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Ian Hamilton, professor associado de dependĆŖncia, Universidade de York

 

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Patricia Cavazos-Rehg, professor de psiquiatria, Washington University em St. Louis

 

(artigo publicado originalmente em 2/10/2020 na plataforma The Conversation UK)

Todos estamos familiarizados com a expressĆ£o fake news e provavelmente jĆ” testemunhamos a velocidade com que essas histĆ³rias podem circular nas redes sociais. NotĆ­cias falsas podem ser sobre quase todos os tĆ³picos, e cada vez mais a desinformaĆ§Ć£o sobre drogas ilĆ­citas estĆ” se tornando comum. Mas as consequĆŖncias de tais informaƧƵes falsas podem ser perigosas āˆ’ atĆ© mortais.

Tende a haver um alto nĆ­vel de interesse nas redes sociais sobre os mitos do uso de drogas, impulsionado em parte pela curiosidade, mas tambĆ©m pelo medo do desconhecido quando alguma ameaƧa nova e bizarra Ć© relatada. No entanto, muitas vezes nĆ£o hĆ” qualquer evidĆŖncia para apoiar a histeria. Parte desse interesse Ć© ampliado por algoritmos usados por plataformas de mĆ­dias sociais, que personalizam o conteĆŗdo com base no histĆ³rico de pesquisa do usuĆ”rio.

No entanto, essa desinformaĆ§Ć£o tambĆ©m Ć© disseminada pela imprensa, que aumenta a popularidade e publica matĆ©rias repetindo informaƧƵes falsas. A desinformaĆ§Ć£o nas redes sociais tambĆ©m Ć© fĆ”cil de acessar, envolvente e pode ser compartilhada por amigos e familiares, fazendo com que pareƧa mais confiĆ”vel. E, para muitas pessoas, a mĆ­dia social Ć© o Ćŗnico canal para receber notĆ­cias.

Drogas sintĆ©ticas perigosas sĆ£o assuntos comuns de propagaĆ§Ć£o de notĆ­cias enganosas nas redes sociais. Devido aos perigos potenciais, Ć© compreensĆ­vel que muitas pessoas estejam preocupadas. Essa desinformaĆ§Ć£o pode ser prejudicial, especialmente para quem precisa tomar o medicamento.

Um exemplo Ć© a droga fentanil, um opiĆ”ceo que pode ser 50 a 100 vezes mais forte que a morfina. Um mito de que vocĆŖ pode ter uma overdose mesmo tocando uma pequena quantidade dessa drogae espalhou-se nas redes sociais āˆ’ e foi atĆ© perpetuado pela AgĆŖncia Antidrogas dos Estados Unidos, que alegou que tocar ou inalar fentanil no ar pode ser mortal. 

Como o alerta foi emitido por um departamento governamental, muitas pessoas levaram a sĆ©rio essa desinformaĆ§Ć£o. Ele espalhou-se rĆ”pida e amplamente nas redes sociais, mesmo depois que a comunidade mĆ©dica concordou que a overdose devido ao contato com a pele do fentanil Ć© impossĆ­vel.

Pesquisadores rastrearam a disseminaĆ§Ć£o de informaƧƵes sobre o fentanil entre 2015 e 2019 usando uma ferramenta de anĆ”lise de mĆ­dia que foi capaz de identificar o nĆŗmero de notĆ­cias falsas criadas e divulgadas nas redes sociais. TambĆ©m mapeou o nĆŗmero de visualizaƧƵes em potencial ao consultar o registro de compartilhamentos. 

Eles descobriram que informaƧƵes erradas tinham um alcance 15 vezes maior do que informaƧƵes corretas. Algumas delas incluĆ­am o mito de que tocar na droga pode ser tĆ³xico. A maior parte da desinformaĆ§Ć£o sobre o fentanil originou-se em postagens do Facebook criadas no Texas e na PensilvĆ¢nia e potencialmente atingiu 67 milhƵes de pessoas.

Embora o uso de fentanil nĆ£o seja comum, esse tipo de informaĆ§Ć£o incorreta pode ter consequĆŖncias perigosas. Por exemplo, uma pessoa pode nĆ£o ajudar alguĆ©m que teve uma overdose se acreditar que qualquer contato fĆ­sico com ela āˆ’ atĆ© mesmo para administrar massagem cardĆ­aca āˆ’ tambĆ©m pode causar danos.

