Quando a minoria não é ouvida, ela se une para falar mais alto. Assim pensa a jornalista Sara Lomax-Reese. Cansada de esperar por mais oportunidades para negros e mais espaço para os problemas das comunidades de minorias étnicas na imprensa, ela decidiu atacar problema com as próprias mãos − e talento.

Com quase 30 anos de experiência e dirigindo atualmente a WURD Radio, a única de propriedade de negros na Pensilvânia, Lomax-Reese se aliou a S. Mitra Kalita, que criara o Epicenter-NYC, voltado para a sua comunidade em Nova York,
depois de passagens bem-sucedidas por CNN, Wall Street Journal, Washington Post e Los Angeles Times.

Juntas fundaram a URL Media, um grupo integrado exclusivamente por veículos voltados às minorias étnicas, lançada há duas semanas nos Estados Unidos.

O projeto apresenta-se como uma “rede descentralizada e multiplataforma de organizações de mídia negra e marrom de alto desempenho”. A alusão a mídia marrom refere-se aos veículos voltados às comunidades de outras minorias étnicas, principalmente hispânicos e latino-americanos.

Lomax-Reese diz que as palavras da feminista e ativista negra Audre Lord são a força motriz da URL:

Se eu não me definisse por mim mesma, seria esmagada pelas fantasias de outras pessoas a meu respeito e devorada viva.

“Como nós, negros e pardos, nos definimos em nossos próprios termos, livres das fantasias criadas pelo olhar branco? Nós nos organizamos e nos mobilizamos para criar força em números, valores e perspectivas, contando nossas próprias histórias por, para e sobre nosso próprio povo. Isso é o que a URL − que significa Elevação, Respeito e Amor − está determinada a fazer, disse Lomax-Reese.

Como a rede vai atuar

As fundadoras dizem  que a URL Media pretende empregar a tecnologia para aprimorar a distribuição, ampliar o alcance das matérias, fornecer receita aos participantes e garantir a sustentabilidade a longo prazo dos integrantes da rede, que está aberta a outros veículos com o mesmo perfil.

“Em uma sociedade capitalista como os Estados Unidos, você precisa ter dinheiro, que tem que fazer parte da equação para nivelar o jogo. Uma parte significativa do nosso modelo reside em adicionar receita para os parceiros da rede. Não estamos dizendo que nos tornaremos seu principal fluxo de receita. Todas essas organizações têm alto desempenho. Queremos ajudar a gerar mais receita.”

A rede vai compartilhar conteúdo nas plataformas dos participantes, nas mídias sociais e distribuir boletins informativos. Planeja atuar na captação de anunciantes e patrocinadores e na formação de parcerias com as principais organizações de mídia, que poderão pagar para republicar matérias da rede e trabalhar em projetos conjuntos de reportagem. Todo o lucro será distribuído igualmente.

“Oferecemos uma alternativa aos negócios normais. Sabemos que vai levar anos − ou talvez nunca aconteça − para que a grande mídia diversifique a equipe e o conteúdo com rapidez suficiente para atender a este momento. Acreditamos que somos mais fortes juntos. Os próximos quatro anos não podem parecer os últimos quatro, ou quatrocentos…”

BLM motivou a iniciativa 

Lomax-Reese e Mitra Kalita conheceram-se há alguns anos na conferência Newsgeist. Em 2020, após a morte de George Floyd e a explosão do movimento Black Lives Matter, elas resolveram trabalhar juntas nesse novo projeto. Em entrevista ao Nieman Lab, Lomax-Reese declarou:

“Muitas organizações de mídia lideradas por brancos estavam realmente estragando tudo naquele momento. Algumas foram criticadas por suas práticas racistas com seus próprios repórteres e comunidades. Foi uma bola de neve. Começamos a conversar e pensamos que deveria haver algo que pudéssemos fazer juntas para falar sobre este momento de uma maneira diferente.”

