MediaTalks em UOL

Fernando Rodrigues, Diretor de Redação do Poder360: “Principal lição da pandemia é ter equipe preparada para qualquer tipo de emergência”

O Diretor de Redação do Poder360, Fernando Rodrigues, falou durante live do MediaTalks em setembro de 2020 sobre sua visão do momento atravessado pelo jornalismo.

Confira o vídeo e um resumo dos principais pontos discutidos.


Este é um momento de grande desafio para todos nós, para todos os setores da economia, e a indústria de mídia não ficou apartada disso.”

“Ainda não é possível fazer uma avaliação completa do impacto que essa pandemia terá sobre todos os setores da economia, porque ainda ainda não terminamos de experimentar esse fenômeno raríssimo de uma pandemia, pois a última foi há 100 anos. É necessário aguardar um pouco mais, mas já há alguns sinais que parecem claros a respeito do legado para a indústria de mídia de  jornalismo profissional.”

Sobre o preparo para situações de crise e o trabalho presencial

“Nós, da redação do Poder em Brasília, começamos a amadurecer no início de março a necessidade de fazer quarentena. Decidimos isso numa quinta-feira, 12 de março. Lembro de ter chamado o secretário de redação e os editores e ter dito que começaríamos a quarentena imediatamente. Perguntaram: mas quando? Respondi: amanhã.

Então, na sexta-feira 13, já ninguém foi para o Poder e todos começaram a trabalhar de casa. Foi uma operação de guerra, feita em menos de 24 horas, mas que demonstrou que a equipe estava a par do desafio que se apresentava e todo mundo colaborou de maneira intensa.”

“Portanto, a mensagem inicial é como é importante ter uma equipe bem treinada e preparada para emergências como essa, da magnitude que foi a de uma quarentena imediata.”

“Nosso sistema foi de que uma pessoa pelo menos iria para a redação para ficar de âncora de manhã, e outra à tarde. O tempo foi passando, e conforme fomos percebendo a necessidade, começamos a fazer uma reforma na redação, alugando mais salas.

Esse é outro legado que vai ficar, inclusive para os arquitetos. Aqueles prédios lindos, espelhados, que são vendidos como se fossem amigáveis ao meio-ambiente, porque têm vidros com filtros que preservam a energia interna e são todos refrigerados, certamente são muito bonitos. Mas a procura por um prédio que tenha varandas, janelas e ar puro para respirar vai ser maior.

A gente teve a fortuna de encontrar um local muito arejado em Brasilia, inclusive por conta do fato de terem despencado os aluguéis, com muitas janelas, com sol, com varanda. E daí pudemos nesse período da quarentena reformar o espaço onde trabalham os jornalistas.”

foto Dayne Topkin

“Como somos muito novos, o Poder tem cinco anos de idade, uma das prioridades logo no início foi apostar muito em tecnologia. Nenhum profissional entra sem ter um MacBook e um Iphone conectado e sincronizado.

E alguns editores e repórteres recebem um Ipad para lerem de maneira mais facilitada a mídia pela manhã. Quando chegou a quarentena, a gente tinha todas as 40 pessoas apetrechadas do ponto de vista de equipamentos para irem para casa e de lá trabalharem sem prejuízo muito grande do ponto de vista tecnológico.”

“Fomos favorecidos pelo fato de Brasília ter uma conexão à internet que, se não é perfeita, é bem razoável. Então, mesmo sem a fibra ótica que temos na redação, a partir de casa, com as conexões que todos tinham, foi possível fazer as reuniões por meio de lives com todos juntos ali conversando e assim manter um pouco a nossa conversa criativa, que nada vai substituir dentro das redações.

Hoje temos cerca de 80% de retorno dos profissionais ao trabalho, com muito cuidado, muitos protocolos. Todos de máscara, numa redação muito grande, com mesas separadas, anteparos de acrílico, e as coisas estão funcionando bem. 

Houve discussão muito grande sobre a possibilidade de parte de todas as funções do jornalismo ficarem sendo feitas remotamente. Como disse Mark Twain, as notícias sobre a morte do trabalho presencial estão um pouco exageradas neste momento. O trabalho presencial em algumas profissões continuará sempre sendo necessário. Evidentemente que ninguém vai tomar uma decisão que coloque em risco a vida dos outros. No nosso caso, por exemplo, foram só as pessoas que se sentiram à vontade.

