Por Aldo De Luca | MediaTalks, Londres

Uma iniciativa que reuniu 55 fotógrafos de todo o mundo, a maioria também ativista de direitos humanos, arrecadou durante os últimos quatro meses recursos para apoiar a democratização da Bielorrússia. O país está conflagrado desde agosto por protestos contra o presidente Aleksandr Lukashenko, conhecido como “o último tirano da Europa”, que se proclamou vencedor de um sexto mandato nas eleições realizadas naquele mês e consideradas fraudulentas pela oposição e por países ocidentais. 

Os prints das fotografias foram vendidos por 100 euros cada um, com a arrecadação destinada à Belarus Solidariety Foundation (BySol). A entidade já recebeu e repassou quase 3 milhões de euros a pessoas que perderam seu emprego ou estão sendo processadas e sofrendo represálias por participarem dos protestos contra Lukashenko.

Os jornalistas estão entre os mais pressionados. Mais de 400 violações à liberdade de imprensa foram denunciadas pelas três principais entidades do setor, entre elas a detenção arbitrária de 230 jornalistas. Vários sofreram tortura, apreensão dos equipamentos, penas de prisão e multas. Três foram feridos por balas de borracha. Relatório da organização bielorrussa de direitos humanos Viasna denuncia que mais de 16 mil manifestantes foram detidos e que há mais de 100 presos políticos no país, entre eles blogueiros.

Além da arrecadação de dinheiro para a causa, algumas das fotografias revelam um pouco da história e do momento que vive o país.

 

O retrato de  Svetlana Tikhanovskaya

Svetlana concorreu contra Lukashenko e, após pedir recontagem dos votos, foi obrigada a se exilar na vizinha Lituânia. Os líderes que não se exilaram foram detidos. Um deles, o ex-soldado Roman Bondarenko, de 31 anos, morreu no dia seguinte à sua detenção pela polícia. Ele foi hospitalizado com danos cerebrais e suspeita-se que a causa tenha sido espancamento, aumentando para quatro o número de pessoas mortas durante os protestos ou após serem detidas pelas forças de segurança. Seu funeral ocorreu no último dia 20 de novembro. Svetlana, que inspira a resistência e é um símbolo do novo para o país, disse que a luta é para que tais casos nunca se repitam.

A foto é da dupla Evgeny Kanapleve e Yulia Leydick, uma união de dois fotógrafos única na Bielorrússia, que cria imagens emocionalmente fortes e memoráveis. Desde 2011, eles trabalham juntos. Yulia é a alma emocional e Evgeny responde pelo desempenho técnico.

 

A revolução das mulheres 

A força das mulheres que lideram a revolução bielorrussa inspirou o trabalho de Mikhail Leshchanka, nascido na capital Minsk: “Nesta foto, faço referência a uma mulher que foi uma das primeiras a ultrapassar os limites do papel feminino geralmente aceito na sociedade, tornando-se uma das líderes do movimento de independência nacional na Bielorrússia. Ela foi chamada de “dama de ferro” por alguns historiadores, porque recusou sua identidade feminina em favor de uma luta pela identidade nacional”.

 

Festa da independência 

O flagrante é da festa de 20 anos da independência da Bielorrússia, em 3 de julho de 2011, em Minsk. Ex-república soviética desde 1991, a Bielorrússia só passou os três primeiros anos sem Lukashenko, que se perpetua no poder há 26 anos. 

Policiais como o que aparece na foto são o último recurso de Lukashenko contra os manifestantes que exigem sua renúncia. A foto é de Aleksey Naumchik, fotógrafo e artista visual da capital Minsk, que tem sido palco das maiores manifestações, entre elas a que reuniu mais de 100 mil pessoas, um recorde na história do país.

 

O símbolo da revolução

As flores e a fita branca são os símbolos da revolução bielorrussa. Na foto de Jędrzej Nowicki, a mulher que as levanta está perto da prisão de Okrestina, em Minsk, para onde muitos dos manifestantes detidos nos protestos foram levados.

 

Jornalistas ameaçados 

O trabalho de Ben Van den Berghe retrata Paul, que ele descreve como “um grande ator em seu próprio universo ficcional”. Na foto, Paul vive o papel de jornalista, “em busca de histórias ocultas e desconhecidas em um mundo inexplicável, talvez melhor capturado pelas lentes de uma câmera de papelão”.

O governo de Lukashenko tem usado os mais variados recursos para dificultar o trabalho da imprensa. Os sites de notícias têm sido bloqueados, e um dos mais populares, o TUT.BY, que vinha cobrindo regularmente os protestos, foi banido por três meses, até o fim do ano, por ter divulgado “informação proibida”. 

