O Texas tinha acabado de congelar. Após uma tempestade de inverno devastadora, milhões  ficaram sem energia e aquecimento. Eles ferviam neve para obter água; alguns estavam morrendo. Mas, contra todas as evidências, a direita política negacionista da mudança climática botava a culpa na energia eólica e culpava um New Deal Verde que ainda nem existe.

“Sem o conhecimento da maioria das pessoas, o New Deal Verde chegou ao Texas”, disse Tucker Carlson em 16 de fevereiro na Fox News. “A rede elétrica do estado passou a depender totalmente de turbinas de vento. Então ficou frio e as turbinas quebraram. Isso é o que acontece no New Deal Verde“.

Uma hora depois, no Hannity , programa de notícias a cabo mais assistido da América, o governador republicano do Texas Greg Abbott disse que a situação difícil de seu estado “mostra como o New Deal Verde seria um negócio mortal para os Estados Unidos”.

Nos dias que se seguiram, desinformação semelhante foi repetida na programação da Fox News e Fox Business, em outros veículos de direita como OAN e Newsmax, e em uma miríade de declarações de funcionários eleitos republicanos.

Fake news para desacreditar as energias renováveis

Essas afirmações eram absurdas. O Texas funciona principalmente com gás natural. E foram os oleodutos e poços congelados − em meio a uma infraestrutura de energia não projetada para suportar o frio − os principais responsáveispelos apagões. 

Além disso, no espírito de desregulamentação, os funcionários estaduais anos atrás isolaram sua rede do resto do país. Com isso, o Texas não conseguiu importar eletricidade de outro lugar para manter as luzes acesas.

Algumas turbinas eólicas congelaram, mas apenas porque não foram preparadas para o inverno − não devido a uma vulnerabilidade inata delas.

Na imprensa baseada na realidade, os especialistas defenderam a energia renovável. Os meios de comunicação deram espaço para especialistas desmascararem as afirmações republicanas. Como diz o ditado, porém, “uma mentira dá a volta ao mundo antes que a verdade coloque seus sapatos”. 

Negacionistas estão dispostos a falar mais alto

E então, uma pauta que deveria focar nas famílias texanas necessitadas e num alerta angustiante de que a emergência climática estava virando a vida de todos de cabeça para baixo, tornou-se uma luta política baixa − e isso antes de ser reduzida às matérias sobre o voo do senador Ted Cruz para escapar do frio.

Claro, desinformação não é nenhuma novidade na história do clima. O jornalismo investigativo mostrou que as empresas de combustíveis fósseis sabiam, desde a década de 1970, que suas operações ameaçavam o futuro da humanidade, mas mantiveram-se em silêncio para manter os lucros fluindo. 

Agora, a indústria de combustíveis fósseis está decididamente na defensiva − perdendo no tribunal da opinião pública, perdendo investidores e enfrentando um novo presidente dos Estados Unidos que promete uma ação climática ampla.

Não é surpresa que a indústria e seus apoiadores estejam novamente se voltando para a desinformação. A julgar pelo barulho que fizeram com o congelamento do Texas, eles estão dispostos a falar mais alto.

A questão é: o que os jornalistas podem e devem fazer a respeito?

A melhor abordagem, por mais simples que pareça, é dar leads com os fatos, não com comentários, diz Kristy Roschke, da Escola de Jornalismo da Universidade do Arizona. 

Os repórteres devem favorecer fontes locais e especialistas, em detrimento de fontes não conhecidas da audiência. A cobertura das tempestades no Texas, que acionou especialistas em clima e energia no estado, foi exemplar. 

E, tanto quanto possível, os jornalistas devem concentrar-se nas informações de que as pessoas precisam para tomar decisões no mundo real.

“Se a desinformação costuma ter como objetivo mudar o foco, o contra-ataque é o enfoque de serviço”, diz Roschke. 

Não dar espaço para os dois lados, quando há uma verdade só

Acima de tudo, diz Roschke, os jornalistas devem evitar o hábito de enquadrar tudo como um debate entre dois lados:

Não podemos continuar reforçando o debate quando não há debate sobre o tema”.

Pesquisas mostram que a repetição afeta a forma como nosso cérebro imprime informações e as afirmações que julgamos verdadeiras. Repetir falsidades, então, mesmo para desmascarar, pode inadvertidamente reforçá-las. 

“Sanduíche da verdade”

Uma ferramenta que os jornalistas podem usar para evitar essa armadilha é o que o professor aposentado de lingüística da UC Berkeley, George Lakoff, chama de  “sanduíche da verdade” − isto é, apresentar desinformação entre duas declarações de verdade.