Em vez de criar uma nova organização de notícias do zero, decidiram agregar as já existentes que se dedicavam à mesma questão, buscando uni-las para aumentar sua força.

Lomax-Reese  diz acreditar no poder da propriedade da mídia. E acha que chegou a hora de reinventar radicalmente a indústria, apoiando organizações pertencentes e lideradas por representantes de minorias étnicas que atendem a comunidades há muito negligenciadas e desvalorizadas. Para ela, é inaceitável continuar a despejar dinheiro e recursos em grandes empresas de mídia de propriedade ou lideradas por brancos que visam consumidores negros, mas não os capacitam.

“Já era hora de adotar uma abordagem radicalmente diferente para diversidade, equidade e inclusão. Vamos criar algo que realmente ajude a construir e elevar nossas vozes em nossos próprios termos. Em vez de estarmos sempre passando fome e sobrevivendo mal, e em vez de receber sucatas e ser o parceiro apenas no nome, queremos nos tornar centros de experimentação e de formação de líderes”. 

A co-fundadora Mitra Kalita, que chefiou a programação digital da CNN, considera que o tipo de jornalismo da nova rede é o que gera maior engajamento de notícias:

“Sempre tive o objetivo de tornar a cobertura mais inclusiva e acessível. Ao longo da última década, conforme minha carreira mudou para o digital, percebi que o conteúdo de maior sucesso na internet vem de baixo para cima, é descentralizado, com raízes e sob a perspectiva de uma comunidade local ou de um povo.

Ao criar essa rede, foi um privilégio entender o que cada participante representa em suas comunidades e como funcionam. De certa forma, esse jornalismo não é o que a grande mídia deseja. Mas é a definição de excelência quando se trata de engajamento de notícias.”

URL reúne oito publicações e quer expandir 

Além da WURD Radio e do Epicenter-NYC, liderados pelas fundadoras, a URL Media nasceu com a adesão de outras seis publicações, classificadas no site da rede como “veículos excepcionais, que representam uma mistura diversificada de cultura, formato, geografia e público”.

Entre os integrantes inaugurais estão Documented, voltado para imigrantes; The Haitian Times, que traz notícias sobre o Haiti; e TBN 24, um canal de TV em idioma bengali para comunidades de Bangladesh na América do Norte.

Também participam como membros fundadores Scalawag, voltado para as comunidades marginalizadas do sul dos Estados Unidos; Palabra, um site administrado por membros da Associação Nacional de Jornalistas Hispânicos; e ScrollStack, uma plataforma que estimula a publicação de artigos e podcasts independentes, que conta com Mitra Kalita entre seus criadores.

 

Inspiração no jornalismo feito por negros 

No comunicado em que anunciou a iniciativa, Sara referiu-se à coragem de jornalistas que desafiaram o racismo na sociedade americana em tempos ainda mais difíceis. Ela citou John B. Russwurm e Samuel Cornish, que em 1827 lançaram o Freedom’s Journal, o primeiro jornal afro-americano, em uma época em que a escravidão era a lei do país até mesmo em Nova York, onde circulava.

E Frederick Douglass, nascido escravo, que fundou o jornal North Star em 1847, tornando-se um dos escritores, oradores e abolicionistas mais prolíficos de todo o mundo. Outra inspiração foi Ida B. Wells, que nasceu na escravidão em 1862, virou jornalista e aos 30 anos liderou uma campanha contra os linchamentos comuns à época.

Uma semana após o lançamento da URL, Lomax-Reese confessou a hesitação inicial, achando que não estavam prontas. Mas disse que Mitra a convenceu argumentando que os próximos quatro anos não poderiam ser como os últimos 400:

“Então, demos um salto de fé, plantando nossa bandeira no chão para dizer, como minha tataravó Jenny proclamou quando os soldados da União chegaram na plantação da Virgínia onde ela foi escravizada: aqui estamos.”