• Brasil não é mencionado no comunicado que antecipa os próximos países a receberem a novidade 

Pode ser mera coincidência, mas três dias depois de o governo britânico divulgar a criação de um órgão regulador para as gigantes digitais o Facebook anuncia a decisão de remunerar as empresas jornalísticas por conteúdo no país. Em um post no blog, o diretor de parcerias Jesper Doub informa que um espaço dedicado a notícias, o Facebook News, entrará em operação em janeiro de 2021. 

 

“Com o Facebook News, pagaremos às editoras por conteúdo que ainda não está na plataforma, ajudando os editores a alcançar novos públicos e trazendo mais oportunidades de publicidade e assinatura”, diz o diretor. 

 

Atualmente, a maior parte do consumo de notícias via Facebook acontece por meio de links compartilhados no feed de notícias de um usuário. Com o Facebook News, uma equipe de curadoria do agregador de notícias Upday fará a seleção, escolhendo entre as principais notícias publicadas pelos participantes, priorizando conteúdo original. A oferta será complementada por matérias selecionadas pelos algoritmos, refletindo, segundo o Facebook, os interesses dos usuários. 

Este é um ponto que já começa a gerar alguma controvérsia. Ao comentar o lançamento, o editor de mídia da BBC, Amol Rajan, afirmou:

“O Facebook sempre disse que não quer tomar decisões editoriais. Ele terceiriza a verificação de fatos para organizações como a Full Fact e terceirizará a curadoria deste serviço de notícias para uma organização chamada Upday, encarregada de selecionar matérias ‘confiáveis’ e ‘relevantes’, o que quer que um editor de plantão decida o que isso significa”. 

O acordo envolve inicialmente algumas das principais organizações jornalísticas britânicas, como Guardian, Reach (Daily Mirror), Daily Star, Archant (que publica jornais regionais importantes), The Economist, Conde Nast, ESI Media (Evening Standard), JPI Media (Scotsman), Illife (editora de jornais regionais) e Hearst (editora de revistas como Country Living e Women’s Health).  Entre os grandes editores, ficaram de fora o grupo News Corp, que publica o The Times e o The Sun, e o DGMT, dono do Daily Mail. 

Segundo a BBC, o serviço estará disponível apenas no aplicativo para dispositivos móveis, e não nos navegadores. 

O Facebook não comentou quanto investirá no programa, mas o The Guardian antecipou que “alguns editores esperam ganhar milhões de libras por ano com os acordos de longo prazo assinados com a rede social“. O jornal afirma que fontes da indústria estimam que a conta anual total do Facebook deve chegar a dezenas de milhões somente no Reino Unido. 

O Facebook News foi lançado inicialmente nos Estados Unidos em junho passado. Segundo a empresa, gera para as editoras participantes mais de 95% de tráfego de novos leitores. Em agosto, a empresa havia revelado planos de expandir o serviço para vários países, incluindo o Brasil.  

Na França, o Facebook também anunciou há duas semanas um acordo com algumas editoras de jornais e revistas para pagar pelo conteúdo, só que em resposta a uma decisão judicial que o obrigou a negociar com as empresas jornalísticas. No comunicado do Facebook News, a empresa disse estar em negociações para implantar o serviço na França e na Alemanha, sem mencionar outros países além desses.

“Continuaremos a trabalhar com editores em países onde as condições de mercado e os ambientes regulatórios convidem a esse tipo de investimento e inovação”.

Plataformas sob pressão 

A decisão de priorizar o Reino Unido é tomada em um momento de alta pressão sobre as plataformas para amenizar seu impacto sobre a indústria de mídia.  

No comunicado em que anunciou aUnidade de Mercados Digitais (DMU) na última sexta-feira (27/12), o governo foi explícito quanto a esse objetivo, ressaltando que “o código de conduta a ser aplicado pelo novo órgão regerá a relação comercial entre empresas jornalísticas e plataformas, a fim de ajudá-las a se manterem no mercado e de garantir acordos justos para os editores“. 