Muitos moram sozinhos, muitos não dependem de transporte público e o local de trabalho foi totalmente preparado. Aqueles que são pessoas de grupos risco ou convivem com elas ainda vão demorar um pouco mais para voltar. Mas noto que a volta do trabalho presencial agora, ainda que não total, tem ajudado muito a melhorar a produtividade e sobretudo aquele contato criativo que existe numa redação jornalística.”

Sobre os motivos do aumento de interesse no jornalismo

“Sou um apaixonado pelo tema da indústria de mídia e observo atentamente os estudos sobre o setor. Houve realmente um aumento do interesse do público pelas notícias a partir do momento em que ficamos todos em quarentena. Só me pergunto se esse aumento de interesse existiu por que de fato a mídia sempre oferece um trabalho de excelência e confiável ou porque as pessoas estavam ansiosas, numa situação desconfortável e premidas por uma conjuntura inaudita, em precisavam buscar mais informações. Acho que foi uma mistura das duas coisas.

Mas é necessário dizer que passado o pico do interesse, que deu recordes de audiência ao Poder360 no trimestre março, abril e maio, voltamos ao nível de audiência pré-pandemia, talvez um pouco acima. Pesquisei gráficos das audiências dos grandes veículos de comunicação do Brasil e isso parece estar sendo replicado em todos os veículos, com a volta ao nível de audiência pré-pandemia.

Isso deixa um recado para todos nós. É claro que somos muito demandados em momentos de emergência, de guerra, como é praticamente esse em que a gente vive, mas isso não significa necessariamente que o nosso trabalho esteja sendo o melhor possível. 

Sou muito crítico com o que nós fazemos aqui. Temos reuniões diárias com os editores para tentar aperfeiçoar um pouco mais o que o Poder oferece aos seus leitores e telespectadores.

Aliás, no canal do YouTube começamos o ano com perto de 100 mil seguidores e agora já passamos de 400 mil, só para dar uma ideia de como houve mais interesse por vídeos e informações diversas.”

Um dos legados dessa pandemia é que a mídia do jornalismo profissional pôde refletir sobre o trabalho que oferece aos leitores, sobre por que se deu o aumento da audiência, por que agora está voltando ao nível pré-pandemia e como melhorar mais o tipo de produto que oferecemos.

“Devemos valorizar também o momento que vai ser premium agora, da volta do trabalho presencial. Nada substitui aquele contato pessoal. Nas redações, quando é possível ter uma reunião, ter o contato dos jornalistas, esse é um momento muito rico, de muita criação, que vai precisar ser reaproveitado e turbinado daqui para a frente.”

Sobre o debate a respeito das fake news

“No meio da pandemia acelerou ainda mais o debate sobre o fenômeno nefando das fake news. Como disse o ministro Alexandre de Moraes do STF, um dos itens essenciais desse debate é discutir se as empresas de tecnologia, as big techs, devem ser consideradas murais neutros que publicam o que aparece por lá ou se devem ser consideradas empresas de comunicação, que devem ser responsabilizadas pelo que ajudam a divulgar. É um excelente debate, que estava demorando a chegar com força ao Brasil. Está cada vez mais robustecido e é um legado da pandemia também.

Felizmente, não houve uma mortandade de veículos de comunicação. O que acontece é que cada vez mais a gente discute formas de rentabilizar o trabalho jornalístico. O Brasil passa por um bom momento para discutir isso. Está mais ou menos claro para o leitor de notícias que alguém tem que pagar pela notícia que ele lê.” 

“Cabe aos veículos encaminhar esse debate para que possamos ter uma indústria de mídia jornalística profissional cada vez mais forte no Brasil, porque sem jornalismo não há democracia. Temos um papel relevante daqui para a frente para fortalecer essa indústria.”
Sobre o momento do jornalismo
“O jornalismo cresce em horas de desafios como os do momento atual, com pandemia e grande polarização política, porque ele é apetrechado, qualificado. Os profissionais são treinados para conseguir traduzir de maneira clara o que se passa para todo o conjunto da sociedade.”

“O momento é desafiador e os jornalistas gostam desses desafios. Todos estamos premidos por uma situação difícil, mas ficamos ainda mais ligados. No nosso caso, tentamos separar o sinal do ruído. Em várias situações parecia que ia acontecer uma coisa, mas quando aconteceu viu-se que a gravidade dela estava sendo supervalorizada. 

Por essa razão é que não dá ainda para avaliar o efeito final dessa pandemia. Existem aqueles momentos em que as pessoas dizem que isso realmente mudou a história da humanidade em antes e depois. Pode ser que estejamos passando por isso, mas só vamos saber mais tarde.”

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