Parem as máquinas e rodem as roletas! Em um momento em que as fontes de receitas da indústria de mídia tornam-se cada vez mais escassas, o Torstar, maior grupo de jornais do Canadá, decidiu apostar alto numa solução inovadora: lançar um aplicativo de apostas.

Pode ser uma grande jogada: enquanto as receitas publicitárias diminuem, por que não competir pelo crescente mercado das apostas online para se manter no jogo?

Só em Ontário, onde fica a sede da empresa, os residentes gastam por ano 500 milhões de dólares canadenses (R$ 2,2 bilhões) na sua fezinha virtual.

Sem entrar no mérito de se a ideia une o útil ao agradável, pode ser uma boa saída para os viciados em notícias, dependentes do jornalismo de qualidade. Mas arriscada. Não se tinha notícia de nenhum editor apostando suas fichas nessa estratégia. Até agora.

Início com o Toronto Star, em 1892

Torstar é a abreviação de Toronto Star, o primeiro jornal do grupo, criado em 1892 e que atualmente é o diário de maior circulação do Canadá. Eles também editam o Hamilton Spectator e o Niagara Fall Review, além de mais 70 outros jornais regionais e comunitários.

Durante décadas, o grupo foi comandado pelas famílias fundadoras, e pauta-se até hoje pelos “Princípios Atkinson”, que leva o nome de uma delas. São princípios progressistas como a promoção da proteção dos trabalhadores, liberdades civis e causas sociais.

Em agosto do ano passado o grupo mudou de mãos e foi adquirido pela NordStar Capital LP por 60 milhões de dólares canadenses (R$ 265 milhões) , após uma dura batalha judicial.

Grupo já lançou até serviço de entregas 

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A incursão no jogo pegou muitos na indústria de surpresa, provocando piadas, críticas e uma mina de ouro para trocadilhos. Mas a Torstar fala sério. O grupo tem um histórico de usar indústrias altamente lucrativas para financiar seu jornalismo. Os romances foram uma delas. Durante décadas, o grupo foi proprietário da Harlequin, maior editora local, vendida em 2014 por US$ 455 milhões (R$ 2 bilhões).

A novidade foi anunciada na segunda-feira (1 de março), num comunicado da empresa no qual o executivo Corey Goodman afirmou:

“Como marca confiável há mais de 128 anos, acreditamos que Torstar será uma marca  de jogos única e responsável,  que cria novos empregos, oferece crescimento para a economia de Ontário e gera receitas fiscais para ajudar a apoiar programas importantes em nossa província”.

A notícia correu mundo e mereceu reportagens em vários países, entre elas a do britânico The Guardian. O jornal destacou que o anúncio representa a aposta mais ambiciosa do Torstar, que vem tentando diferentes fontes de receita desde que foi assumido pelos novos proprietários, como o lançamento de um serviço de entregas de encomendas.

Diversificação para pagar os jornalistas

Um consultor da indústria de jogos que assessora o grupo, Jim Warren, disse que ainda não está claro quanta receita o novo negócio irá gerar, já que o processo de liberação do Governo não está concluído. Em entrevista ao Canadian Press, ele disse:

“Não sabemos quão grande será o mercado ainda, porque vai depender do processo de consulta do governo. O que sabemos é que a Torstar está procurando diversificar o modelo de receita de como financiamos e pagamos repórteres, colunistas e equipe editorial.”

 

Preocupação com a independência 

Tom Muench, um vereador de Richmond Hill, ao norte de Toronto, é um dos críticos da ideia. Por considerar que a imprensa é essencial para o funcionamento de uma democracia saudável, ele acha preocupante que uma rede de jornais tão importante como a Tostar torne-se financeiramente dependente de um empreendimento externo para manter suas portas abertas.

Em entrevista à CBC News, ele também questionou a natureza do empreendimento:

“Acho que é justo dizer que, se um cassino surgisse em suas comunidades locais, muitos jornais da Torstar escreveriam matérias refletindo preocupação”. 

O vereador também se pergunta como esses mesmos jornais noticiariam o fato de qualquer outro tipo de negócio abrir uma operação de jogo online paralelamente:

“Se o Governo federal vem apoiando a imprensa com dinheiro público de impostos e agora com cassinos, como ficará a independência da mídia em relação a todo esse apoio?

Lançamento ainda sem data marcada

Os novos proprietários do grupo disseram que o foco do jornal continuará nas causas progressistas − à medida que esperam progredir financeiramente aproveitando o crescimento do mercado de jogos online.

As cartas já estão na mesa e o aplicativo da Torstar aguarda apenas a aprovação final da comissão regulatória de Ontário para entrar no ar.

Se a ideia der certo, repense tudo o que você já leu sobre jornalismo “de dados” − que passará a ter um significado mais ligado a eles rolando na mesa de jogos. Será o início de uma nova era? Façam suas apostas!

Aldo De Luca, Conselheiro e colaborador do MediaTalks byJ&Cia, é jornalista brasileiro radicado em Londres. Formado em Jornalismo pela UFF (Universidade Federal Fluminense), foi repórter especial do jornal O Globo em 1987 e 1988. Fundou junto com Luciana Gurgel a agência Publicom, que se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil e em 2016 foi adquirida pela WeberShandwick (IPG Group). Além de jornalista, é Engenheiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Integra a FPA (UK Foreign Press Association).
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