. Entรฃo, em caso de demissรฃo, cada empresa tem uma polรญtica prรณpria, cada uma oferece um “pacote de compensaรงรฃo” diferente, que pode ter sido acordado com sindicatos ou nรฃo. 

No caso da “Vox Media”, o sindicato que representa os funcionรกrios da empresa conseguiu negociar o pagamento de 16 semanas de salรกrio adicionais ao pacote que costuma ser adotado pela empresa em caso de demissรฃo (รฉ relativamente comum nos EUA, em caso de demissรฃo, pagar 4 semanas de salรกrio para cada ano de empresa).

O Pรบblico e as Notรญcias

Um desafio que a cobertura jornalรญstica tem que enfrentar agora รฉ a “fadiga”, a “saturaรงรฃo” do leitor com relaรงรฃo ao tema. 

De acordo com a Parse.ly, plataforma de โ€œcontent analyticsโ€ usada por grandes veรญculos americanos, em 12 de marรงo o nรบmero de pageviews foi aproximadamente 44% superior ao da semana anterior. Mas pouco tempo depois o interesse comeรงou a diminuir, segundo dados de empresas que tambรฉm monitoram o desempenho de sites de notรญcias, como Taboola e Chartbeat. 

Segundo o Taboola, no meio de abril o trรกfego nos sites de notรญcias nos EUA jรก tinha voltado aos nรญveis prรฉ-pandemia. Desde entรฃo, houve altos e baixos, mas, no fim de julho, o volume de notรญcias sobre o novo coronavรญrus nos EUA representava menos de 25% do pico registrado no fim de marรงo (mรฉdia diรกria de cerca de 60 milhรตes de pageviews ante 250 milhรตes de pageviews).

Um estudo publicado pelo Pew Research Center confirma essa tendรชncia. Foram ouvidos 9.654 americanos no inรญcio de junho. Apenas 39% deles afirmaram estar acompanhando as notรญcias sobre o coronavรญrus “bem de perto”, sendo que esse percentual era de 57% no fim de marรงo. 

Outro estudo. o do Instituto Reuters da Universidade de Oxford feito em abril nos EUA mostra que os meios on-line serviram como fontes de notรญcias para 73% dos entrevistados, e a TV, para 60%. A mรญdia impressa foi citada por apenas 16% das pessoas ouvidas, o menor รญndice entre os seis paรญses onde foi feita a pesquisa (EUA, Reino Unido, Alemanha, Espanha, Coreia do Sul e Argentina). 

Vale ressaltar que, nessa mesma pesquisa, 60% dos entrevistados em geral afirmaram que a mรญdia os ajudaram a entender a crise, mas nos EUA esse percentual foi o mais baixo de todos, 52%.

A questรฃo agora รฉ como o jornalismo regional e como o jornalismo de qualidade em geral vรฃo conseguir sobreviver, considerando que o setor jรก vinha sofrendo com queda de receita, situaรงรฃo agravada este ano devido ao coronavรญrus e que ainda deve continuar difรญcil em 2021.

 

Leia tambรฉm o relato das correspondentes em outros paรญses

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