No dia em que foi anunciada a paz entre Facebook e o Governo australiano (22/2), após a ousadia da gigante americana de proibir compartilhamentos de links de notícias no país por discordar da nova lei de mídia, escrevemos aqui que, dependendo do ponto de vista (a julgar pelos comunicados de ambas as partes), o acordo poderia ser visto como demonstração de força ou de fraqueza.

As repercussões depois que o Código de Negociação Obrigatória entre Mídia de Notícias Plataformas Digitais foi aprovado pelo Senado nesta quinta-feira (25/2) e está pronto para entrar em vigor confirmam a controvérsia.

Ainda que tenha se tornado o primeiro país a regulamentar as plataformas com o objetivo de proteger o jornalismo, criando obrigações e um sistema destinado a fazer as empresas digitais pagarem pelo conteúdo nelas exibido, a Austrália cedeu em pontos importantes. E, para vários analistas, isso acabou favorecendo as gigantes, pois não impede que o Facebook ou o Google removam notícias caso não chegam a acordo com as empresas jornalísticas no futuro, como reconhece a imprensa australiana:

Teria a montanha parido um rato? Ou a Austrália cedido à chantagem do Google e do Facebook, como acusou Lord Rothemere, o dono do grupo britânico DMGT, dono do Daily Mail?

Pelo lado do Governo, o tom ufanista manteve-se, assim como a evidente intenção de capitalizar politicamente para o primeiro-ministro Scott Morrison, como mostra o tuíte do ministro do Tesouro Josh Frydenberg, que esteve na linha de frente das negociações com as plataformas.

 

Como ficou a lei depois das emendas 

Uma das principais emendas ao projeto de lei original é que as empresas jornalísticas interessadas em serem remuneradas pelo conteúdo exposto em mecanismos de busca (Google e seus concorrentes, como o Bing, da Microsoft) ou em mídias sociais (sobretudo o Facebook) estão livres para fazer acordos diretos com as plataformas, como algumas já fizeram.

Para alguns estudiosos do tema,  isso abre a possibilidade de que se livrem dos aspectos mais temidos do código de negociação, assinando contratos diretos para incluir conteúdo em seus produtos Facebook News e Google News Showcase.

Caso as conversas não cheguem a bom termo, as empresas jornalísticas podem então acionar o Governo para que o processo seja conduzido à luz da nova lei, atendendo a algumas condições, inclusive faturamento mínimo de AU$ 150 mil por ano (US$ 120 mil).

Caberá ao Tesouro “designar” se a plataforma digital é elegível a ser submetida ao código, avaliando se há desequilíbrio de poder entre elas e os editores. Elas devem ser avisadas com 30 dias de antecedência. Isso dá à plataforma tempo para mudar de ideia ou reconsiderar como o conteúdo será exposto – ou decidir não utilizá-lo.

Inicia-se então uma negociação mediada, que se não chegar a bom termo entra em um processo de arbitragem, com propostas colocadas sobre a mesa e a decisão final cabendo a um árbitro do Governo.

Uma das concessões feitas pelo Governo australiano – e criticada por analistas – é que se não houver acordo a plataforma tem o direito de remover os links, como o Facebook fez na semana passada, sem penalidades. Isso foi confirmado pelo próprio vice-presidente da empresa, Campbell Brown, que na quarta-feira (24/2) reafirmou que o Facebook retém seu direito de retirar o conteúdo de notícias australiano novamente no futuro.

De um lado, isso é prerrogativa de uma empresa comercial. De outro, causa um impacto severo em uma indústria que viu seu modelo de negócios baseado na propaganda devastado nos últimos anos pela concentração nas mãos dos gigantes, que chegam a responder por 80% do que é investido por anunciantes. Trata-se do desequilíbrio apontado por quem defende a regulamentação mais rigorosa.

O tamanho do impacto foi observado nos dias em que o Facebook tirou as notícias do ar. Segundo a empresa de medição Chartbot, o tráfego para sites de notícias na Austrália chegou a cair 20% em alguns momentos. E fora das plataformas as empresas jornalísticas também perdem em programas de conquista de assinantes e ações promocionais.

Quem saiu ganhando? 

Em entrevista à rede ABC, a pesquisadora Belinda Barnet, da Universidade Swinburne, disse que as mudanças aceitas pelo Governo fizeram com que a lei perdesse elementos fortes para encorajar os gigantes da tecnologia a fazer boas ofertas.

“Eles apenas farão ofertas para agradar ao ministro do Tesouro”, disse. 