A própria internet tem sido bloqueada durante os protestos, assim como nos dias após a eleição. Um processo foi aberto contra o jornalista Yahor Martsinovichum, editor do Nasha Niva, um dos mais antigos do país. Redes estatais de distribuição dificultam a circulação dos veículos impressos. E o credenciamento da imprensa estrangeira não é renovado aos que lá estão e nem é concedido aos interessados em ingressar no país.

 

Se não tem academia, use tijolos 

“Você não tem dinheiro suficiente para a academia? Pegue os tijolos e faça exercícios em casa!” Acredite: a imagem faz referência a uma fala do presidente da Bielorrússia, dita à população durante uma das crises financeiras do país. A foto é do fotógrafo bielorrusso Alexey Shlyk, atualmente radicado em Antuérpia, na Bélgica.

 

Rituais mágicos 

Formado em História, o fotógrafo bielorrusso Siarhej Leskiec concentra-se nas tradições folclóricas e rituais do campo da Bielorrússia. Ele descobriu que no distrito de Krupsky há uma árvore que − acredita-se − cura doenças com o uso de certos rituais.Na foto, a senhora de uma aldeia vizinha mostra como curou o medo que sentia seu filho pequeno.

O projeto também lançou um olhar sobre outras partes do mundo

Na América Latina, a situação delicada das mulheres trans. A imagem é do projeto “A Light Inside”, de Danielle Villasana, que busca retratar os desafios e os riscos à vida que as mulheres transgêneros enfrentam na América Latina. Na foto, uma mulher trans prepara-se para a noite em seu quarto em Lima, no Peru. A fotógrafa explica sua motivação: “As mulheres trans são extremamente marginalizadas e discriminadas em toda a região, já que a América Latina registra o maior número de homicídios trans, com quase 80% do total, e a maioria das mulheres trans não passa dos 35 anos”.

 

No Curdistão iraquiano, homens marcham com tochas em Akre, como parte da celebração de Newroz, o ano novo curdo. A foto é de Sebastian Meyer, que foi cofundador da Metrography, a primeira agência de fotos iraquiana.

 

Refugiados afegãos se aquecem perto de uma fogueira em Belgrado, na Sérvia. A foto é de Alexandra Rose Howland.

 

Em Bangladesh, um pescador prepara a rede no rio Buriganga, na zona industrial de Dhakas Gabtali. O rio é um dos mais poluídos de Bangladesh, mas é usado pelos pescadores para a coleta de sua alimentação diária. A foto é de Sebi Berens.

 

Na República de Camarões, Marceline, de Eboundja, descansa sobre uma pedra, na foto de Reinout van den Bergh. O fotógrafo visita a vila de pescadores todo ano desde 2011 e escreveu um livro sobre o tema: “Como os chineses encontraram ferro nas profundezas da selva e construíram um porto marítimo próximo a esta pequena vila de pescadores, ela está desaparecendo lentamente.”

 

No Sri Lanka, crianças brincam em Jaffna, ao entardecer. Elas são a geração expulsa de Vasavilan Leste devido ao conflito entre os Tigres de Libertação e os militares do Sri Lanka. Amrita Chandradas, autora da foto, as considera o símbolo da resiliência.

 

Nos Estados Unidos, a foto de Maggie Steber capta o cochilo de domingo depois da missa das irmãs da família Trody, na mesma cama que compartilham à noite, na casa de sua família multirracial em um bairro de baixa renda em Miami. A família Trody foi despejada de sua casa, que está em ruínas, com janelas quebradas e buracos no chão e nas paredes. A organização Take Back The Land interveio em seu nome e eles conseguiram viver na casa por mais 3 anos.

 

E para terminar, a foto de Casper Fitzhue, artista visual e escritor romeno. Um híbrido entre uma flor e uma máquina, a obra Prototype V é uma escultura-meditação sobre a possibilidade de vida após o colapso ecológico, com uma proposta para um satélite produtor de oxigênio ou monumento que sustenta a vida.

Uma espécie de esperança além da esperança.

 

Aldo De Luca,  Conselheiro e colaborador do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileiro radicado em Londres. Formado em Jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense), foi repórter especial do jornal O Globo em 1987 e 1988. Fundou junto com Luciana Gurgel a agência Publicom, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group).  Além de jornalista,  é Engenheiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Integra a  FPA (UK Foreign Press Association).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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