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CCNow pede compromisso da imprensa com questão ambiental para enfrentar aquecimento global

Covering Climate Now



Mark Hertsgaard, diretor da Covering Climate Now, organização de jornalismo ambiental
Mark Hertsgaard

A humanidade entrou em 2021 com uma chance real de se afastar do risco iminente de uma catástrofe climática. Com o Partido Democrata tendo assumido o controle do Senado dos Estados Unidos, as chances são ainda melhores. Em 2021, um jornalismo ambiental robusto será essencial para ajudar a humanidade a enfrentar o desafio.

O Brasil tem especial importância na questão ambiental, por ser um grande país, uma grande economia mundial e sobretudo por abrigar a Floresta Amazônica. A saúde da floresta tropical está diretamente ligada ao nosso futuro climático, porque grandes florestas ajudam a remover carbono da atmosfera. Mas o desmatamento tem transformado cada vez mais a Amazônia e outras florestas como ela em fontes de carbono.

Na medida em que políticos e empresas poderosos continuam nesse caminho destrutivo, indo contra a ciência e contra as vozes importantes dos líderes indígenas no Brasil, um jornalismo robusto é necessário para responsabilizá-los, para que o povo brasileiro saiba pelo menos o que está em jogo.

Donald Trump e o meio ambiente 

Nos últimos quatro anos, a maior economia do mundo e líder em emissões de gases de efeito estufa esteve sob as garras de um ferrenho negacionista da mudança climática. A administração Trump mudou leis  ambientais, expandiu concessões para a indústria de petróleo e gás e retirou-se do Acordo de Paris, o pacto de 2015 duramente conquistado para obrigar a cooperação internacional na causa que define nosso tempo.

“O progresso em questões climáticas continuou no país a despeito da ausência de ação de Washington, mas muito lentamente”.

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Foto:Marcin Jozwiak / Unsplash

Governos estaduais e locais nos Estados Unidos, bem como governos no exterior, avançaram com planos para reduzir as emissões. Trinta e oito países, incluindo o Reino Unido, Canadá e Japão, declararam um “estado de emergência climática”. E a China, o segundo maior emissor depois dos Estados Unidos, anunciou um compromisso de alcançar a neutralidade de carbono até 2060. Mesmo assim, a obstrução e o retrocesso em Washington colocaram o mundo no caminho de um futuro infernal.

Esperança renasce com Biden

Com a posse de Joe Biden, entramos em uma nova era na história do clima. Ele fez da crise climática uma questão central em sua campanha, rodando na plataforma de justiça ambiental e climática mais forte já adotada por um grande partido americano.

O novo presidente prometeu voltar a aderir ao Acordo de Paris no primeiro dia como presidente e cumpriu. Ainda em dezembro relevou uma lista de líderes para os principais cargos ambientais, incluindo a congressista Deb Haaland, do Novo México, primeira indígena americana na história do país secretária de gabinete.

Halaand tornou-se uma das autoridades climáticas mais influentes em Washington. O Departamento do Interior supervisiona as terras públicas do país − centenas de milhões de acres onde Biden se comprometeu a interromper a produção de combustível fóssil.

Do ponto de vista científico − e não por uma questão de partidarismo político − esta é uma notícia bem-vinda. Para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius e, assim, evitar os piores impactos climáticos, o mundo deve, no mínimo, cortar as emissões quase pela metade até 2030. Como demonstram os recordes de clima extremo registrados em 2020, não há tempo a perder.

Oportunidade para reinventar cobertura ambiental

Para a imprensa, o ano novo representa uma oportunidade para reinventar nossa cobertura ambiental. Devemos redobrar − e não relaxar − nosso compromisso de contar a história do clima para que as pessoas entendam e, acima de tudo, decidam que elas e especialmente seus governos têm que fazer algo sobre isso.

“A crise climática é uma pauta com vários ângulos.”

Isso se mostrará mais verdadeiro do que nunca neste ano, quando o clima ocupar o centro das atenções no discurso nacional dos Estados Unidos.

Para os jornalistas políticos, haverá a questão de responsabilizar o governo Biden-Harris por suas ambiciosas promessas climáticas. Quer Biden tenha apoio suficiente do Congresso para aprovar sua proposta de plano climático de US $ 2 trilhões ou quer seja capaz de promulgar apenas mais reformas pontuais, a imprensa deverá medir as ações de seu governo em relação ao que a ciência exige.

Mas os jornalistas não devem ser menos incisivos ao responsabilizar aqueles capazes de impedir as reformas necessárias. Deve-se prestar atenção em particular ao Partido Republicano americano, que talvez mais do que qualquer outra instituição do país manteve-se resistente durante décadas em relação à ciência do clima.