Barnet acha que o melhor modelo seria se as plataformas fossem designadas a negociar sob o código desde o início, enfrentando todas as obrigações legais, incluindo a exigência de que forneçam acesso aos dados de engajamento e aviso de mudanças no algoritmo. Mas ela acredita que a forma final do projeto sugere que o Governo pode ter querido apenas que a legislação obrigasse as partes a sentarem-se à mesa.

“Parece que o Governo está usando a prerrogativa de designá-los como uma alavanca, mostrando que se não se comportarem bem, fazendo bons acordos sem o uso da lei, serão designados e terão que passar pela arbitragem. 

Ela não descarta a possibilidade de que o Facebook acabe removendo notícias da plataforma novamente. E acredita que o próximo mês será decisivo, pois a empresa fará acordos com as organizações jornalísticas, demonstrando ao Governo o quanto está levando a sério a intenção de remunerá-las pelo conteúdo em justas.

“Se não o fizerem, o tesoureiro poderá designar o Facebook e o que acontecerá, é claro, é que o Facebook prontamente desligará as notícias novamente.”

Uma das controvérsias é a definição do que é notícia, que caberá ao ministério do Tesouro. Simon Milner, chefe de políticas públicas do Facebook para a região da Ásia-Pacífico, disse em entrevista no momento em que a lei passou pela Câmara:

“Uma das críticas que tivemos à lei que foi aprovada ontem pela Câmara dos Deputados é que a definição de notícia é incrivelmente ampla e vaga”.

Arbitragem virou “uma questão de teoria”

Outro crítico da forma final assumida pela regulamentação australiana foi Joshua Benton, editor do Nieman Lab.  Em um artigo, ele fez uma leitura crítica do acordo.

Para ele, a arbitragem obrigatória que era a base da nova lei proposta pela Austrália foi reduzida a uma questão de teoria, já que o Facebook ganhou o direito de decidir oferecer a diferentes empresas a quantia que quiser, inclusive nada, sem risco de multa. Para sustentar sua tese, Benton destacou os pontos da declaração emitida quando as duas partes selaram a paz:

Depois de mais discussões com o governo australiano, chegamos a um acordo que nos permitirá apoiar os editores que escolhermos, incluindo editores pequenos e locais. Estaremos restaurando notícias no Facebook na Austrália nos próximos dias. No futuro, o governo esclareceu que manteremos a capacidade de decidir se uma notícia aparecerá no Facebook para que não fiquemos automaticamente sujeitos a uma negociação forçada. Sempre foi nossa intenção apoiar o jornalismo na Austrália e em todo o mundo, e continuaremos a investir em notícias globalmente e a resistir aos esforços dos conglomerados de mídia para promover estruturas regulatórias que não levem em conta a verdadeira troca de valor entre editoras e plataformas como o Facebook.

Joshua Benton observa que dinheiro não é problema para o Facebook e o Google, dispostos a injetar fortunas no setor para evitar a regulamentação. E que sob a perspectiva das duas gigantes digitais, o maior problema é que pagar por notícias de qualquer forma sistêmica afetaria sua principal vantagem como plataformas: organizar o conteúdo de outras pessoas. E fez uma comparação:

“Digamos que você ache que o Google deve dinheiro ao The New York Times por incluir todas as suas notícias nas pesquisas. Multar. Eles também me devem dinheiro por incluir meu antigo blog do início dos anos 2000 ? Ele também está indexado no Google. E o Breitbart? E o The Daily Stormer ou o Stormfront ? E quanto aos seus tweets? Ou o DairyQueen.com? Todos eles consistem em conteúdo digital que contribuem com algum tipo de valor para o Google como produto. Talvez você pense que pode definir um limite em algum lugar, mas onde? E como aplicá-lo a um índice de bilhões de sites? O Facebook deve pagar aos editores com base em quanto valor eles agregam ao Feed de notícias? Ok − então o maior cheque vai para o Daily Mail, e o Daily Wire recebe tanto quanto o New York Times.”

Partindo do princípio de que as plataformas são contrárias a qualquer tipo de pagamento sistemático e orientado ao desempenho para empresas jornalísticas com base no valor que eles oferecem às plataformas, ele acha que Facebook e o Google responderam “procurando outras maneiras de lidar com a dor de cabeça de relações públicas, levando dinheiro para empresas de notícias por meio de iniciativas de apoio ao jornalismo”, que em sua opinião são aplicadas em projetos secundários, que as plataformas decidem à sua livre escolha.

