NatĂĄlia Leal, diretora de conteĂșdo da agĂȘncia de fact-checking Lupa, afirmou na live do MediaTalks dessa quinta-feira (10/12) que os que lucram com a desinformação que prolifera no mundo digital atuam como quadrilhas do crime organizado, e que deveriam ser punidos da mesma forma.
Para esses, a desinformação Ă© racional, criada com o objetivo de manipular o debate pĂșblico, de acordo com seus interesses. SĂŁo mais difĂceis de identificar, e a Ășnica forma de desbaratĂĄ-los, segundo ela, Ă© com a ajuda de policiais e de serviços de inteligĂȘncia.
Desinformação dos usuårios comuns é emocional
JĂĄ a desinformação distribuĂda por pessoas comuns Ă© emocional, compartilhada por desconhecimento e sem responsabilidade pelo que estĂŁo repassando.
“Temos uma megatecnologia Ă disposição, mas a usamos de forma irresponsĂĄvel. As pessoas deveriam pensar duas vezes antes de repassar qualquer coisa, principalmente ĂĄudios sem identificação, fatos espantosos de teorias da conspiração ou informaçÔes que nĂŁo viram em nenhum outro lugar.”
Ela explica que a desinformação é pouco racional, fruto de desejos e valores. Principalmente no mundo digital, trata-se de uma reiteração de crenças, de acreditar no que se deseja em vez de nos dados objetivos.
“Sempre que me deparo com uma informação que me deixa muito feliz ou muito irritada eu desconfio. Se mexe com o emocional, temos que criar o hĂĄbito de verificar.”
O desafio, segundo NatĂĄlia, Ă© que as pessoas desenvolvam uma responsabilidade informativa, dese sentirem responsĂĄveis pelos efeitos das informaçÔes que estĂŁo passando adiante. Para isso, ela recomenda que se usem os sites das agĂȘncias de checagem, que jĂĄ disponibilizam a informação qualificada, facilitando a verificação por parte dos interessados.
Fake news proliferam-se sete vezes mais rĂĄpido do que as notĂcias reais
Em virtude da maior rapidez com se propagam as fake news em relação Ă s notĂcias reais, NatĂĄlia revela que a sensação de enxugar gelo Ă© recorrente entre as agĂȘncias de fact-checking. Ela explica que nĂŁo existem metodologias para medir os efeitos das verificaçÔes realizadas.
“NĂŁo hĂĄ Ăndice para medir essa eficiĂȘncia. NĂŁo dĂĄ para saber quantos dos desmentidos conseguiram frear a emissĂŁo de novas fake news. Ă difĂcil fazer a inversĂŁo da curva, mas Ă s vezes acontece, com a ajuda das plataformas.”
Ănica saĂda Ă© a alfabetização midiĂĄtica
Natålia explica que a falta de responsabilidade informativa deve-se ao déficit de alfabetização midiåtica existente. Ela própria é professora do tema e, para reverter a situação, diz que os pedagogos devem ser preparados para isso, e que a disciplina deve ser implantada em todos os cursos de formação, desde as escolas båsicas até as faculdades.
“A partir do momento em que uma criança pode interpretar uma imagem, ela jĂĄ corre riscos de transitar no digital e precisamos fazer frente a isso. Vai levar tempo, mas a nova geração deve ser formada com responsabilidade para a produção e o consumo das informaçÔes. Esse peso deve ser compartilhado por todos e nĂŁo pode ficar sĂł com os jornalistas.”
Pandemia foi oportunidade para repensar jornalismo
Para NatĂĄlia, a pandemia trouxe duas grandes liçÔes para o jornalismo. A primeira foi a de repensar a prĂĄtica de buscar um falso equilĂbrio em debates sobre determinados temas.
“A pandemia deixou claro que nĂŁo Ă© possĂvel colocar um terraplanista e um cientista no mesmo patamar, por exemplo.”
A outra lição foi a de que a transparĂȘncia e o diĂĄlogo sĂŁo a chave para o jornalismo reconquistar a confiança do pĂșblico.
“Em vez de reclamar das plataformas, os jornalistas devem aprender a dialogar nesse ambiente, com transparĂȘncia. Temos que ouvir e buscar entendimento com o pĂșblico, e as plataformas dĂŁo essa oportunidade. Os jornalistas devem parar de colocar-se como balizadores da verdade, com a velha postura ‘se estĂĄ no jornal Ă© verdadeiro’.”
Suprir responsabilidade do poder pĂșblico teve um custo alto
A diretora da Lupa avalia que o jornalismo desempenhou bem seu papel durante a crise, ocupando o espaço que nĂŁo foi ocupado pelo poder pĂșblico, como o da orientação Ă população e atĂ© o da apuração de nĂșmeros confiĂĄveis sobre a evolução da doença.
Mas ela avalia que o custo foi alto, com uma pesada carga emocional, sobrecarga de trabalho com menos gente, desafios Ă credibilidade e incerteza econĂŽmica.
Luz no fim do tĂșnel, mas nĂŁo no curto prazo
Revelando-se pessimista por natureza, Natålia acredita que o momento complicado atual, até com ataques a jornalistas, só deve melhorar em longo prazo.
Como lado positivo, diz que a pandemia fez as grandes corporaçÔes perceberem que o enxugamento das redaçÔes e a piora das condiçÔes de trabalho não é um caminho sustentåvel. E que a tecnologia não substitui os jornalistas, mas sim que deve funcionar como suporte.