Por Luciana Gurgel | MediaTalks, Londres
Coluna publicada originalmente no Jornalistas&Cia e Portal dos Jornalistas em 7.10.2020
Aos 92 anos, a rainha Elizabeth รฉ vista como inspiraรงรฃo no Reino Unido, apesar das turbulรชncias envolvendo a famรญlia real. Com frequรชncia coloca suas altas taxas de aprovaรงรฃo a serviรงo de causas sociais. Esta semana, a causa foi o jornalismo.
Na segunda-feira (5/10), usou as redes sociais para mandar โwarm good wishesโ ร imprensa , abrindo a campanha Journalism Matters, da News Media Association.
Durante a semana estรฃo sendo feitas aรงรตes para promover o jornalismo de qualidade, em um ano em que se tornou ainda mais necessรกrio, ajudando o pรบblico a navegar no mar de desinformaรงรฃo sobre o novo coronavรญrus.
Nรฃo รฉ a primeira vez que a rainha empresta sua popularidade ao jornalismo. Em abril homenageou os profissionais que mantinham a populaรงรฃo informada sobre a Covid-19.
Apesar da perseguiรงรฃo dos tabloides britรขnicos ร realeza, a monarca รฉ elegante ao ponto de nรฃo apenas apoiar a imprensa mas tambรฉm de se engajar. ร patronesse da Journalistโs Charity, criada por Charles Dickens em 1864 para ajudar jornalistas em dificuldades.
Confianรงa nรฃo ajudou a pagar as contas
O apoio vem em boa hora. A imprensa do paรญs sofreu com a Covid-19, que fez o desserviรงo de aprofundar a crise provocada sobretudo pela mudanรงa de hรกbitos de consumo de notรญcias e centralizaรงรฃo de verbas publicitรกrias nas plataformas digitais.
Nรฃo foi uma quebradeira generalizada, como alguns vaticinaram. Mas veรญculos regionais desapareceram, jornais impressos viraram online e muitos perderam o emprego.
O Reach, maior grupo de mรญdia britรขnico, anunciou corte de 550 postos โ 12% da equipe. Evening Standard, The Times, The Guardian e BBC tambรฉm eliminaram vagas. Sucursais de dois digitais famosos, Buzzfeed e Quartz, fecharam no paรญs.
Isso a despeito dos altos รญndices de confianรงa no jornalismo, incapazes de conter a fadiga de notรญcias quando a crise comeรงou a cansar, como mostramos no especialque examinou os efeitos da pandemia sobre a mรญdia. E insuficientes para atrair assinantes e anunciantes em volume que permitisse ao setor fechar as contas.
Jornalismo de campanha, uma prรกtica britรขnica
O projeto Journalism Matters รฉ anual. Segundo a News Association, alcanรงou 17,4 milhรตes de pessoas em 2019. A associaรงรฃo, que reรบne os editores de jornais, mobiliza os membros a promoverem o valor do jornalismo em suas pรกginas, sites e redes sociais.
Para esta quinta-feira (8/10) foi programado o #trustednewsday, com atividades virtuais para mostrar aos leitores como as notรญcias sรฃo produzidas e distribuรญdas.
Hรก tambรฉm uma votaรงรฃo online, Fazendo a Diferenรงa, em que o pรบblico escolhe as melhores campanhas realizadas por jornais nacionais e regionais. O jornalismo de campanha รฉ uma prรกtica no Reino Unido.
Leia mais sobre o jornalismo de campanha no Reino Unido e conheรงa os cases finalistas da campanha Fazendo a Diferenรงa.
Um dos mais notรกveis momentos da histรณria da imprensa britรขnica foi a campanha que nos anos 1970 expรดs o drama da talidomida, medicamento contra enjoo que mutilou milhares de bebรชs, liderada por Harold Evans, entรฃo editor do The Sunday Times,.
Evans morreu em setembro. A histรณria de sua luta, desafiando os tribunais e que acabou levando a mudanรงas na lei de segredo de justiรงa, foi enaltecida em obituรกrios e editoriais. (Veja o perfil de Harold Evans em MediaTalks.com.br).
A sempre tensa relaรงรฃo entre jornais e plataformas digitais
Entre as campanhas selecionadas pela News Media Association para o prรชmio de melhor do ano ano estรก a do Daily Telegraph, exigindo leis severas para controlar conteรบdo nocivo nas mรญdias sociais. Ganhou forรงa apoiada na triste histรณria de uma adolescente que tirou a vida influenciada por posts relacionados a suicรญdio e automutilaรงรฃo.
As plataformas estรฃo no radar da associaรงรฃo. Na abertura da campanha, o presidente da News Media Association cobrou aรงรตes do Governo para ajudar o setor a sobreviver. E defendeu mudanรงas no relacionamento com as plataformas digitais, โpara assegurar um futuro brilhante ao jornalismoโ.
No Reino Unido, as plataformas vรฃo precisar ir alรฉm do que jรก tรชm feito para serem percebidas como aliadas do jornalismo de qualidade e nรฃo como ameaรงa a ele.
Luciana Gurgel, Coordenadora editorial do MediaTalks byJ&Cia, รฉ jornalista brasileira radicada em Londres. Iniciou a carreira no jornal o Globo, seguindo depois para a comunicaรงรฃo corporativa. Em 1988 fundou a agรชncia Publicom, junto com Aldo De Luca, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group). Mudou-se para o Reino Unido e passou a colaborar com veรญculos brasileiros, atuando como correspondente do canal MyNews e colunista semanal do Jornalistas&Cia / Portal do Jornalistas, no qual assina uma coluna semanal sobre tendรชncias no mundo do jornalismo e da comunicaรงรฃo. ร membro da FPA (Foreign Press Association).
luciana@jornalistasecia.com | @lcnqgur