“Os gigantes da tecnologia têm dinheiro e poder. Eles não se importam em abrir mão de dinheiro se isso lhes der algo em troca: um ambiente regulatório mais amigável ou o silêncio de editores irritadiços. O que eles não querem abrir mão é do poder: o poder de escolher vencedores (seja por meio de algoritmo ou transferência de dinheiro), o poder de decidir o que está disposto a pagar e − o mais importante − o poder de manter sua principal vantagem como plataformas, que agregam grandes quantidades de informações gratuitas e lucram com todas as formas de organizar, distribuir e monetizar tudo isso.”

O editor do Nieman Lab observa que se houvesse uma lei obrigando o Google a pagar por alguns tipos de informações na busca − ou o Facebook a pagar para ter alguns tipos de informações no Feed de notícias − o elemento central de seu modelo estaria em risco. E faz outra analogia:

“Em vez de ser uma estrada com pedágio que os passageiros pagam para usar, você tem que pagar aos motoristas pelo privilégio de usar você? Isso é impensável.”

Foi o que disse a própria diretora do Google na Austrália, Melanie Silva, em depoimento no Senado, como lembrou Benton: “O conceito de pagar um grupo muito pequeno de criadores de conteúdo ou sites para aparecer puramente em nossos resultados de pesquisa orgânica abre um precedente perigoso para nós, que apresenta riscos incontroláveis ​​do ponto de vista do produto e do modelo de negócios.

Os acordos já feitos 

Na semana passada, o Google fechou vários acordos com empresas de mídia australianas, no valor de dezenas de milhões de dólares. Na ocasião, Frydenberg disse que “nenhum desses acordos estaria acontecendo se não tivéssemos a legislação perante o Parlamento”.

Os acordos anunciados até agora envolvem principalmente organizações maiores, como News Corp (do empresário Rupert Murdoch), Nine e Seven West Media. Murdoch conseguiu fazer valer o acordo para títulos fora da Austrália, como Wall Street Journal e The Times.

Foram também anunciados contratos com empresas menores, como Junkee e Private Media. Esta é uma preocupação: ficariam os grandes negócios restritos aos maiores?

O ministro das Comunicações, Paul Fletcher, disse na quarta-feira: “Esperamos que haja acordos com editoras pequenas e regionais, bem como com as maiores, embora por meio de um modo mais eficiente de engajamento do que de uma oferta padrão.”

Mas não há na lei dispositivo obrigando a isso.

A lei foi feita sob medida para  o Facebook e o Google, mas no futuro ela poderia ser expandida para outras plataformas “onde emergem desequilíbrios fundamentais do poder de barganha com as empresas de notícias australianas”, como registra o texto final. E será revista um ano após sua entrada em vigor para avaliar seu impacto.

A metralhadora giratória de Lord Rothermere 

Empresários do setor também se manifestaram, como Lord Rothermere, um respeitado dono de empresa jornalística, herdeiro de uma dinastia que comanda o grupo do Daily Mail desde o século 19. Em uma carta aberta com ampla repercussão, e publicada até no Financial Times, ele disse que a News Corp de Murdoch (dona do The Times e do The Sun)  fez uma “aliança profana” com o Google. E acusa as plataformas de chantagem contra o Governo australiano:

“O Google ameaçou retirar a busca na Austrália e Facebook suspendeu as notícias. Uma nação foi obrigada a pagar resgate, e se rendeu. Enquanto as plataformas persuadirem editores de notícias desesperados o suficiente a assinar acordos do tipo pegar ou largar, não haverá arbitragem justa e independente.

Nas próprias palavras do Facebook: ‘o governo esclareceu que manteremos a capacidade de decidir se as notícias aparecerão no Facebook … para apoiar os editores que escolhermos.’ Em outras palavras, o Facebook venceu a batalha. Ele decide quais notícias são lidas nas redes sociais e quanto paga por isso, se é que paga.

Enquanto isso, o Google assinou um acordo global com um de seus críticos mais vorazes, a  News Corp, que anunciou que ganhou ‘pagamento significativo’ e ‘compartilhamento da receita de anúncios por meio dos serviços de tecnologia de anúncios do Google’. O que isso se ganha em troca? Ele continuará a lutar por termos de negócios justos para todas as editoras, ou duas das empresas mais implacáveis ​​do mundo agora estão fechadas em uma aliança profana, dando origem a uma concorrência desleal, a menos que seus termos sejam tornados públicos? ”

Rothermere acrescentou:

“Os políticos em todos os lugares têm assistido aos eventos na Austrália com crescente alarme. Agora eles devem se perguntar: quem faz as regras? As plataformas decidem quais notícias o público pode ler, em acordos secretos com os editores que preferem? Ou os governos e reguladores agirão com determinação genuína, para garantir um tratamento justo e transparente para todos?

