Por Luciana Gurgel | MediaTalks, London 

Anthony Bellanger é um jornalista francês, historiador e sindicalista. Desde 2015, ele é o secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), a organização global líder da profissão que representa mais de 600.000 jornalistas em 146 países ao redor do mundo.

Nesta entrevista ao MediaTalks by J&Cia, ele falou sobre os desafios enfrentados pelos jornalistas e sobre o jornalismo em meio à pandemia de coronavírus. 


Já existem sinais de recuperação dos empregos em jornalismo considerando os aumentos de audiência e de confiança na imprensa? 

Infelizmente, não vejo nenhum sinal positivo de recuperação porque muitos jornalistas freelances estão desempregados desde março e outros perderam seus empregos. É muito difícil contabilizar o número de empregos perdidos − estamos fazendo a contagem com a ajuda de nossas afiliadas ao redor do globo – mas dezenas de milhares de empregos a menos é uma realidade.  

Acredita que esses níveis maiores de confiança podem impactar o trabalho ao trazer mais audiência e convencer o público a pagar por notícias? 

Dentro da IFJ, acreditamos que informação de qualidade, jornalismo ético e bom treinamento em jornalismo profissional são os pré-requisitos para que o público recupere a confiança e compre jornais ou assine títulos online.

O que podemos esperar dos próximos meses em relação a perdas de emprego? Tempos difíceis estão chegando? 

Com certeza. Os próximos meses serão terríveis para os jornalistas e os profissionais de mídia. A expectativa é de uma crise sem precedentes. 

Freelances foram mais afetados pela pandemia. Como esses profissionais poderiam ser protegidos por organizações jornalísticas e governos? 

Existem alguns países que imediatamente tomaram medidas para proteger os jornalistas freelances, como França, Bélgica, Alemanha, Dinamarca, países do norte europeu, entre outros. Mas, infelizmente, são poucos. 

Como a pandemia afetou a saúde mental dos jornalistas? 

A IFJ publicou uma grande pesquisa global em junho, e muitos jornalistas nos disseram que enfrentaram muitos problemas mentais sérios durante o trabalho, com más condições materiais para trabalhar, às vezes sem pagamento. E eu nem estou falando dos problemas pessoais e familiares que a crise gerou.  

As organizações de mídia estão fazendo o suficiente para oferecer suporte àqueles cuja saúde mental foi afetada?

Claramente isso é responsabilidade do empregador. Em grandes empresas de mídia existem de tempos em tempos serviços dedicados à saúde mental dos jornalistas, como acontece na em empresas como BBC.  E especialmente para jornalistas retornando de zonas de guerra. A IFJ também trabalha com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha para garantir que jornalistas com dificuldades recebam suporte. 

Alguns jornalistas já estão de volta às redações, enquanto outros continuam trabalhando de casa. Existe alguma recomendação da IFJ sobre o assunto? 

De um ponto de vista global, é preciso lembrar das regras básicas de segurança para trabalhar adequadamente. Cada país promoveu suas próprias regras nacionais. Se há trabalho em casa, a IFJ diz que tudo deve ser claramente escrito em um acordo coletivo: tempo de trabalho, local e jornada. 

Algumas empresas de mídia anunciaram que vão continuar com a maior parte de sua equipe trabalhando de casa por um bom tempo − ou para sempre –, considerando que isso contribui para reduzir os custos e – para alguns – aumenta a produtividade. Isso é uma tendência? 

Creio que nós podemos considerar novas formas de trabalhar, mas tudo deve ser especificado antecipadamente. Na IFJ, nós achamos que é possível considerar uma parte da semana para o teletrabalho, mas a atmosfera da redação permanece essencial para o estímulo do trabalho coletivo.  

A pandemia agravou as ameaças à liberdade de imprensa. Em  países onde a situação está pior a qualidade da cobertura jornalística foi afetada? 

Com certeza. Nós acreditamos que onde a violência em geral contra a imprensa é alta, a qualidade da informação é menor pois os jornalistas censuram a si mesmos e não conseguem trabalhar livremente. Ninguém consegue viver sob um clima de ameaça. 

Apesar da atenção obtida por causa do problema das fake news durante a pandemia, a situação não parece ter melhorado. O que mais pode ser feito para conter as ameaças? 

As notícias falsas surgem assim que existe um assunto que permita a propagação delas. É um clássico! Eu apenas digo novamente para os grandes conspiradores que eles pegam as informações de fontes onde informações de qualidade têm o direito de ser divulgadas.

A IFJ entrou em contato com os governos para negociar com as plataformas de mídia para criar um fundo de suporte aos jornalistas. Como a entidade vê essa alternativa? 

Agora é o momento certo para encontrar um novo modelo de negócio para a imprensa, na medida em que a publicidade está em queda livre e a venda em banca despencou. Se quisermos que a democracia sobreviva, se quisermos uma imprensa livre, é preciso fornecer os meios financeiros necessários para isso, seja diretamente de fundos públicos ou através de impostos para as plataformas digitais. Tais impostos devem ser negociados em nível nacional, entre os diferentes parceiros sociais, sindicatos de jornalistas e de profissionais de imprensa, empregadores e governos. 

Modelos de negócio para organizações de mídia estão sendo discutidos em meio aos efeitos da pandemia nas receitas (inscrições, programa de membros, micropagamentos, doações, apoio do estado, apoio de instituições de caridade) Qual deles – ou quais – você acha que vai funcionar?

O melhor para mim, depois dos impostos sobre as gigantes da internet, é o sistema coorperativo com leitores e acionistas. Existem diversos exemplos que funcionam. É um sistema saudável e justo. 

Quais são os principais aprendizados com a pandemia? 

Esses períodos mostraram mais do que nunca que a mídia de qualidade é a única fonte confiável de informação em um contexto em que todo mundo está falando coisas sem sentido nas redes sociais e acha que são especialistas em epidemiologia… O próprio presidente americano entendeu muito tarde (sem admitir!) o quão errado estava.