A unidade, que começa a funcionar em abril, ficará sob a responsabilidade da poderosa autoridade de concorrência britânica, a CMA (Consumers Market Authority). Sua implantação é uma das recomendações de um extenso relatório examinando o impacto das plataformas sobre jornalismo, negócios e privacidade dos usuários feito pela própria CMA, que servirá como base para a elaboração do código de conduta. 

Segundo a consultoria E-Marketer, 80% das receitas de propaganda online no país ficam nas mãos de Google, Facebook, Snapchat, Twitter e Instagram. 

As reações 

Como parte do roteiro esperado, o comunicado do Facebook destaca opiniões de alguns participantes saudando o acordo: 

Zach Leonard, diretor executivo do The Independent, comentou:

“Estamos muito satisfeitos em estender a parceria estratégica de longa data do The Independent com o Facebook por meio do lançamento do Facebook News no Reino Unido, ajudando a trazer notícias de alta qualidade e confiáveis ​​para seus usuários no país”. 

David Higgerson, diretor de audiência do Reach, disse:

“Saudamos a introdução do Facebook News Tab no Reino Unido como um sinal do compromisso da empresa em garantir que jornalismo preciso e bem apurado receba destaque em sua plataforma”. 

Bobby Hain, diretor da emissora escocesa STV, disse:

“Temos o prazer de ser um parceiro de lançamento do Facebook News e de fornecer conteúdo escocês relevante, confiável e envolvente para os usuários deste novo serviço inovador”.

O Guardian não se manifestou no comunicado, mas suamatéria sobre o acordo, assinada pelo editor de mídia Jim Waterson, menciona que ele chega no momento em que a rede enfrenta ameaças de ver seu domínio na publicidade online quebrado. Ele salienta que “a indústria de notícias tem perdido para o Facebook a batalha no mercado de publicidade britânico”. 

O editor de mídia da BBC,Amol Rajan, lembrou que em 2018, mesmo diante de pressões das editoras, Mark Zuckerberg disse que não pagaria aos editores por conteúdo. Ele observou que “por mais de uma década, as organizações jornalísticas vêm argumentando que as empresas de tecnologia carregam seu conteúdo sem pagar por ele e, portanto, agem como sanguessugas”, e acha que a iniciativa atual ajudará a enfraquecer o argumento. 

Rajan também destacou que a frase dizendo que o movimento sinaliza ao governo que o Facebook vai investir em ações de interesse público, como o jornalismo, “desde que o ambiente regulatório seja favorável”, pode ser interpretada como um recado sutil. 

 

Facebook News, pelo Facebook 

 

Naapresentação do Facebook News para os Estados Unidos em outubro, o plataforma salientou a importância do jornalismo:

O jornalismo desempenha um papel crítico em nossa democracia. Quando as notícias são amplamente divulgadas e bem fornecidas, fornecem às pessoas informações nas quais podem confiar. Quando não é, perdemos uma ferramenta essencial para tomar boas decisões.

Hoje estamos começando a testar o Facebook News, um local dedicado a notícias no Facebook, para um subconjunto de pessoas nos Estados Unidos. O serviço dà às pessoas mais controle sobre as matérias que veem e a capacidade de explorar uma gama mais ampla de seus interesses por notícias, diretamente no aplicativo do Facebook. Também destaca as matérias nacionais mais relevantes. Os artigos de notícias continuarão a aparecer no Feed de notícias como fazem hoje. 

O comunicado observa que o serviço foi desenhado com apoio de jornalistas e editores:

À medida que procurávamos construir um lugar onde as pessoas pudessem encontrar mais notícias no Facebook, mudamos nossa abordagem para reunir ideias de jornalistas e editores antes de começarmos a desenvolver um produto. Como Mark Zuckerberg disse em uma conversa com Mathias Döpfner , CEO da maior editora da Europa, Axel Springer, queríamos construir este produto de forma consultiva, compartilhando nossas ideias e obtendo contribuições da indústria. Conversamos com empresas jornalísticas sobre o que gostariam de ver incluído, como suas matérias deveriam ser apresentadas e quais análises fornecer. 

