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As novas regras da BBC para uso de redes sociais por jornalistas

 

 

Por Aldo De Luca | MediaTalks, Londres 

A jornalista-celebridade da BBC Victoria Derbyshire surpreendeu o Reino Unido, engolfado pela segunda onda do coronavírus, ao aparecer nas capas do The Times, The Guardian e  Daily Telegraph em 27/10 anunciando que não iria respeitar as regras de isolamento social no Natal. 

Se a opinião tivesse sido postada em suas contas no Twitter ou no Facebook depois do lançamento do novo Guia do Uso Pessoal das Mídias Sociais instituído pela BBC nessa quinta-feira (29/10), ela teria desrespeitado a regra de não expressar opinião a respeito de questões de política pública. 

Victoria, que apresentava um programa matinal suspenso como parte dos cortes recentes na rede pública, mas que continua como apresentadora de noticiário no mesmo horário, desculpou-se às 5h da manhã pelas redes sociais, não em tempo de evitar uma onda de críticas nas redes. Por enquanto, o caso ficou por isso mesmo.  

Trata-se, no entanto, de mais um episódio a colocar lenha na fogueira da imparcialidade cobrada da BBC, um dos motivos alegados pelo governo de Boris Jonhson para intervir mais diretamente na rede. 

“Sua marca pessoal nas redes sociais é secundária em relação à sua responsabilidade com a BBC”

Demonstrar a imparcialidade da rede é uma das principais preocupações do novo diretor-geral Tim Davie, desde que assumiu a BBC em setembro. E um de seus primeiros alvos nessa questão, com a publicação do guia, é garantir que a reputação da rede não seja prejudicada pelas manifestações pessoais dos funcionários nas mídias sociais.

Os jornalistas e os líderes seniores da empresa terão padrões de imparcialidade mais elevados do que os demais. Em um e-mail à equipe, Davie disse que as principais expectativas se referem às quatro regras básicas: que eles não critiquem outros funcionários da BBC em público, tratem os outros “com respeito e cortesia em todos os momentos”, não coloquem a empresa em posição de descrédito, e nunca expressem opiniões pessoais sobre política, questões de política pública ou “assuntos polêmicos”.

“O guia ajudará a garantir que todos mantenham e protejam os mais altos padrões de imparcialidade da BBC e a confiança que o público espera, exige e merece”, concluiu. 

Com dezenas de exemplos sobre o que fazer e o que não fazer no uso de hashtags, curtidas, compartilhamentos e retuítes, o guia enfatiza aos funcionários que “sua marca pessoal nas redes sociais é sempre secundária em relação à sua responsabilidade para com a BBC”.

Nesse sentido, as regras enfatizam que todos estejam cientes de que diferenças entre uma conta pessoal e uma “oficial” não são percebidas nas redes sociais. E que postar em grupos privados ou em contas com configurações de privacidade bloqueadas não será considerado um atenuante. Também não serão aceitas como exoneração de responsabilidade declarações nas postagens de que tratam-se de “opiniões pessoais e não da BBC”.

A violação das novas orientações pode levar a ações disciplinares e até mesmo à demissão “em circunstâncias graves”, disse a BBC.

Notícias devem ser divulgadas nas plataformas da BBC

O guia proíbe os jornalistas de divulgarem notícias por conta própria, alertando que a divulgação nas plataformas da BBC é a prioridade de cada um, mesmo que demore um pouco mais. 

Há uma recomendação expressa para que não seja sacrificada a precisão em favor da velocidade: “Publicar em segundo lugar e certo é sempre melhor do que publicar em primeiro lugar e errado – uma postagem imprecisa é um problema para você, seus colegas e a BBC”.

Contas pessoais não podem ser usadas para ganhos pessoais ou fins políticos

Nas postagens das contas pessoais, o Guia estabelece que os jornalistas nunca usem o status BBC para buscar ganhos pessoais, fazer campanhas pessoais ou expressar uma opinião sobre política, políticas públicas ou assuntos polêmicos.

As regras exigem que os jornalistas assumam que qualquer coisa que disserem ou postarem será vista de forma crítica e que não publiquem nada que não possa ser dito publicamente: ”Não confunda as redes de mídia social como reflexos precisos da opinião pública; seu público está esmagadoramente em outro lugar”.

O guia estabelece também que as manifestações pessoais não devem colocar a BBC em posição de descrédito, e exige que os colegas não sejam criticados em público, respeitando a privacidade no local de trabalho e a confidencialidade dos assuntos internos. Em reportagem sobre o tema, o jornal The Times considerou que este item estaria sendo usado pela BBC para silenciar os vazadores, depois que vários funcionários expressaram-se nas redes sociais contra os cortes de empregos promovidos pela rede.