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Foto: Markus Spiske / Unsplash

Novo Acordo Verde

Há outras pautas importantes para acompanhar no espaço político. Os ativistas do clima foram essenciais para elevar Biden à Casa Branca. Agora que uma ação climática significativa está finalmente sobre a mesa, os repórteres devem esperar que esses grupos façam mais barulho, e não que fiquem mais silenciosos .

Os apelos por um Novo Acordo Verde, especialmente como meio de recuperação econômica após a Covid-19, continuarão em ritmo acelerado. E, fora de Washington, como as cidades e estados manterão o progresso do clima?

No mundo dos negócios, as empresas enfrentam pressão para reduzir as emissões, ao mesmo tempo em que bancos, fundos de investimento e outras instituições financeiras estão se desfazendo totalmente dos ativos em combustíveis fósseis. Somente em dezembro, o Lloyd’s, maior mercado de seguros do mundo, prometeu parar de conceder seguros a carvão, areias petrolíferas e projetos de energia no Ártico até 2022.

A Fundação Rockefeller, uma entidade filantrópica histórica construída com dinheiro do petróleo, disse que cortaria os laços com a indústria de combustíveis fósseis. No conjunto, movimentos como esses prometem uma reconstituição abrangente do sistema financeiro como o conhecemos. Felizmente, os jornalistas são bons em seguir o dinheiro.

“É fundamental em toda a cobertura ambiental mostrar a experiência vivida por pessoas comuns, incluindo os efeitos desproporcionais que as mudanças climáticas têm sobre os menos favorecidos e sobre as minorias raciais”

Muitas vezes, a mudança climática é relatada como uma excursão tortuosa em modelos científicos e projeções, detalhando partes por milhão de dióxido de carbono e frações de graus centígrados.

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Foto: Aalok Atreya/ Unsplash

Vidas humanas em risco

Essa informação tem seu lugar, é claro. Mas os jornalistas devem lembrar que a mudança climática é acima de tudo uma história sobre vidas humanas.

Ao ir atrás de todas essas pautas, os veículos devem ter cautela com suposições desatualizadas. Durante a campanha de 2020, os fatos da mudança climática ficaram muitas vezes em segundo plano no debate partidário.

O resultado levou o público − e os eleitores − a uma visão atrofiada e imprecisa dos desafios que enfrentamos. Seguindo em frente, toda a redação deve conhecer bem as questões relacionadas ao clima, desde repórteres e editores a redatores de manchetes e equipes de mídia social. Todos os jornalistas devem estar preparados para cobrir o debate climático com o mesmo rigor e profundidade que aplicaram, por exemplo, à pandemia do coronavírus.

Quando a pandemia chegou, as empresas jornalísticas provaram ser mais do que capazes de se adaptar a uma pauta dominante e em rápida evolução. Mesmo em meio ao ceticismo de segmentos do  público, a imprensa insistiu em priorizar a cobertura do coronavírus, explorando a pauta sob todos os ângulos e encontrando maneiras criativas de romper a desinformação e o rancor político.

Pense na primeira página cheia de nomes do The New York Times quando as mortes de Covid-19 se aproximavam de 100.000. Nos noticiários da TV ilustrados por gráficos descrevendo as taxas de infecção e mortes. E na redução de paywalls para conteúdo relacionado ao coronavírus a fim de garantir o acesso do público a informações vitais em toda a web.

O tempo está passando rápido 

Com as grandes mudanças finalmente possíveis, agora é a hora de aplicar a mesma energia jornalística à crise climática. O público provavelmente responderá na mesma moeda, pois a pauta do clima tem todos os elementos de um drama irresistível: heróis inspiradores e vilões covardes, trilhões de dólares a serem ganhos ou perdidos e a chance de um azarão sair vitorioso, criando empregos abundantes e oportunidades de negócios.

As soluções climáticas existem e estão ao nosso alcance. Mas é preciso que nós, como sociedade, as agarremos. Para fazermos a nossa parte, nós jornalistas devemos contar essa  história com paixão e profissionalismo, sem esquecer que o tempo está passando rápido.

 


Este artigo é parte da Covering Climate Now, uma colaboração de jornalismo global  destinada a fortalecer a cobertura jornalística sobre meio ambiente e mudança climática. Organizado por jornalistas e para jornalistas, o CCNow foi criado em abril de 2019, tendo como co-fundadores a Columbia Journalism Review, o The Nation e o The Guardian. Conta com mais de 400 veículos associados, que juntos atingem uma audiência superior a 2 bilhões de pessoas. 
O MediaTalks by J&Cia é membro da iniciativa. Se quiser saber mais sobre como participar da rede, entre em contato conosco em mediatalks@jornalistasecia.com.br

 

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