• 70% dos entrevistados disseram que crise lhes causou impactos emocionais e psicológicos

  • 61% afirmaram que pandemia fez aumentar seu senso de compromisso com o jornalismo

  • Foram ouvidos 1406 jornalistas, de 125 países, com brasileiros entre os cinco grupos mais representativos

A saúde mental vem sendo o principal problema enfrentado pelos jornalistas durante a pandemia, à frente das preocupações com dificuldades financeiras, a carga de trabalho intensa e o próprio risco de contrair o vírus.

A conclusão é de uma pesquisa do Journalism and the Pandemic Project, uma iniciativa do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) e do Tow Center for Digital Journalism da Columbia University. Foram ouvidos 1406 jornalistas de 125 nações entre maio e junho. O Brasil foi um dos cinco países com maiores índices de respostas.

O relatório chama a atenção para o fato de que, apesar de os jornalistas estarem trabalhando em um ambiente financeiro, físico e psicológico que será o mais difícil que muitos terão experimentado durante suas carreiras, mais de três em cada cinco (61%) dos entrevistados disseram que a pandemia fez aumentar seu senso de compromisso com o jornalismo. 

Impactos emocionais e psicológicos foram o principal vilão

O estudo revelou um quadro perturbador de jornalistas esgotados por uma crise de saúde mental, agravada pelo medo do desemprego e pela intensa carga de trabalho. Um em cada sete dos entrevistados (15%) relatou ter procurado apoio psicológico para auxiliá-los durante o período.

A primeira posição reservada aos impactos psicológicos (70%) demonstra a gravidade do efeito que eles produziram na saúde mental dos jornalistas a ponto de superarem as preocupações com os impactos financeiros (67%), mesmo com parcelas significativas dos respondentes tendo sofrido redução de salários (21%), ter sido posta de licença (6%) ou até perdido seus empregos (6%). 

A preocupação com a saúde e segurança físicas, expressa pelo medo natural de contrair o vírus, também foi muito citada entre os maiores problemas enfrentados. Quase um em cada três (30%) dos entrevistados revelaram que suas organizações não lhes ofereceram qualquer equipamento de proteção.

Entre as dificuldades que afligem a mais da metade dos jornalistas ouvidos, destacam-se também os desafios técnicos para trabalhar na nova realidade imposta pela pandemia.

Aumento da ansiedade foi a maior consequência

Ansiedade, exaustão, insônia, desamparo e pensamentos negativos foram os cinco principais impactos psicológicos, relatados por pelo menos um terço dos jornalistas entrevistados. A pandemia fez com que 8% experimentassem a depressão e 12% a ansiedade pela primeira vez.

Um em cada cinco respondentes se disseram mais chorosos do que o normal ou sentindo uma depressão crescente. Mais de oito em cada dez (82%) dos jornalistas ouvidos disseram ter sentido pelo menos um dos sintomas listados. Dois terços (66%) disseram ter experimentado vários deles.

85% reclamaram da falta do devido apoio psicológico

Mais de oito de cada dez dos jornalistas entrevistados (85%) reclamaram de não ter recebido de suas organizações o apoio psicológico que esperavam e uma parcela de 22% disse não ter recebido qualquer outra ajuda para sua saúde mental ou para aliviar sua exaustão.

Mas a falta de apoio para lidar com o assédio e o abuso online sofridos foi quase uma unanimidade entre todos os jornalistas ouvidos, citada por 96% deles. 

20% disseram que assédio online foi muito pior do que antes

Além do assédio, os jornalistas entrevistados revelaram ter experimentado uma série de problemas digitais relacionados à pandemia, como vigilância governamental online (7%), ataques direcionados à segurança digital como phishing e malware (4%) e transferência de dados (3%).

O abuso púlico sofrido por parte dos políticos também foi significativo, citado por um em cada dez (10%) dos jornalistas entrevistados, juntamente com a censura direta de reportagens (14%) e a pressão para a produção de matérias positivas (14%). 

Quase um terço sofreu com muita desinformação todos os dias

Como se não bastassem as demais dificuldades, quase um em cada três (28%) dos jornalistas entrevistados se depararam com desinformação muitas vezes ao dia. Somados aos que viam muita ou pouca desinformação semanalmente, mais de quatro em cada cinco entrevistados (81%) foram afetados pela desinformação pelo menos uma vez por semana.

Os políticos (46%) e os cidadãos comuns (49%) foram apontados pelos jornalistas como os principais responsáveis pela complicação adicional causada pela desinformação sofrida. Também apontaram uma participação significativa da mídia fortemente partidária ou estatal (34%), das agências governamentais (25%) e das redes de trolls vinculadas ao estado (23%). 

O Facebook, o Twitter e o WhatsApp foram as três plataformas que originaram a maior parte da desinformação sofrida pelos jornalistas.

Apoio à saúde mental entre as principais necessidades

Financiamento para cobrir despesas, treinamento e assistência à saúde mental estão entre as principais necessidades enumeradas por mais de seis em cada dez dos jornalistas entrevistados.

 

Entre os treinamentos mais solicitados, destacam-se o de novas tecnologias remotas aplicadas à reportagem e edição, técnicas avançadas de verificação de notícias e o de novas habilidades para interpretação de relatórios. O estudo avalia que essa aspiração pode propiciar uma melhoria da qualidade do jornalismo que possa responder com mais eficácia à ameaça da desinformação. 

Apesar das dificuldades, algumas boas notícias

Mais de um em cada três (38%) dos entrevistados sentiram um interesse do público por suas reportagens maior do que o usual e um em cada quatro (25%) receberam um feedback mais positivo do que a média, além de terem sentido um interesse maior do público em fornecer informações que considerava ser útil.

Como resultado, quase metade dos jornalistas entrevistados (43%) disseram sentir um nível de confiança da audiência maior do que antes da pandemia.

O estudo conclui afirmando que as respostas à pesquisa podem ser a chave para repensar um jornalismo pós-pandemia mais voltado para sua missão de servir ao público e melhorar sua realidade.

“Apesar dos desafios, existe uma oportunidade significativa para o jornalismo desenvolver os níveis renovados de missão, engajamento do público e de cobrança de responsabilidades, como ficou demonstrado durante a pandemia. Há oportunidades reais de os jornalistas se tornarem mais criativos e inclusivos na maneira como alcançam o público e se tornam mais relevantes em suas vidas diárias.”