Outras drogas sintĆ©ticas, incluindo Krokodyl e Spice (um tipo de cannabis sintĆ©tica), tambĆ©m geraram desinformaĆ§Ć£o generalizada. O Krokodyl foi retratado nas redes sociais como um produto quĆ­mico que pode consumir a carne da pessoa, mesmo se usado apenas uma vez.

O Spice, por outro lado, tem sido descrito na mĆ­dia como uma droga que faz com que os usuĆ”rios arrancem suas roupas como se lhes fosse conferida uma forƧa ā€œsobre-humanaā€. Embora seja improvĆ”vel que alguĆ©m tome uma droga sabendo que causa danos graves, a ideia de usar algo para ganhar forƧa fĆ­sica extraordinĆ”ria pode atrair usuĆ”rios em potencial. Em ambos os casos a informaĆ§Ć£o estava errada, mas isso nĆ£o impediu de se tornar viral nas redes sociais.

Frequentemente, sĆ£o jovens ou pessoas ingĆŖnuasas vĆ­timas de desinformaĆ§Ć£o sobre alguma nova droga ou sobre o uso de uma droga para obter um efeito. Isso Ć© ilustrado em um caso recente, quando informaƧƵes sobre o antihistamĆ­nico Benadryl circularam nas redes sociais. Os usuĆ”rios relataram que consumir essa droga causava alucinaƧƵes e desafiavam uns aos outros a tomĆ”-la. Infelizmente, como resultado pelo menos uma pessoa morreu.

AlĆ©m desses exemplos extremos, tambĆ©m estĆ” se tornando rotina ver desinformaĆ§Ć£o nas mĆ­dias sociais sobre drogas como a maconha. Em particular, as alegaƧƵes feitas sobre medicamentos Ć  base de cannabis, que sugerem que tudo, desde a dor ao cĆ¢ncer terminal, pode ser curado. 

Elas sĆ£o feitas apesar da falta de pesquisas e evidĆŖncias que apoiem essas afirmaƧƵes. Tragicamente, esse tipo de desinformaĆ§Ć£o oferece uma falsa esperanƧa para pessoas que muitas vezes estĆ£o em um ponto muito vulnerĆ”vel de suas vidas. As falsas alegaƧƵes sĆ£o prejudiciais em si mesmas, mas podem tornar-se ainda mais graves se as pessoas decidirem interromper a intervenĆ§Ć£o mĆ©dica tradicional e usar esses produtos na crenƧa de que sua saĆŗde vai melhorar.

A desinformaĆ§Ć£o sobre drogas ilĆ­citas tambĆ©m pode tornĆ”-las mais atraentes para pessoas que nĆ£o sĆ£o avessas a riscos. Para elas, o apelo estĆ” no risco que a droga representa. NotĆ­cias falsas amplamente divulgadas podem atĆ© ser a razĆ£o pela qual experimentam esses tipos de drogas.

Encontrar maneiras de reduzir esse tipo de desinformaĆ§Ć£o Ć© importante para evitar consequĆŖncias perigosas. As plataformas de mĆ­dia social tĆŖm um papel importante a desempenhar na regulamentaĆ§Ć£o da informaĆ§Ć£o āˆ’ caso desejem. Educar as pessoas sobre como detectar notĆ­cias falsas e melhorar a educaĆ§Ć£o dos jovens nas escolas sobre drogas tambĆ©m pode evitar a disseminaĆ§Ć£o dessas informaƧƵes errĆ“neas prejudiciais.

Precisamos aceitar que sempre haverĆ” interesse pelas drogas e que informaƧƵes falsas sobre elas acompanharĆ£o essa curiosidade. As plataformas de mĆ­dia social tĆŖm a capacidade de mitigar a desinformaĆ§Ć£o, mas podem nĆ£o ter a vontade se uma aĆ§Ć£o ameaƧar seus interesses comerciais. Assim, resta aos jovens e suas famĆ­lias a missĆ£o de separar o fato da ficĆ§Ć£o, enquanto tentam reduzir os riscos potenciais que algumas drogas representam.

 

Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licenƧa Creative Commons. Leia o artigo original.