O ano de 2020 nรฃo deixou saudades, sobretudo para as mulheres, desafiadas a conciliar trabalho e cuidados com a casa, famรญlia e filhos em condiรงรตes tรฃo adversas. As jornalistas nรฃo foram exceรงรฃo: em nossa sรฉrie examinando os efeitos da pandemia sobre a imprensa, reunimos estudos mostrando os efeitos mais perversos da crise sobre elas do que sobre os colegas homens.

Agora, surge mais um. A pesquisa anual da organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras contabilizou um aumento de 35% no nรบmero de jornalistas presas em 2020.

Segundo a RSF, em 1ยบ de dezembro 42 delas estavam privadas da liberdade, das quais quatro na Bielorrรบsia, paรญs que desde agosto enfrenta protestos contra a reeleiรงรฃo do presidente Alexander Lukashenko. Ao fim de 2019, eram 35 as jornalistas presas por motivos diversos, incluindo denรบncias relacionadas ร  pandemia.

Mostrando que 2021 nรฃo comeรงou bem para as profissionais de imprensa, no dia 8 de fevereiro a apresentadora australiana Cheng Lei, da TV estatal chinesa CGTN, foi formalmente presa por espionagem . Ela estava detida desde agosto, โ€œsob vigilรขncia em uma residรชncia designadaโ€, como informaram as autoridades do paรญs.

A RSF destaca em seu relatรณrio o caso da vencedora do Prรชmio RSF da Liberdade de Imprensa de 2019, Pham Doan Trang, do Vietnรฃ. Ela foi detida em outubro, acusada de fazer โ€œpropaganda contra o Estadoโ€.

A profissional fundou a revista jurรญdica Luรขt Khoa e dirige o thevietnamese, publicaรงรตes que permitem aos leitores conhecerem as leis do paรญs e combaterem arbitrariedades do Partido Comunista.

Jรก prevendo que poderia ser presa, deixou uma carta dizendo “nรฃo desejar a liberdade para si mesma, mas algo maior: a liberdade para o Vietnรฃโ€.

Outra histรณria emblemรกtica รฉ a da chinesa Haze Fan, que trabalha na Bloomberg desde 2017. Foi capturada em casa, em Pequim, acusada de atividades criminosas ameaรงando a seguranรงa nacional. A China sรณ permite que chineses trabalhem como tradutores, pesquisadores e assistentes para organizaรงรตes de notรญcias estrangeiras, e nรฃo como jornalistas com direito de fazer reportagens.

A Bloomberg divulgou um comunicado dizendo que havia perdido contato com Fan desde 7 de dezembro e que sรณ recebeu a notรญcia de sua detenรงรฃo depois de dias perguntando ao governo em Pequim e ร  embaixada chinesa em Washington.

A Uniรฃo Europeia emitiu uma nota em 12 de dezembro pedindo a libertaรงรฃo de todos os jornalistas presos na China. Recebeu como resposta do governo um lacรดnico โ€œtrata-se de assunto internoโ€.

No dia 28 de dezembro, mais uma mรก notรญcia: a advogada e jornalista-cidadรฃ Zhang Zhan foi condenada a quatro anos de prisรฃo por ter reportado a partir da cidade de Wuhan, na China. Ela fez vรญdeos sobre o coronavรญrus e a gestรฃo da pandemia pelas autoridades, postados no WeChat, YouTube e Twitter. Zhan estava presa desde maio, fez greve de fome e acabou sentenciada sob acusaรงรฃo de “provocar discรณrdia e causar problemas”.

Mais da metade dos jornalistas presos estรฃo em cinco naรงรตes

A China lidera a lista de paรญses apontados pela RSF como os que mais tรชm jornalistas encarcerados. Os outros sรฃo Egito, Arรกbia Saudita, Vietnรฃ e Sรญria. O total de profissionais privados de liberdade em 1ยบ de dezembro era de 387, segundo a entidade. Hรก ainda 54 apontados como refรฉns โˆ’ em Sรญria, Iraque e Iรชmen โˆ’ e quatro desaparecidos.

O nรบmero apresentado no relatรณrio รฉ a soma de repรณrteres profissionais, jornalistas cidadรฃos (como blogueiros independentes) e os que trabalham para organizaรงรตes de notรญcias em funรงรตes de suporte. Levando-se em conta apenas os profissionais, o nรบmero de presos รฉ de 252, enquanto o de independentes รฉ de 122 e o dos colaboradores รฉ de 13.

Outra entidade que monitora violaรงรตes ร  liberdade de imprensa, o Comitรช para a Proteรงรฃo aos Jornalistas, havia identificado pelo menos 274 jornalistas privados de liberdade em 1ยบ de dezembro, dos quais 250 presos este ano,como apresentamos aqui. Hรก variaรงรฃo nos nรบmeros, mas em um ponto as duas entidades concordam: ambas apontaram a China como โ€œo pior carcereiro do mundoโ€.

Nรฃo รฉ nada bom ter jornalistas presos, sejam eles homens ou mulheres. Mas tentando ver o lado meio cheio do copo, hรก uma faceta inspiradora quando vemos mulheres corajosas enfrentando lรญderes autoritรกrios,  muitas vezes ร  custa da prรณpria liberdade ou correndo risco de vida, como a maltesa Daphne Galizia, assassinada por denunciar corrupรงรฃo no governo.

Na lista de pedidos para 2020 podemos acrescentar mais dois: que esses nรบmeros caiam, e que as jornalistas nรฃo percam a coragem.