“As instituiรงรตes beneficentes e as fundaรงรตes precisam perceber que uma indรบstria jornalรญstica saudรกvel รฉ vital para a sociedade e pode apoiar outros objetivos filantrรณpicos. “
Entrevista | Charlie Beckett
Por Luciana Gurgel | MediaTalks Londres
Charlie Beckett รฉ um jornalista britรขnico com 20 anos de experiรชncia em grandes redaรงรตes como BBC e Channel 4 News da ITN. Iniciou a carreira em jornais locais em Londres, antes de comeรงar em TV,na LWT. Em 2006, fundou o Polis, think tank de jornalismo do Departamento de Mรญdia e Comunicaรงรตes da London School of Economics, do qual รฉ Diretor.
A instituiรงรฃo tornou-se um importante fรณrum de debate pรบblico sobre as principais questรตes que afetam o jornalismo contemporรขneo. Beckett tem uma visรฃo interessante sobre as mudanรงas recentes.
โTrata-se de como todo o ecossistema de informaรงรตes mudou e de como a sociedade mudou. Em termos de tecnologia, ocorreram trรชs grandes transformaรงรตes. Primeiro, houve a mudanรงa para o mundo online, que comeรงou quando eu estava trabalhando em redaรงรฃo. Em segundo lugar, houve uma grande mudanรงa para a mรญdia social, que foi muito mais complicada nas ramificaรงรตes e em termos do tipo de jornalismo produzido e de seu impacto. Em terceiro lugar, estamos em uma fase em que o jornalismo vai se tornar muito mais distribuรญdo, muito mais diversificado em termos de organizaรงรฃo, mas muito mais descentralizado no que diz respeito ร forma como as pessoas obtรชm suas informaรงรตes.โ
“Os jornalistas estรฃo sob enorme pressรฃo. Hรก um grande apetite pรบblico por informaรงรตes e debates, e o trabalho para fornecรช-los estรก mais difรญcil do que nunca. A pauta do coronavรญrus nรฃo tem precedentes.โ
Na opiniรฃo dele, em 2020 as coisas ficaram muito mais complexas e incertas para a indรบstria de mรญdia.
โTudo isso acontece quando a mรญdia vive uma crise econรดmica, uma revoluรงรฃo do modelo de negรณcios e da produรงรฃo e enfrenta uma concorrรชncia maior do que nunca. Acrescente as mudanรงas estruturais no comportamento do pรบblico, o novo ecossistema de informaรงรฃo das plataformas tecnolรณgicas e o crescimento da desinformaรงรฃo online. Agora jogue nessa mistura torrencial uma pauta como o coronavรญrus. ร historicamente excepcional.โ
E fez uma indagaรงรฃo instigante:
โAinda รฉ cedo, mas o que podemos aprender sobre o desafio ao jornalismo que a Covid-19 apresenta?โ.
Seis meses apรณs a declaraรงรฃo de pandemia pela Organizaรงรฃo Mundial de Saรบde, ainda hรก muitas questรตes sem resposta. O professor Beckett compartilhou com o MediaTalks algumas reflexรตes sobre o presente e o futuro do jornalismo.
O senhor descreve trรชs grandes mudanรงas em tecnologia e notรญcias. No entanto, em alguns paรญses menos desenvolvidos (econรดmica ou politicamente) o jornalismo ainda nรฃo se adaptou totalmente ร segunda mudanรงa, e a terceira parece longe. Existe o risco deabrir-se uma lacuna de qualidade no jornalismo entre os paรญses em um futuro prรณximo, com efeitos sobre a sociedade e a democracia?
Hรก um risco claro de que as desigualdades entre as organizaรงรตes jornalรญsticas sejam agravadas pelas novas tecnologias. Por isso รฉ tรฃo importante que haja mais colaboraรงรฃo entre elas e outras entidades, como universidades, ONGs, startups e plataformas tecnolรณgicas. Nosso projeto de Inteligรชncia Artificial em Jornalismo na LSE trabalha para compartilhar as melhores prรกticas, treinamento e conhecimento entre empresas de mรญdia para ajudar a preencher a lacuna. ร importante que cada empresa ajude a apoiar o setor como um todo. As entidades de classe precisam trabalhar muito mais para fornecer assistรชncia mรบtua. E hรก tambรฉm a responsabilidade dos governos em contribuรญrem para a capacitaรงรฃo da mรญdia e o suporte em infraestrutura.
