Apesar do ânimo com o início da vacinação contra a Covid-19 no Reino Unido, o coronavírus ainda nos assombrará por um bom tempo. A crise nem chegou ao fim, mas as sequelas já se fazem sentir. Por outro lado, nem todas as previsões catastróficas se confirmaram.

Houve perdas no jornalismo. Títulos sumiram, muita gente ficou sem o emprego, a vida ou teve o equilíbrio emocional abalado. Mas a ideia de que a pandemia geraria uma “carnificina”, feita pelo Financial Times em junho, pode ter sido excessiva.

Ao produzirmos o segundo capítulo do especial examinando os efeitos da pandemia sobre o jornalismo global, encontramos exemplos de veículos − tradicionais e independentes − que se fortaleceram, aceleraram a marcha para o online e começam a recontratar.

Jornalistas se reinventaram criando seus próprios canais. Uma ex-repórter de polícia fez história na Nova Zelândia ao comprar a empresa em que era CEO, a Stuff, para evitar sua falência.

Isso não reduz o tamanho do impacto, que vai além das fronteiras das redações e da área comercial das empresas. O legado mais importante que a crise pode deixar é seu efeito sobre a confiança na imprensa e nas mídias sociais como fontes de informação.

O Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo publicou um documento analisando pesquisas realizadas ao longo dos últimos anos e a opinião recente de 82 profissionais de vários países, incluindo brasileiros. Concluiu que há uma erosão mundial na confiança nas notícias, maior em algumas nações, como Brasil e Reino Unido.

Nos primeiros meses da pandemia, acesso e confiança dispararam, em uma corrida por notícia confiável. As mídias sociais declinaram como fonte segura.

Era um mundo em choque, tendendo a permanecer unido. Movimentos recentes − negacionistas da Covid, anti-vacina, teorias conspiratórias − que avançam pelas mídias sociais emergem como ameaças reais à confiança no jornalismo.

Muitos fazem questão de atacar a imprensa, até fisicamente, conclamando seguidores a não acreditarem na grande mídia. E assim tornam mais difícil para o público distinguir o que é confiável.

O relatório global Digital News, publicado pelo Instituto no início do ano, cobrindo 40 países, apontava que menos de quatro (38%) em cada dez pessoas diziam normalmente confiar na maioria das notícias a que tinham acesso. E agora, qual seria o resultado?

Vamos torcer para que sejam melhores, porque, como salienta o trabalho, “uma das principais premissas encontradas é a de que a confiança não é uma preocupação abstrata, mas sim parte das bases sociais do jornalismo como profissão, da notícia como instituição, e da mídia como negócio”.

Uma prévia: no Reino Unido, o Reuters apurou que o percentual de pessoas que não consumiam notícias sobre a Covid  e que não confiaria nelas mesmo que as consumisse havia crescido de 6% no início da pandemia para 15% no final de agosto.

Não adianta só culpar os políticos ou os lunáticos que propagam fake news. O Instituto ressalta que, embora grande parte do público culpe plataformas digitais e autoridades como origem da desinformação, uma parcela também identifica os jornalistas como fontes de informações falsas. Errada ou certa, esta é a percepção.

O estudo também aponta a diferença entre confiança e credibilidade, destacando que não se trata só de avaliação da precisão da notícia, mas também de como a pessoa se sente em relação a ela. Um embate entre a crença sobre a integridade do jornalista e a visão de mundo de quem lê.

Os pesquisadores consideraram que o depoimento que melhor descreveu essa diferença foi o de Felipe Harmata, da BandNews em Curitiba:

“Quando gostam de determinado fato ter sido denunciado, gostam de nós. Quando não gostam da denúncia, não gostam de nós”.

As plataformas digitais devem ter um ano duro pela frente, com o progresso de iniciativas em prol da regulação. Mas o jornalismo também vai ter trabalho para juntar os cacos depois que o pior da Covid-19 passar.