O que vem a seguir

A aprovação da lei é apenas mais um passo na longa história que promete mudar o relacionamento entre as plataformas digitais e o jornalismo em todo o mundo, não apenas na Austrália. Outros países aceleram seus planos de implantar novas leis, como o Reino Unido e o Canadá.

Na Europa, a Microsoft – que apoiou a lei australiana desde o início, colocando-se contra Google e Facebook – fez um movimento importante esta semana ao aliar-se às principais entidades do jornalismo cobrando de Bruxelas um mecanismo de arbitragem semelhante no projeto de lei que já está no Parlamento Europeu.

Na própria Austrália, será observada agora na prática a efetividade da nova lei.

Mesmo que não seja perfeita, é inegável que abriu o caminho para mudanças concretas, em um processo que parece sem volta.

Danos morais para as plataformas

As gigantes digitais podem ter levado a melhor na Austrália e conseguido proteger pelo menos em parte o modelo de negócio. Mas saem arranhadas. Movimentos como o #DeleteFacebook ganharam força  pelo mundo. E sua dominância ficou ainda mais exposta, com a demonstração de poder.

Joshua Benton, por exemplo, não  poupou a plataforma:

“O Facebook é um pesadelo corporativo que causou danos reais e significativos à democracia. Os reguladores australianos carregam água para Rupert Murdoch [o magnata de mídia apontado como beneficiário de contratos milionários com as plataformas, que apontam para privilegiar os grandes conglomerados] e têm proposto uma política que, como diz Tim Berners-Lee, tornaria a web ‘impraticável’. Mas uma má empresa que enfrenta regulamentações ruins destila puro poder e, ao atirar nos reféns (em uma comparação ao filme The Usual Suspects), o Facebook deixou bem claro onde isso ainda está. Ou, dito de outra forma: “Como você atira no diabo pelas costas? E se você perder?”

No Reino Unido, partindo para o ataque 

Mas o Facebook não parece acusar o golpe. Em uma postagem em seu blog que acabou dando origem a uma reportagem no jornal The Times publicada na quinta-feira (25), o Vice-Presidente de assuntos globais da empresa, Nick Clegg, resolveu contar o que chamou de “a verdadeira história” por trás da retirada das notícias da plataforma na Austrália, que causou comoção mundial. 

Clegg é um ex-político britânico, que liderou o partido Liberal Democrata no país. Experiência não lhe falta. Mas não foi muito diplomático em suas considerações.  Culpou o governo e as empresas jornalísticas pelo embate, e não o próprio Facebook.

Embora  tenha admitido que a gigante da tecnologia pode ter “cometido um erro por excesso de fiscalização”, em uma atitude belicosa que deixou cerca de 14 milhões de usuários na Austrália sem acesso às notícias, Clegg não admitiu que a culpa foi do Facebook.

Para ele, trata-se de um “mal-entendido fundamental” da relação entre o Facebook e as empresas jornalísticas, que a seu ver já obtêm vantagens com o compartilhamento de notícias na plataforma. Clegg disse reconhecer que “há preocupações legítimas a serem tratadas sobre o tamanho e o poder das empresas de tecnologia, assim como há sérios problemas sobre o impacto que a Internet causou ao jornalismo”.

Ele diz não ver danos na relação das plataformas com o jornalismo:

As afirmações – repetidas amplamente nos últimos dias – de que o Facebook rouba ou leva o jornalismo original para seu próprio benefício sempre foram e continuam sendo falsas. Não aceitamos nem solicitamos o conteúdo pelo qual pagamos um preço potencialmente exorbitante. Na verdade, os links de notícias são uma pequena parte da experiência que a maioria dos usuários tem no Facebook. Menos de uma postagem em cada 25 em seu feed de notícias conterá um link para uma notícia, e muitos usuários dizem que gostariam de ver ainda menos notícias e conteúdo político. 

Deu a entender que tem empresa jornalística querendo levar vantagem:

“É compreensível que alguns conglomerados de mídia vejam o Facebook como uma fonte potencial de dinheiro para compensar suas perdas, mas isso significa que eles deveriam poder exigir um cheque em branco? Isso é o que a lei australiana, como foi proposta originalmente, teria feito. O Facebook teria sido forçado a pagar quantias potencialmente ilimitadas de dinheiro para conglomerados de mídia multinacionais sob um sistema de arbitragem que deliberadamente descreve erroneamente a relação entre os editores e o Facebook – sem sequer uma garantia de que é usado para pagar pelo jornalismo, muito menos apoiar editores menores.”

