Uma importante lição para o jornalismo chega da África. O think tank norte-americano Nieman Lab, da Universidade de Harvard, destacou como exemplar a mensagem do diretor editorial do Daily Nation aos seus leitores para explicar por que a publicação passou a cobrar por seu conteúdo.

O Daily Nation, de Nairóbi, é o maior jornal do Quênia e e foi apontado pelo Nieman Lab como o primeiro jornal de propriedade africana a cobrar pelo conteúdo.

Menos de sete dólares por um ano de assinatura

No dia 29 de  janeiro, os leitores passaram a ter que pagar para ler conteúdo com mais de sete dias – como esta reportagem dando conta de que milhares de alunos não conseguiram comparecer às escolas após o fechamento de nove meses provocado pela Covid-19 ou este artigo sobre a invasão do Capitólio dos EUA que pergunta: “Quem é a república de bananas agora?

As assinaturas são oferecidas por  50Ksh (cerca de 45 centavos de dólar) pelo período semanal, 150Ksh por um mês ou 750Ksh (menos de sete dólares) por um ano.

Sem almoço grátis, sem conteúdo grátis

Esse é o título da mensagem apontada como exemplo, escrita por Mutuma Mathiu , o diretor editorial do Nation Media Group, que reúne outras publicações como The East African e Business Daily Africa.

 

Da mesma forma que a frase celebrizada pelo economista Milton Friedman  ensina que não existe almoço grátis, ele começa explicando por que o conteúdo grátis também se tornou inviável:

Não existe conteúdo gratuito. Você provavelmente não assinou um cheque quando leu uma notícia de graça, mas de alguma forma pagou por ela. O governo pode ter tirado o dinheiro de você e repassado a alguma empresa jornalística. Ou redigiu uma lei exigindo que você pague taxas a uma emissora pública.

Mas se realmente você não pagou um centavo, então o produto vendido não foi o conteúdo, e sim você.

Tradicionalmente, as pessoas ficavam felizes com alguém promovendo suas vendas enquanto recebiam conteúdo. Então você assistia aos anúncios na TV ou no jornal, alguém pagava a empresa jornalística e subsidiava o conteúdo.

O problema é que as pessoas estão passando mais tempo nos telefones do que na TV ou nos jornais. Elas querem acompanhar as notícias desses dispositivos móveis e não necessariamente querem ser incomodadas com publicidade …

Estou dizendo que a publicidade é uma coisa ruim? Não. Estou dizendo que os anunciantes são pessoas ruins? Absolutamente não. Estou dizendo que a publicidade vai desaparecer? Sem chance

Mas estou dizendo que, no esquema atual das coisas, a maior parte do dinheiro da publicidade não vai para o criador do conteúdo e, portanto, o criador não pode continuar criando, a menos que uma fonte alternativa de receita seja encontrada para sustentar suas operações.”

Recuperação da nobreza da relação entre jornalistas e seu público

Mathiu explica então a necessidade da introdução de cobrança para parte do conteúdo oferecido. Uma mudança que ele vê para melhor, por possibilitar a recuperação da nobreza da relação entre os jornalistas e seu público e a melhoria da qualidade do jornalismo profissional:

“Nosso mundo vai mudar radicalmente nos próximos dias. Mas para melhor. Embora a maior parte do conteúdo oferecido continue a ser gratuito, uma parte dele não será. 

Vejo editores na África permitindo que seus consumidores fiéis tenham acesso gratuito ao conteúdo de forma controlada: você lê e compartilha um certo número de histórias de graça e, então, em algum momento, é obrigado a se inscrever na plataforma.

Também vejo uma taxa, muito pequena, sendo cobrada pelo conteúdo mais exclusivo. 

Isso devolve poder ao consumidor: os cidadãos poderãomoldar a agenda do país e a relação entre jornalistas e público recuperará sua nobreza. 

Isso também resultará em uma melhoria na qualidade e profissionalismo do processo de conteúdo. Por quê? Se o seu conteúdo não estiver à altura, a publicação não sobreviverá.”