O temor manifestado por acadêmicos e analistas da indústria de mídia de que os grandes conglomerados seriam os maiores beneficiados pelo pagamento de conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais vai aos poucos se confirmando. O Facebook anunciou nesta segunda-feira um contrato com a News Corp, comandada pelo magnata Rupert Murdoch, para incluir notícias de seus veículos australianos no Facebook News. Foi o primeiro grande acordo assinado após a nova lei.
O empresário foi um osso duro de roer desde o início dos debates em torno do pagamento por conteúdo na Austrália, posicionando-se firmemente contra o uso da produção jornalística sem remuneração e apoiando a lei proposta pelo governo, aprovada em fevereiro.
Para se ter uma ideia do tamanho da bolada, pode-se tomar por base o contrato fechado entre o Google e o australiano Nine Entertainment, que teria sido (valores não confirmados) de US$ 23,3 milhões ao ano. O Nine, que publica o The Sydney Morning Herald, também teria entrado em entendimentos com o Facebook, ainda sem anúncio oficial.
Grupo já havia se acertado com Google
O grupo de Murdoch já havia assinado com o Google um acordo de pagamento por conteúdo às vésperas da votação na nova lei australiana, envolvendo todos os seus títulos, incluindo o britânico The Times e o americano Wall Street Journal.
A negociação com o Facebook na Austrália não envolve os ativos em outros países. Nos Estados Unidos, um contrato com a plataforma digital já está em vigor desde 2019, envolvendo o uso de conteúdo no Facebook News. No Reino Unido não houve ainda negociação anunciada.
“O acordo com o Facebook é um marco na transformação dos termos de troca do jornalismo e terá um impacto material e significativo em nossos negócios de notícias australianos”, disse o CEO da News Corp, Robert Thomson, em um comunicado no qual citou nominalmente o Primeiro-ministro australiano, o tesoureiro e o líder do órgão regulador antitruste.
O chefe de parcerias de notícias do Facebook na Austrália, Andrew Hunter, disse que o acordo significa que os 17 milhões de usuários do Facebook no país “terão acesso a artigos de notícias premium e vídeos de notícias de última hora da rede da News Corp de redações nacionais, regionais e rurais”.
A lei australiana
A generosidade das plataformas digitiais ao fecharem contratos vultosos com empresas de mídia australianas é resultado da iniciativa do governo do Primeiro-Ministro Scott Morrison de adotar no país a primeira lei obrigando as plataformas digitais a negociarem com as empresas jornalísticas pelo uso do conteúdo por elas produzido. Inicialmente as gigantes digitais mantiveram-se firmes contra lei.
Quando o projeto chegou ao Parlamento, porém, o Google foi o primeiro a sentar à mesa para se antecipar e assinar acordos antes mesmo de a lei entrar em vigor. O Facebook chegou a proibir o compartilhamento de links em sua plataforma, o que gerou revolta mundial, inclusive por ter abrangido serviços essenciais do próprio Governo.
Mas acabou entrando em conversações com a administração federal e até conseguiu algumas concessões importantes, vistas por analistas como um enfraquecimento da lei. Pelas novas regras já em vigor na Austrália, as plataformas podem fechar acordos diretos. Se não se entenderem, a empresa jornalística aciona o mecanismo que determinará uma arbitragem para que um valor seja definido.
Enquanto os grandes grupos de mídia negociam em posição vantajosa, editores menores demonstram preocupação com os riscos de saírem perdendo. Antes de a lei ser aprovada, Eric Beecher, presidente da Private Media, que dirige o site de notícias Crikey, disse que ela precisava pequenas alterações para garantir que as editoras menores compartilhem “de forma justa e transparente” a receita dos gigantes da tecnologia.
“A legislação deve criar um apoio financeiro significativo para cerca de 100 editoras de notícias regionais e urbanas de pequeno a médio porte da Austrália, para que a vasta proporção do financiamento não acabe nos bolsos da News Corp e da Nine”, disse Beecher.
Adam Pilhofer, ex-diretor digital do Guardian e atualmente professor da Temple University, falou ao Financial Times sobre o risco:
“Minha preocupação é que os grandes players fiquem com todo o dinheiro. Seria uma extração de ativos por políticos e por grandes organizações de mídia ”.
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