O mundo acompanha atento a batalha รฉpica entre as gigantes digitais e o Governo australiano em torno da regulamentaรงรฃo do pagamento pelo uso de conteรบdo jornalรญstico. Mas ainda que o movimento da Austrรกlia renda dividendos polรญticos e dรช algum alรญvio a cofres combalidos pela migraรงรฃo das receitas de propaganda para as plataformas, nรฃo รฉ realista achar que o desafio da sustentabilidade do jornalismo vรก ser resolvido por decreto.
O desequilรญbrio financeiro da mรญdia รฉ produto de influรชncias diversas, como mudanรงas nos hรกbitos de consumo de notรญcias por causa da digitalizaรงรฃo, envelhecimento do pรบblico fiel ร s marcas tradicionais e campanhas orquestradas para minar a confianรงa da populaรงรฃo no jornalismo, alimentadas pela polarizaรงรฃo polรญtica.
Para encontrar respostas e sugerir caminhos, a organizaรงรฃo global Fรณrum sobre Informaรงรฃo e Democracia criou um grupo de trabalho destinado a propor soluรงรตes para a sustentabilidade do jornalismo de qualidade.
O primeiro passo do projeto รฉ uma ampla coleta de experiรชncias e recomendaรงรตes estruturais aberta a jornalistas, gestores de mรญdia, formuladores de polรญticas, pesquisadores, juristas, investidores, tรฉcnicos e representantes da sociedade civil com interesse no futuro do jornalismo em todo o mundo. O grupo รฉ presidido por Rasmus Nielsen, diretor do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo na Universidade de Oxford.
O prazo para submeter contribuiรงรตes encerra-se em 28 de fevereiro. Brasileiros podem participar, preenchendo o formulรกrio neste link. Ou enviando artigos ou estudos diretamente para o e-mail contributions@informationdemocracy.org. Embora os dois idiomas oficiais sejam inglรชs e francรชs, os organizadores estรฃo abertos a receber ideias do Brasil em portuguรชs, que devem submetidas por e-mail.
O lรญder da coleta de informaรงรตes que subsidiarรก o documento final รฉ o pesquisador Sameer Padania, que reforรงa a importรขncia da participaรงรฃo do Brasil:
“Sabemos que cooptaรงรฃo polรญtica e desertos de notรญcias sรฃo um grande desafio no Brasil. Que ideias e soluรงรตes estรฃo ajudando a proteger e promover o jornalismo independente, e como isso tem sido financiado no Paรญs?”
Padania afirma que quer especialmente ouvir grupos e vozes raramente representados em discussรตes sobre a indรบstria jornalรญstica e suas polรญticas.
As contribuiรงรตes recebidas permitirรฃo ao grupo de trabalho elaborar recomendaรงรตes para governos, organizaรงรตes internacionais, plataformas digitais e organizaรงรตes de mรญdia. O objetivo รฉ incentivar a adoรงรฃo de regulamentaรงรตes por governos e organizaรงรตes internacionais. E tambรฉm propor soluรงรตes de autorregulamentaรงรฃo para a economia da mรญdia.
O programa envolve trรชs รกreas:
Boas prรกticas de organizaรงรตes independentes com e sem fins lucrativos
O resumo das boas prรกticas (incluindo modelos de negรณcios, cooperaรงรฃo comercial e parcerias editoriais) serรก compartilhado para que outras mรญdias independentes aprendam com os que construรญram modelos de negรณcios sustentรกveis โโpara o jornalismo digital.
Regulamentaรงรฃo capaz de favorecer um ambiente propรญcio para a sustentabilidade do jornalismo
O grupo de trabalho formularรก recomendaรงรตes sobre polรญticas de regulamentaรงรฃo que aumentem direta ou indiretamente as receitas de empresas jornalรญsticas, de forma a permitir que mantenham independรชncia em relaรงรฃo a polรญticos e integrantes de governos (incluindo ideias para captaรงรฃo de receitas via licenciamento, revisรฃo do quadro legislativo da economia da mรญdia, modelos inovadores em publicidade e incentivos para adaptar infraestruturas de mรญdia).
Recomendaรงรตes para polรญticas pรบblicas
O grupo de trabalho apresentarรก propostas para mecanismos de subsรญdio pรบblicos, com especial atenรงรฃo a critรฉrios que assegurem um processo justo, transparente e que nรฃo afete a independรชncia editorial. Isso incluirรก modelos de financiamento estatal, benefรญcios nรฃo financeiros, benefรญcios fiscais e assistรชncia ao desenvolvimento da indรบstria.
O documento final serรก publicado em maio. Pessoas e organizaรงรตes que contribuรญrem vรฃo figurar no relatรณrio final, se assim o desejarem.