E disse que a partir das conversas foram identificados os principais recursos: 

    • Notícias de hoje escolhidas por uma equipe de jornalistas para mantê-lo atualizado ao longo do dia 
    • Personalização com base nas notícias que você lê, compartilha e segue, para que possa encontrar novos interesses e tópicos e as Notícias do Facebook são novas e interessantes sempre que você abre
    • Seções de tópicos para se aprofundar em negócios, entretenimento, saúde, ciência e tecnologia e esportes
    • Suas assinaturas, uma seção para pessoas que vincularam suas assinaturas de notícias pagas a suas contas do Facebook
    • Controles para ocultar artigos, tópicos e editores que você não deseja ver 

 

O Facebook disse que “com relação à personalização, os editores se preocupam com o fato de o aprendizado de máquina ter limites e eles estão certos”:

“Temos que progredir antes de podermos contar apenas com a tecnologia para fornecer um conjunto de notícias de qualidade. Também pretendemos servir pessoas e editores de notícias, e não apenas os grandes jornais nacionais. Queremos que novas formas de jornalismo na era digital, incluindo o jornalismo individual e independente, floresçam. Portanto, continuaremos a expandir a seleção algorítmica de histórias que impulsionam a maioria das notícias do Facebook”.

E assim foi explicada a ideia de curadoria: 

“Quando começamos a conversar com empresas jornalísticas sobre a construção do Facebook News no início deste ano, eles enfatizaram que reportagens originais são mais caras de produzir e mais reconhecidas por jornalistas experientes do que por algoritmos. Então, para ajudar a recompensar esse tipo de trabalho, formamos uma equipe de curadoria para gerenciar a seção de Notícias de Hoje do Facebook News. A equipe terá independência editorial e selecionará histórias com base nas diretrizes disponíveis publicamente, as quais você pode aprender em facebook.com/news.”

Sobre a apresentação do conteúdo, o Facebook assim descreveu: 

O Facebook News apresentará uma ampla gama de conteúdo em quatro categorias: notícias gerais, temáticas, diversas e locais. No início do ano, pesquisamos mais de 100.000 pessoas no Facebook nos EUA sobre quais tópicos eles estavam mais interessados ​​e descobrimos que estávamos atendendo a muitos tópicos que as pessoas mais queriam em seus feeds de notícias, especialmente em torno de categorias como entretenimento, saúde , negócios e esportes. Levamos isso em consideração ao identificar os editores nessas quatro categorias.

Como identificamos essas categorias? Eles precisam estar em nosso Índice da página de notícias , que desenvolvemos em colaboração com a indústria para identificar o conteúdo das notícias. Eles também precisam obedecer às Diretrizes para Editores do Facebook , que incluem uma série de sinais de integridade na determinação da elegibilidade do produto, incluindo desinformação – conforme identificado com base em verificadores de fatos de terceiros – violações de padrões da comunidade (por exemplo, discurso de ódio), clickbait, engate outras. Verificaremos continuamente o status de integridade para garantir que os critérios de elegibilidade sejam atendidos de forma consistente. Por fim, elas devem atender a um público suficientemente grande, com limites diferentes para as quatro categorias. 

A plataforma disse que “os critérios evoluirão com o tempo para garantir que as pessoas vejam fontes valiosas para elas e que incluamos matérias sobre seus temas de interesse”. 

É confiável?

O site de avaliações Pocket-Lint publicou em agosto um artigo sobre o Facebook News, mostrando como o serviço iria funcionar – aparecendo como um favorito – no menu “mais” de três linhas – no celular. 

Imagem 2 do Facebook

E à pergunta “você pode confiar no Facebook News?”, respondeu: Nós não sabemos. 

“O Facebook não divulgou a lista completa de publicações que se juntam ao Facebook News, levantando sérias preocupações sobre seu potencial de espalhar notícias falsas. Mas o Facebook disse que usa  jornalistas  para ajudar a programar o Facebook News, e há um algoritmo subjacente   para personalizar o feed de sua história. Os usuários podem reagir, publicar e ocultar artigos, mas não podem comentar. Eles também podem ocultar tópicos e editores.”

 

E possível que outros empresas jornalísticas britânicas se juntem ao serviço, para não ficarem à margem. E até o lançamento, o Facebook deve ajustar o formato conforme as necessidades manifestadas pelos editores, que devem estar em posição vantajosa na conversa devido à iminente entrada em operação do órgão regulador. 


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