Como vai ser o trabalho dos jornalistas em um setor cada vez mais dominado pela tecnologia?
Temos muitos jornalistas, mas ao mesmo tempo poucos. Com isso, quero dizer que hรก muitos profissionais que estรฃo apenas duplicando o trabalho de outras pessoas. E muitos criando conteรบdo rotineiro que provavelmente poderia ser criado de forma mais eficiente por mรกquinas. A nova geraรงรฃo de jornalistas terรก que ser muito mais flexรญvel, polivalente e adaptรกvel. Os profissionais tambรฉm terรฃo que se esforรงar ainda mais para agregar valor. Temos muitos jornalistas fazendo notรญcias tradicionais e convencionais, mas nรฃo o suficiente para preencher as lacunas โ em nรญvel local, novos temas, pรบblicos negligenciados.
A confianรงa nas redes sociais diminuiu apรณs a pandemia, e a da imprensa aumentou. ร um efeito temporรกrio ou veio para ficar?
Acho que todo o debate sobre confianรงa รฉ um desvio da questรฃo principal. A confianรงa nรฃo vem de graรงa, e vocรช nรฃo pode simplesmente comprรก-la ou construรญ-la de um dia para o outro. ร uma relaรงรฃo de confiabilidade, transparรชncia, humildade e serviรงo ao pรบblico. Vocรช ganha confianรงa aocomportar-se bem ao longo do tempo. Organizaรงรตes jornalรญsticas e profissionais de imprensa precisam pensar em seu trabalho como um relacionamento que agrega valor ao pรบblico, e nรฃo apenas entregar conteรบdo. Isso pode significar usar humor ou novos formatos, mas acima de tudo significa agir de forma responsรกvel e responsiva.
O senhor escreveu sobre a necessidade de apoio para proteger os valores do jornalismo e para inovar. De onde podemos esperar esse apoio, em particular apรณs a crise da Covid-19? Qual o caminho para a sustentabilidade financeira?
Nรฃo haverรก uma soluรงรฃo รบnica. Todas as organizaรงรตes de notรญcias terรฃo que diversificar, inovar e concentrar-se muito mais na entrega de valor ao pรบblico. A sustentabilidade depende muito das circunstรขncias locais ou nacionais. O Reino Unido hรก muito se beneficia de uma combinaรงรฃo saudรกvel de organizaรงรตes jornalรญsticas pรบblicas e privadas. O Guardian, com seu modelo baseado na confianรงa do leitor, รฉ uma variante interessante. Mas seja qual for o modelo, as organizaรงรตes jornalรญsticas precisam ser competitivas e buscar atenรงรฃo. Eu acredito fortemente no valor do modelo de assinaturas atรฉ mesmo para mรญdias independentes, inovadoras e empreendedoras. No entanto, รฉ claro que ele serรก limitado a algumas empresas principais, que podem alcanรงar escala ou se especializar e atrair o valor limite de receita de assinatura.
A filantropia serรก um elemento-chave. As instituiรงรตes beneficentes e as fundaรงรตes precisam perceber que uma indรบstria jornalรญstica saudรกvel รฉ vital para a sociedade e pode apoiar outros objetivos filantrรณpicos.
O suporte financeiro das plataformas digitais limita-se a uma parcela das organizaรงรตes jornalรญsticas. Qual o papel delas nesse cenรกrio?
As plataformas tecnolรณgicas podem fornecer mais suporte, mas sua maior contribuiรงรฃo รฉ melhorar a proeminรชncia do jornalismo de qualidade em suas redes e compartilhar mais dados com organizaรงรตes jornalรญsticas.
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