E comparou, com ironia:

É como forçar os fabricantes de automóveis a financiar estações de rádio porque as pessoas podem ouvi-las no carro – e deixar que as estações determinem o preço. É irônico que algumas das maiores editoras que há muito defendem o mercado livre e empreendimentos comerciais voluntários agora pareçam ser a favor do estabelecimento de preços sob o comando do Estado. Os eventos na Austrália mostram o perigo de camuflar uma oferta por subsídios em dinheiro por trás de distorções sobre o funcionamento da internet.”

Sugere que as regras devem ser boas para todos os lados e não gerar privilégios:

A Internet precisa de novas regras que funcionem para todos, não apenas para as grandes corporações de mídia. Ao atualizar a regulamentação da Internet, podemos preservar o que há de melhor nela – a liberdade das pessoas de se expressarem e dos empresários de construir coisas novas. As novas regras só funcionam se beneficiam mais pessoas, e não protegem os interesses de algumas.

 

Neutralidade da rede, questão levantada por um dos criadores da Internet 

Enquanto alguns criticam a lei australiana por ter afrouxado no final, outros já criticavam o modelo devido ao mecanismo de cobrar por links. A principal voz a se levantar contra esse aspecto da regulamentação foi Tim Berners-Lee, cientista que foi um dos fundadores da internet.  Ele escreveu ao Senado australiano antes de a lei ser aprovada pedindo para que fosse alterada, como escrevemos aqui.

Parece estranho um cientista defender o Facebook, mas não é bem isso. Ele não questiona a necessidade de equilibrar o jogo entre as plataformas. Mas vê no mecanismo de cobrar por links uma ameaça à internet livre e gratuita que existe hoje.

Em uma análise da regulamentação australiana, o editor de mídia da BBC, Amol Rajan questionou também como definir os links cobertos pela lei:

“Não são apenas quaisquer links, mas links pertencentes a uma categoria específica de material da web: informações editadas – ou seja, notícias. Mas o que conta como notícia e por que privilegiar essa única categoria de material? O jornalismo tabloide conta como notícia? Que tal um blogueiro de comunidade que posta atualizações de magistrados? Ou uma revista que foca na pesca – mas será que uma notícia aparece nas primeiras páginas? Eles devem ser pagos pelo Facebook?

Onde será a próxima batalha? 

Depois que a Austrália abriu a porteira, resta saber de onde virão os próximos tiros: se do Reino Unido, da União Europeia ou do Canadá.

Em sua postagem no blog, Nick Clegg, do Facebook, destacou que acordos recentes do Facebook com jornais do país (que aceitaram entrar na nova barra de notícias da plataforma em troca de pagamento pelo conteúdo nelas exibido) eram evidências de que a empresa reconhece que “o jornalismo de qualidade está no centro de como as sociedades abertas funcionam – informando e capacitando os cidadãos e responsabilizando os poderosos”.

Mas a tentativa de desmontar a bomba em solo britânico pode ser inútil. Oliver Dowden, o Secretário de mídia digital do país, tem se manifestado nos últimos dias no sentido de acelerar o projeto de lei que já foi anunciado.  O Parlamento britânico não é muito amigo da plataforma, acusada por parlamentares de bullying.

O país segue por um caminho fortemente apoiado na regulação de concorrência. O Governo entregou a missão ao poderoso órgão de controle de competição, o CMA, que tem experiência e recursos jurídicos. E cujo diretor-geral, o economista italiano Andrea Coscelli, é um linha-dura decidido a quebrar o poder das grandes plataformas.

Em entrevista a Amol Rajan, da BBC, ele comentou sobre a lei australiana, que considerou “sensata”. A respeito do pagamento por links, defendeu que a web já mudou antes e pode mudar novamente.  E não hesitou em classificar as gigantes de “duopólio”, devido à concentração de 90% do mercado de buscas pelo Google e mais de 50% do mercado de publicidade pelo Facebook no Reino Unido.

Quem apostar no Reino Unido saindo na frente tem boas chances de acertar.

 

 


Luciana Gurgel,  Coordenadora editorial  do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileira radicada em Londres. Iniciou a carreira no jornal o Globo, seguindo depois para a comunicação corporativa. Em 1988 fundou a agência Publicom, junto com Aldo De Luca, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group). Mudou-se para o Reino Unido e passou a colaborar com veículos brasileiros, atuando como correspondente do canal MyNews e colunista semanal do Jornalistas&Cia / Portal do Jornalistas, no qual assina uma coluna semanal sobre tendências no mundo do jornalismo e da comunicação. É membro da FPA (Foreign Press Association). 
Os artigos do MediaTalks by J&Cia podem ser reproduzidos no todo ou em parte com citação da fonte e do autor, com link para o original.