Uma queda dramรกtica na receita estรก ameaรงando a sobrevivรชncia de muitos meios de comunicaรงรฃo, afetando a qualidade de seu conteรบdo e, em รบltima anรกlise, representando um grande perigo para as democracias, diz o documento
O Fรณrum sobre Informaรงรฃo e Democracia รฉ uma entidade sem fins lucrativos liderada por organizaรงรตes da sociedade civil e com mandato para implementar os princรญpios democrรกticos da Parceria Internacional sobre Informaรงรฃo e Democracia. ร presidido por Christophe Deloire, diretor-geral da organizaรงรฃo Repรณrteres Sem Fronteiras. Representa diferentes รกreas de atuaรงรฃo e continentes, com membros de governos, da sociedade civil, do setor privado e da indรบstria de mรญdia.
Uma de suas atividades รฉ criar grupos de trabalho multidisciplinares internacionais compostos por especialistas e acadรชmicos. A iniciativa de sustentabilidade รฉ uma delas, e conta com o apoio da Alliance for Multilateralism e da Media Freedom Coalition. O grupo que estรก se debruรงando sobre o tema reรบne 17 figuras proeminentes nos debates sobre o futuro da atividade e do setor de mรญdia de vรกrios paรญses.
No lanรงamento, Rasmus Nielsen destacou a importรขncia da aรงรฃo nรฃo apenas para a indรบstria de mรญdia, mas para toda a sociedade:
โNotรญcias de qualidade custam dinheiro, e sustentabilidade financeira ajuda a proteger a independรชncia editorial. A sustentabilidade do jornalismo รฉ importante para todo o pรบblico, nรฃo apenas para quem trabalha na mรญdia. Por isso รฉ tรฃo importante encontrar maneiras de garantir o fornecimento contรญnuo de notรญcias de qualidade e assegurar uma indรบstria de mรญdia independente”.
Christophe Deloire destacou a necessidade de uma resposta ampla aos desafios do setor:
โA revoluรงรฃo no ecossistema da mรญdia e a concorrรชncia desleal devido ร mudanรงa no paradigma tecnolรณgico estรฃo colocando em risco o financiamento do jornalismo. Ao criar esse grupo de trabalho, pretendemos ajudar a encontrar uma resposta sistรชmica aos desafios de financiamento do jornalismo.โ
Olhar o futuro sem romantizar o passado
Rasmus Nielsen รฉ pragmรกtico sobre o o trabalho do grupo. Ele salienta que a abordagem deve ser orientada para o futuro, sem romantizar o passado ou ignorar as ambiguidades e imperfeiรงรตes do jornalismo e da indรบstria de mรญdia.
E que o relatรณrio final precisa estar fundamentado em dados e evidรชncias, assegurando que as recomendaรงรตes sejam realmente boas, e nรฃo apenas faรงam o setor sentir-se bem. Nielsen destaca ainda as injunรงรตes polรญticas e sociais:
“Para nรฃo contribuir ainda mais com a politizaรงรฃo do jornalismo e das mรญdias independentes por diferentes atores da sociedade e garantir um ambiente mais estรกvel, รฉ importante assegurar que as recomendaรงรตes tenham amplo apoio pรบblico e polรญtico”.
Ele observa tambรฉm os riscos de buscar soluรงรตes fรกceis que ameacem a independรชncia do jornalismo:
“Precisamos lembrar que vivemos em uma รฉpoca de recessรฃo democrรกtica e concentraรงรฃo crescente de poder corporativo. Quaisquer recomendaรงรตes que aumentem a dependรชncia do jornalismo e da mรญdia independente de favores polรญticos ou acordos pouco transparentes com grandes empresas individuais podem ser uma ameaรงa ร independรชncia editorial de longo prazo, apesar de impactos financeiros positivos de curto prazo”.
O especialista defende que, para que as recomendaรงรตes funcionem e que seja possรญvel convencer os outros de que funcionam, nรฃo รฉ suficiente apenas que alguรฉm em algum lugar acredite nelas, por mais que seja apaixonado pela tese.
“Isso รฉ importante para jornalistas e meios de comunicaรงรฃo independentes. Se as pessoas agirem de acordo com recomendaรงรตes sem fundamento, que nรฃo darรฃo resultados, corre-se o risco de a situaรงรฃo piorarโ.
E acredita que soluรงรตes baseadas em evidรชncias sรฃo as รบnicas capazes de influenciar os formuladores de polรญticas e outras partes interessadas relevantes, que nรฃo necessariamente concordarรฃo com as ideias propostas. E que provavelmente nรฃo serรฃo influenciados apenas por opiniรตes, e sim por fatos concretos.
“Para elas, o jornalismo independente รฉ apenas uma entre muitas prioridades, se รฉ que รฉ uma prioridade”.