Se o Twitter ceder, pode ser instado por outros líderes autoritários a remover contas de mídias críticas a seus governos
O Twitter vive um dilema na Rússia, e a decisão que tomar pode servir como referência para outros governos inclinados a silenciar veículos jornalísticos e opositores, representando um marco para a liberdade de imprensa e de expressão. A agência reguladora das telecomunicações (Roskomnadzor) determinou que a plataforma remova em um mês contas que disseminam conteúdo que considera ilegal, sob pena de bloquear a rede no país.
Em matéria publicada na quarta-feira (16/3), o site confirma ter recebido uma correspondência da rede social sobre o pedido feito pela Roskomnadzor:
“Informamos que o Twitter recebeu uma solicitação oficial do Serviço Federal de Supervisão de Comunicações, Tecnologia da Informação e Mídia de Massa da Federação Russa (Roskomnadzor) em relação ao conteúdo da conta @MBKhMedia por violar as leis da Federação Russa.
Em seu pedido, o Roskomnadzor refere-se ao fato de que materiais informativos da Open Russia, uma organização que, conforme seu entendimento é reconhecida como “indesejável” em território russo, são supostamente postados no Twitter pela MBKh Media.”
O Twitter foi informado que em 21 de fevereiro de 2018, a Procuradoria-Geral da República inseriu a MBKh Media na plataforma no registro de contas probidas devido à publicação de informações relativos a essa organização indesejável”.
O Twitter não disse se vai ou não atender ao pedido. Mas um porta-voz da empresa disse na semana passada à agência de notícias AFP que a empresa não apoia “nenhum comportamento ilegal” e está “profundamente preocupada com o aumento das tentativas de bloquear e restringir conversas públicas online”.
Antes do prazo se esgotar, o governo russo confirmou que desde a semana passada reduziu a velocidade do Twitter para 50% dos usuários. E isso teria afetado até a conta do Kremlin e de agências governamentais, indicando a dificuldade técnica de realizar o banimento caso a rede social não ceda.
Lei mais severa ampliou poderes de censura
O Twitter chegou a ser multado ano passado por suposta violação das leis do país. Agora, sob as novas regras, as penas podem ser maiores, colocando a plataforma diante de encruzilhada de aceitar a ordem de remoção de veículos jornalísticos sérios e que fazem oposição a Vladmir Putin e ser instada a fazer o mesmo em outros países ou ser banida.
A Reuters citou uma declaração do vice-diretor do Roskomnadzor à agência de notícias Interfax, que teria manifestado na terça-feira impaciência com o silêncio do Twitter.
“O Twitter não está respondendo aos nossos pedidos como deveria. Se a situação continuar, ele será bloqueado em um mês sem uma ordem judicial”, disse a agência de notícias, citando Vadim Subbotin.
Twitter, apenas o primeiro?
Não é difícil apostar que o Twitter não será o único. É provável que esteja sendo o exemplo para que outras plataformas aceitem determinações de banimento de contas ou remoção de conteúdo. Um dos que defende a tese é Sarkis Darbinyan, advogado do grupo russo de direitos de internet Roskomsvoboda, em entrevista ao The Guardian.
Ele crê que as autoridades russas estejam usando a plataforma como “experimento”, já que ela tem menos seguidores no país do que outras redes. E em seguida as baterias se voltariam contra as redes mais populares.
A editora-chefe do site, Veronika Kutsyllo, negou ter compartilhado o tipo de conteúdo apontado pela agência reguladora. E disse que não foram informados com antecedência sobre a demanda ao Twitter. Para ela, o Estado vem adotando há algum tempo a mesma tática, que é a de pressionar mídias digitais e provedores de acesso sem aviso prévio aos responsáveis pelas contas.
Na entrevista, Sarkis Darbinyan disse também acreditar que a impaciência com o Twitter escalou depois das manifestações anti-Kremlin no início do ano. Ele salientou que o governo está impondo leis mais regressivas a cada ano com relação à internet, permitindo que mais órgãos estatais exijam o bloqueio de uma gama cada vez maior de conteúdo.
“Depois dos protestos, ficou claro que o Twitter não planejava excluir mensagens relacionadas a ações cívicas pacíficas e continuaria a sinalizar a propaganda do Estado, para que os usuários pudessem reconhecer informações falsas”, disse Darbinyan.
Smartphones igualmente na mira
Não são apenas as redes sociais a entrarem no radar da administração de Vladmir Putin. A partir de abril, fabricantes de smartphones serão obrigados a fornecer seus produtos com um software russo instalado. O objetivo seria melhorar a experiência dos usuários, mas entidades de defesa dos direitos humanos apontam o risco de vigilância estatal.
A Apple disse esta semana que daria aos compradores russos a opção de instalar aplicativos sugeridos pelo governo na instalação.