 

Se beber, não tuíte

 

O Guia faz também recomendações de cunho geral para o uso das mídias sociais: 

1. Evite a tentação de postar rapidamente e sem pensar na linguagem que está usando: “Não se deixe “seduzir pela informalidade do tom e da linguagem nas redes sociais”. 

2. Comporte-se profissionalmente, trate os outros com respeito e evit “trocas mal-humoradas”. Tenha cuidado com as refutações – elas podem alimentar o conflito.

3. Se você sabe que há algo errado, corrija rapida e abertamente.

4. Não faça julgamentos além de sua especialidade.

5. Não crie links para nada que você não tenha lido completamente

6. Abstenha-se de postar quando seu “julgamento puder ser prejudicado”, como por causa do álcool.

7. Se você estiver “tuitando ao vivo” uma história, indique claramente que ela está em desenvolvimento e que suas postagens não são uma visão final ou definida.

8. Use postagens separadas sobre questões públicas em vez de unir tópicos iniciados por outros.

Emojis banidos

Para evitar que as manifestações na rede, mesmo que em tom imparcial, possam ser acidental ou até deliberadamente desvirtuadas, o Guia desencoraja o uso de recursos que possam dar margem a interpretações diversas, como emojis ou sinais, como asteriscos.

Manifestações e contas seguidas podem indicar preconceitos e opiniões pessoais

O guia chama a atenção para comportamentos de “parcialidade revelada”, como uso de hashtags políticas ou de curtidas de postagens partidárias. E proíbe os jornalistas de revelarem como votam ou de expressarem apoio a qualquer partido político.

As regras se preocupam também com o que classificam de “parcialidade inferida”, recomendando que os jornalistas, para não serem percebidos como tendenciosos, evitem seguir contas de mídia social que refletem apenas um ponto de vista sobre questões de política pública, política ou “assuntos polêmicos”. O guia enfatiza: “Esteja aberto, busque e respeite a mais ampla gama de opiniões e reflita sobre elas”.

Até apoio a campanhas deve ser evitado

O guia recomenda que se evite o que classifica como “sinalização de virtude” – manifestações destinadas a demonstrar valor moral, como retuítes, curtidas, uso de hashtags ou declarações de apoio a campanhas, não importando quão aparentemente valiosa seja a causa.

Parece ter endereço certo:  Gary Lineker. O ex-jogador da seleção inglesa de futebol que recebe atualmente o maior salário da rede como âncora do programa Match of the Day, com 7,7 milhões de seguidores, engajou-se de corpo e alma na campanha empreendida pelo jogador Marcus Rashford para obrigar o governo a fornecer alimentação a crianças durante as férias escolares de outubro, uma saia-justa sem tamanho para o primeiro-ministro Boris Johnson. 

Reportagem do jornal The Times revelou que, durante as últimas manifestações do Black Lives Matter, os gerentes da BBC disseram à equipe para não expressar publicamente o apoio ao movimento. As novas regras estipulam que, não estando a trabalho, os jornalistas não devem comparecer a nenhuma marcha ou manifestação sobre temas polêmicos. E ressalta a necessidade de imparcialidade na cobertura dos debates sobre estátuas e nomes de ruas vinculados à escravidão, provocados pelo movimento.

O jornal informa também que funcionários LGBT questionaram se as regras significariam que eles não poderiam mais comparecer às paradas do Orgulho LGBT. Segundo a reportagem, a diretora Fran Unsworth não conseguiu dar uma resposta definitiva. A equipe foi instruída a buscar conselhos dos seus respectivos chefes sobre a participação nesse caso específico.

Na sexta-feira, 30/10, saiu uma posição oficial autorizando a participação. 

Reação da equipe 

As novas diretrizes devem afetar o alcance de algumas das contas de jornalistas da BBC líderes de audiência, como a da editora política Laura Kuenssberg, com 1,2 milhão de seguidores. O jornal The Times informou que o guia foi bem recebido por membros da BBC, que temem que as atividades de um pequeno número de colegas nas mídias sociais tenha manchado a reputação da emissora. Mas alguns funcionários expressaram exasperação com o grande número de regras que foram impostas e questionaram como poderiam ser aplicadas em uma organização de 22.000 pessoas.

No mês passado, o diretor-geral Tim Davie garantiu que elas seriam aplicadas e disse que estaria disposto a despedir estrelas como Gary Lineker. 

A resposta de Lineker na época colidiria frontalmente com as novas regras que acabam de ser divulgadas. Ele zombou publicamente da ameaça do diretor postando na sua conta pessoal no Twitter justamente um emoji. E chorando de rir.


 

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