- Em vez de denunciar fake news, iniciativa da Repórteres Sem Fronteiras vai certificar jornalismo confiável
- Para diretor da organização na América Latina, imprensa está vivendo uma década decisiva
Em live promovida pelo MediaTalks nessa quinta-feira (10/12), Emmanuel Colombié, diretor da Repórteres sem Fronteiras na América Latina, destacou que a maior dificuldade dos projetos de leis que buscam regular a moderação de conteúdo nas plataformas digitais ao redor do mundo é a definição do que é notícia falsa.
Parece uma tarefa simples, mas ele ressalta que se a definição não for precisa pode dar margem a que governos usem o conceito para sufocar notícias com diferentes pontos de vista.
“Se o conceito for ambíguo, abre a oportunidade à censura, permitindo que autoridades e governos se coloquem como os donos da verdade. Temos que estar atentos para que a agenda de combate à desinformação não seja usada para sufocar pontos de vista diferentes, de oposição, mas verdadeiros. Será necessário um esforço grande e coletivo de todos os envolvidos para resolver esse problema sem criar outro”.
Aumento significativo dos ataques a jornalistas
Outro grande motivo de preocupação tem sido o aumento de crimes de ódio contra o trabalho dos jornalistas em diversos países. A Repórteres sem Fronteiras tem feito um monitoramento permanente dos ataques para denunciá-los, mas buscando atuar de forma construtiva.
“Saímos da lógica das notas de repúdio e passamos a fazer recomendações para melhorias, não apenas aos países, mas também à OEA e à ONU”.
Ele considera que a pandemia tem sido usada em diversos países como uma oportunidade para aumentar esses ataques.
“Com a neutralização da vida política e a maior dificuldade de se fazerem manifestações, os líderes políticos estão se aproveitando da situação para dificultar o trabalho da imprensa e sua obrigação de fiscalizar”.
“Direito à saúde está ligado ao direito de informar”
Particularmente no Brasil, o diretor da Repórteres sem Fronteiras enfatiza que a falta de transparência dos dados públicos tem dificultado o trabalho da imprensa.
“São necessárias batalhas institucionais para obter os números. Quando se prejudica o direito de informar, o direito à saúde também sai prejudicado. E é na falta dessas informações que prolifera a desinformação”.
Desinformação é apropriada pelas lideranças políticas para atacar jornalistas que questionam
Emmanuel diz que a desinformação vem sendo utilizada pelos grupos de poder e lideranças políticas para promover informações que favorecem ou denigrem a quem lhes interessa.
“Eles manipulam as informações com estratégias complexas, inundam as redes sociais para dificultar o entendimento das notícias reais, influenciam escolhas e assim tentam legitimar sua visão sobre a agenda pública.”
Único antídoto é o bom jornalismo
Emmanuel sustenta que a única maneira de combater a desinformação é com o jornalismo de qualidade, baseado na coleta de dados e fatos, e não em declarações.
Ele destaca que o trabalho de fact-checking é fundamental para desmentir as informações falsas, que circulam numa velocidade maior do que as verdadeiras.
A educação midiática, principalmente para as audiências mais jovens, é outro esforço que considera fundamental para conscientizar os usuários sobre o que está por trás das informações consumidas e a incentivá-los a ter mais responsabilidade com as informações que distribuem.
Iniciativa da Repórteres sem Fronteiras certifica jornalismo confiável
Uma iniciativa da Repórteres Sem Fronteiras, a Journalism Trust Iniciative, está revertendo a lógica da caça à desinformação: em vez de denunciar os autores das notícias falsas, ela está certificando os emissores das notícias verdadeiras.
Por meio de uma série de indicadores, que avaliam a qualidade e independência do jornalismo e estimulam boas práticas e regras de conduta a serem seguidas, a organização distingue jornais e mídias, que incluem até blogueiros, pela confiabilidade de seus conteúdos jornalísticos.
“Trata-se de uma lista de fontes confiáveis. A intenção é que com a certificação esses veículos e mídias possam ser privilegiados pelos algoritmos das plataformas e dos sites de busca, colocando-os em posição prioritária em relação à desinformação, além de gerar maior visibilidade e possivelmente maior receita para eles. Já temos sinalização encorajadora de plataformas e de anunciantes.”
Futuro da imprensa vive uma década decisiva
Emmanuel considera que o mundo vive uma década decisiva para as liberdades, inclusive a de imprensa. Ele tem esperança, mas acha que as perspectivas para o jornalismo não sejam das melhores, nem no plano internacional e nem na realidade brasileira.
” É difícil ser otimista. Como é possível para a imprensa trabalhar e avançar num ambiente em que o próprio presidente organiza um sistema contra jornalistas e veículos que o criticam?”