Por exemplo: Os cortes de energia no Texas foram causados ​​principalmente pelo congelamento de usinas elétricas movidas a gás e carvão. Algumas figuras da mídia de direita e políticos republicanos, em vez disso, culparam incorretamente a energia renovável e o New Deal Verde. Mas a energia eólica e solar de fato se saíram melhor do que os combustíveis fósseis durante a onda de frio do Texas, e o New Deal Verde ainda não existe, seja no nível federal ou no estado do Texas.

Muitas matérias sobre o congelamento, em vez disso, incluíram declarações falsas de funcionários, mesmo quando as intenções dos repórteres eram denunciá-los. “A aspiração dos jornalistas pode até ser boa, de ajudar as pessoas”, diz Roschke. 

Mas o efeito final acaba permitindo que a desinformação conduza a pauta. Ao tratar os argumentos de má-fé como argumentos merecedores de espaço, os jornalistas inadvertidamente emprestam credibilidade a falsas noções de que as mudanças climáticas ou a necessidade de energia limpa estão em debate, quando a ciência diz claramente o contrário

“Torna-se um ciclo que se autoperpetua”, diz Roschke. “O comportamento infantil e a postura em torno de um assunto tornam-se notícias, porque os eleitos são dignos de nota. Essa notícia, então, reforça aquelas falsas narrativas, o que faz os políticos continuarem alimentando o ciclo.”

Títulos em forma de pergunta ajudam a confundir

Isso não quer dizer que a apuração cuidadosa dos fatos não tenha seu lugar. Mas dedicar muito tempo e espaço para rebater inverdades pode custar caro e prejudicar as notícias reais.

“Não, turbinas de vento congeladas não causaram os apagões do Texas” é talvez uma manchete satisfatória de escrever. Mas para os leitores que procuram a verdade − que, crucialmente, podem nunca ler além do título − ela sustenta uma mentira, diz Roschke. Para ela, manchetes em forma de perguntas como “Os moinhos de vento congelados causaram os apagões?” são ainda piores.

Maior parte das fake news tem alguma verdade embutida

Se forem cuidadosos, os jornalistas podem examinar narrativas falsas para obter uma visão das preocupações e dúvidas genuínas que o público possa ter, diz Shaydanay Urbani, que conduz pesquisas e treinamento na First Draft, uma organização sem fins lucrativos que ajuda jornalistas e o público a se defender contra a desinformação.

“A maior parte da desinformação tem alguma verdade embutida”, diz Urbani. A acusação comum da direita política de que a energia verde matará empregos, por exemplo, é parcialmente verdadeira, na medida em que a indústria de combustíveis fósseis necessariamente se contrairá em uma transição energética”. 

O argumento ignora o fato de que as forças do mercado estão mudando para as energias renováveis já e que mais empregos estão sendo criados em energia verde do que perdidos em combustíveis fósseis.

Mas é natural que o público tema a perda de empregos e o que a mudança significará para suas comunidades − porque os patrocinadores dos combustíveis fósseis falam sobre o fantasma da perda de empregos, em primeiro lugar. 

“O que os repórteres podem fazer”, diz Urbani, “é mergulhar nas narrativas que a desinformação envolve e, em seguida, fazer histórias que abordem essas preocupações, ao mesmo tempo que enfatizam a verdade”. Em outras palavras: 

“Tente usar a desinformação para entender as preocupações mais profundas das pessoas e produza matérias  que respondam a essas preocupações”.

Esclarecer desinformação é uma oportunidade para ganhar público

Claro, tudo isso é mais fácil dizer do que fazer. A desinformação é fácil, porque emprega narrativas simples e joga com as emoções das pessoas. É difícil reportar com cuidado e nuances, especialmente em uma época em que muitas redações estão carentes de recursos. 

Além do mais, os imperativos da mídia social e da otimização dos mecanismos de busca tornam mais complicado do que nunca enquadrar uma matéria. E até mesmo matérias perfeitas existem em um ecossistema de informações em rápida movimentação, onde as melhores intenções podem ser facilmente retiradas do contexto e reaproveitadas para atender a todos os tipos de interesses.

No final das contas, porém, o público deseja boas informações. Com uma perspectiva de ações mais adequadas para combater a mudança climática depois da posse de Joe Biden, pode-se esperar que os suspeitos de sempre mentirão e tentarão ofuscar a verdade. 

Isso representa um desafio para os jornalistas, mas também pode ser uma oportunidade de recuperar a confiança da audiência e conquistar novos públicos.

“Acho que as redações deveriam pensar na desinformação como uma oportunidade de ganhar seu público”, diz Urbani. “Sempre podemos fazer mais para nos conectar com as pessoas”.


Este artigo é parte da Covering Climate Now, uma colaboração de jornalismo global  destinada a fortalecer a cobertura jornalística sobre meio ambiente e mudança climática.