Num cenário em que os governos – especialmente os da Austrália, dos Estados Unidos e da Comunidade Europeia – têm intensificado seus esforços para regulamentar a relação das gigantes da tecnologia com as organizações jornalísticas, forçando-as a pagar pelas notícias veiculadas por suas plataformas, o tema não poderia deixar de se destacar na última conferência da Organização Mundial dos Editores de Notícias.
Em sua 10ª edição, a conferência acabou de ser realizada na Índia, de 2 a 4 de março, com a participação de mais de 200 executivos de organizações de notícias de 15 países e transmitida virtualmente. Na palestra inicial, uma das mais aguardadas, Edward Roussel, Diretor de Inovação da Dow Jones e do The Wall Street Journal, alertou que a pressão sobre as gigantes tecnológicas pode ser uma bênção ou uma maldição para a indústria de mídia:
As notícias podem ser o chamariz das Big Techs para fazer com que seus consumidores usem seus produtos diariamente. Portanto, é fundamental que elas busquem parcerias para a credibilidade nas notícias”.
Por outro lado, ele alertou para possíveis consequências nocivas para o setor:
“É uma maldição porque essas gigantes podem se tornar participantes muito importantes na indústria de mídia em curto, médio e longo prazo.”
De olho nas tendências impostas
Independentemente de como será a evolução dessa parceria entre as gigantes da tecnologia e o setor de notícias, o especialista alertou que nenhum jornalista, principalmente os editores, pode deixar de prestar atenção nas novidades já lançadas e nas tendências em desenvolvimento no Vale do Silício:
“Estamos falando das cinco maiores empresas de tecnologia dos Estados Unidos – Facebook, Google, Microsoft, Apple e Amazon – que juntas detêm um valor de mercado combinado de US$ 7,5 trilhões. Algumas de suas iniciativas já estão fazendo a bússola do consumo de notícas apontar para alguns caminhos bem definidos”.
Em sua apresentação, Roussel destacou as cinco principais tendências influenciadas pelas Big Techs já em andamento.
Brevidade
Como o consumo de notícias pelo celular cresce exponencialmente, Russel destaca que cada acesso tem sido cada vez mais breve. Ele apresentou uma pesquisa do Pew Research Center mostrando que os usuários agora gastam em média 2,5 minutos por visita, um declínio de 10 por cento desde 2015.
Roussel disse que o Snapchat trabalha apenas com 2 segundos para chamar a atenção do usuário com manchetes e imagens e outros 80 segundos de navegação pela aba ‘Descobrir’. Os dados são condizentes com os do Facebook, que estima que um leitor médio gasta apenas 1 minuto em uma matéria.
“Aprendemos, nos últimos 25 anos, que a Internet impulsiona implacavelmente a produtividade. Há uma pressão incrível para diminuir a quantidade de tempo que gastamos realizando ações.
As plataformas investiram muito na adição de atalhos mentais, como setas, hashtags e botões para chamar a atenção do usuário ”.
Em vista disso, crescem os desafios dos editores para propor uma boa experiência aos usuários num intervalo de tempo tão curto. O tempo gasto é uma das métricas que os editores usam para rastrear o engajamento, principalmente entre os assinantes. Roussel pergunta:
“Como criar conteúdo curto e ao mesmo tempo envolvente capaz de atrair um público mais jovem, o mais propenso a pagar?
Interatividade
Roussel adverte que o foco está mudando do conteúdo para a interação com o conteúdo e diretamente com as fontes:
“O valor econômico está na interação. As pessoas estão pagando cada vez mais pelo acesso direto às fontes, como ídolos do cinema ou da música, dispensando a intermediação que era tradicionalmente feita pela mídia tradicional”.
Isso explica o sucesso de algumas empresas que explodiram durante a pandemia usando esse modelo. Roussel cita exemplos bilionários, como o Clubhouse, que foi capaz de atrair pesos pesados como Elon Musk e Mark Zuckerberg, o OnlyFans, que gerou US$ 2 bilhões de receita e o Patreon, que chegou a US$ 1 bilhão. Ressalta que foi gerado um elemento de culto a essas plataformas, e por isso não deixa de fora da lista o Cameo e o Substack, com seus “meros” US$ 100 milhões e US$ 25 milhões de receita, respectivamente.
Áudio
Para demonstrar a força dessa tendência, o especialista cita os esforços de Amazon, Apple e Spotify para dominar o mercado e o fato de mais de 50 milhões de residências nos Estados Unidos já estarem equipadas com smart speakers, nos quais os apresentadores de notícias mais conhecidos perdem para a Alexa ou a Siri.
E não adianta sair de casa para fugir à tendência: Roussel mostra que mais da metade dos carros nos Estados Unidos já possuem Android Auto ou Apple CarPlay para facilitar a experiência de áudio. Não é à toa, lembra o especialista, que a Apple vendeu 100 milhões de AirPods só no ano passado, provavelmente incluindo o seu.
Visual
Na era do Instagram, Roussel destaca que a mídia se torna cada vez mais visual, e aponta três forças que estimulam essa tendência:
1) Infográficos baseados em dados, que, assim como as imagens, passaram a valer mais que mil palavras. Roussel cita o exemplo do The New York Times:
“Houve uma explosão de infográficos. O The New York Times é uma boa medida desse sucesso. Das 20 matérias mais lidas do jornal em 2020, seis eram baseadas em infográficos”.
2) Gravações com telefones celulares, que para Roussel são capazes de produzir narrativas revolucionárias:
“Os flagrantes que desencadearam protestos como Black Lives Matter, por exemplo, começaram com vídeos de celulares, como o do espancamento de George Floyd.
Além disso, o fato de o YouTube ter nos Estados Unidos mais espectadores com menos de 50 anos do que todos os canais de TV juntos, está formando um mercado para uma nova geração de mídia de vídeo móvel, como o HouseOfHighlights.”
3) Produção contínua de fotos atualizadas, que não para de crescer. Atualmente já são mais de 1,5 bilhão de fotos enviadas diariamente para o Google, Facebook e Instagram.
Personalização
Roussel ressalta que o jornalismo hiperlocal está cada vez mais forte com os aplicativos que adotaram o software de geolocalização, aliado às ferramentas de Inteligência Artificial que adicionam dados para tornar o conteúdo mais personalizado:
“Os Estados Unidos estão vendo uma explosão de aplicativos de notícias hiperlocais. Prova disso é que entre os 10 aplicativos de notícias mais usados destacam-se três desse tipo: Citizen, Nextdoor e News Break.”
Para os que se preocupam com o setor de notícias, a palestra foi uma bênção.
Leia também