Por Luciana Gurgel | MediaTalks, Londres
Presidente da Associação de Imprensa Estrangeira de Londres (FPA), a mais antiga do mundo, a australiana Kate McCure trabalha como produtora freelance para o setor de Internacional em TV, rádio e online. Ela atuou por 20 anos na Australian Broadcasting Corporation, a rede de televisão pública da Austrália, trabalhando no país e posteriormente no Reino Unido.
Nessa entrevista, falou sobre os efeitos da pandemia para os profissionais de imprensa estrangeiros que atuam no país, e sobre a adaptação ao trabalho remoto, que já faz parte da rotina dos correspondentes e tornou-se comum para todos os demais desde que a Covid-19 chegou.
Como a pandemia de Covid-19 afetou os correspondentes internacionais no Reino Unido?
Quem mais sofreu por causa da crise?
A situação trabalhista tem sido difícil para muitos profissionais de imprensa aqui. São mudanças que já vêm ocorrendo há muitos anos, mas elas certamente foram intensificadas pela Covid-19. Os jornais reduziram suas equipes de reportagem conforme a verba de publicidade diminui devido à migração para as mídias sociais. As equipes de TV freelance têm tido sua remuneração reduzida devido à concorrência com novos profissionais no mercado, cujo equipamento custa uma fração do preço do equipamento profissional. Não conheço nenhuma história em particular de correspondentes que tenham tido que retornar para o seu país de origem casa por causa da pandemia, pelo menos entre os que integram a FPA. Até porque para alguns países como o meu, a Austrália, voltar para casa era impossível no auge da crise devido à proibição de viagens.
Como foi a adaptação para o trabalho remoto?
Provavelmente foi mais fácil para os jornalistas passar a trabalhar em casa do que para maioria das outras profissões. Acho que todos nós sabemos a sorte que temos de ter uma vida profissional portátil, que pode ser feita a partir de um laptop em qualquer lugar, embora as casas na Grã-Bretanha tendam a ser bem pequenas. Ter um quarto livre para usar como home office é algo raro para a maioria das pessoas. Acho que todos nós temos uma consciência maior do que aqueles que não têm essa escolha: os trabalhadores essenciais do Reino Unido, os motoristas de ônibus e trabalhadores de supermercados, bem como os profissionais do NHS (Serviço Nacional de Saúde) que colocaram suas vidas na linha de frente de uma forma que nós, como jornalistas, não precisamos fazer.
Algum conselho como correspondente para colegas que estão agora em home office?
Acostume-se com isso. Trabalhar de casa é algo que não vai acabar tão cedo. Os empresários adoram o home office, já que eles terceirizaram o pagamento de um escritório para você trabalhar. Existem vantagens em não ter que se deslocar, mas também desvantagens, especialmente o isolamento. Se você é do tipo de pessoa que gosta da interação social na redação, tente incorporar isso ao home office. Trabalhe em uma cafeteria ou bar de vez em quando, marque reuniões em parques ou restaurantes quando possível, em vez de fazer tudo no Zoom. Conheça seu bairro e seus vizinhos e acione-os mais na sua vida social.
Quais os efeitos do isolamento a longo prazo?
Sinto que os jovens que estão entrando no mercado de trabalho e nas primeiras décadas de sua vida profissional estão particularmente em desvantagem, pois não vão obter os mesmos benefícios de trabalhar ao lado e aprender com seus colegas mais experientes. Isso é algo que na minha geração era garantido, e precisamos encontrar maneiras de apoiar nossos colegas mais jovens e garantir que o desenvolvimento de suas carreiras seja controlado e que eles não fiquem isolados.
Você detectou ameaças à liberdade de imprensa?
A Grã-Bretanha ainda é uma sociedade muito livre e justa, porém isso nunca pode ser tomado como premissa. A FPA tem trabalhado para se conectar com o recém-estabelecido Comitê Nacional para a Segurança de Jornalistas, a fim de garantir que os jornalistas estrangeiros que estão trabalhando no Reino Unido recebam acesso justo e igualitário aos canais do governo, e não sejam tratados como cidadãos de segunda classe em um ambiente midiático que pode algumas vezes parecer um clube fechado.
O que você aprendeu com a crise sob a sua perspectiva como correspondente estrangeira?
Meu lema sempre foi “nada propaga como proximidade” − é uma frase feita mas significa que nada substitui estar fisicamente próximo à pessoa ou àquilo no que você está focado. Eu acho que todos nós nos adaptamos notavelmente bem ao trabalho em casa, mas nada se compara a encontrar as fontes pessoalmente, olhar em seus olhos e filmá-las ou entrevistá-las frente a frente. Eu realmente espero que nós possamos retomar isso em breve. Nós sabemos que essa doença pode matar, mas não podemos fechar completamente a sociedade por uma questão de segurança, caso contrário não há sentido em tudo isso.
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