Esse é o retrato mais recente da atuação da extrema direita, de acordo com o relatório State of Hate 2021, divulgado nesta segunda-feira (22) em Londres pela organização Hope not Hate.
Trata-se do guia mais abrangente e analítico sobre o extremismo de direita no Reino Unido, cujas conclusões foram debatidas num painel de especialistas que marcou seu lançamento.
Ao apresentar o relatório, Nick Lowles, CEO da Hope not Hate, destacou o objetivo do trabalho:
“Ao expor, desafiar e confrontar extremistas, esperamos reduzir sua capacidade de espalhar o ódio. Quanto mais entendermos aqueles que buscam espalhar a divisão, mais equipados estaremos para contê-los e derrotá-los.”
Em um painel formado por membros da organização e especialistas convidados para marcar o lançamento, os riscos que o crescimento da extrema direita representa para a sociedade e o papel das mídias sociais foram os temas centrais.
Um dos participantes foi o parlamentar britânico David Lammy, referência nacional em racismo e discurso de ódio.
Ele falou sobre as desigualdades que afetam os que fazem parte de minorias raciais no país, mais expostos à violência e sem as mesmas oportunidades, refletindo-se em taxas mais altas de desemprego. E defende que isso vira terreno fértil para a radicalização.
A pandemia foi apontada como um agravante para todos os problemas que já vinham ocorrendo, por deixar as pessoas mais vulneráveis a serem cooptadas por extremistas. Joe Mulhal, pesquisador da ONG, destacou a necessidade de regulamentação das redes sociais e ação governamental, não apenas sobre as principais mas também das menores e menos populares, igualmente capazes de influenciar e propagar teorias da conspiração.
A atuação “pós organizacional”, centrada em ativistas que se apresentam como jornalistas cidadãos
Segundo a Hope Not Hate, a pandemia acelerou a morte de alguns grupos tradicionais e o movimento para uma extrema direita “pós organizacional”, com o aumento de ativistas individuais online mais jovens e autodefinidos como “jornalistas cidadãos”.
Nesse cenário, o ano de 2020 viu a decadência de muitas figuras de extrema direita, que optaram por um êxodo para plataformas com audiência menor mas com menos restrições de moderação.
Jornalistas, principalmente mulheres, cada vez mais na mira da extrema direita
A organização contabilizou o aumento das intimidações, abusos e ameaças contra jornalistas, especialmente após as manifestações de extremistas contrários ao movimento Black Lives Matter (BLM), com ataques contra fotógrafos e equipes que cobriam os eventos
O relatório destaca depoimentos de jornalistas atacados pelos extremistas. Ed Clowes, repórter do The Telegraph que foi agarrado por um manifestante que tentou arrancar seu crachá, disse que “nunca tinha visto um protesto tão hostil à imprensa”.
Ben Abbiss, repórter do Leeds Live, foi perseguido por um grupo durante uma dessas manifestações. Depois de ameaçado de ser chutado escada abaixo, derramaram cerveja sobre ele, que teve que ser escoltado pela polícia. Sua colega Susie Beever foi ameaçada de ter de pagar “o preço final” por cobrir um dos protestos para o site.
O estudo ressalta uma pesquisa realizada por Samantha Harman, editora do Newsquest Oxfordshire, a respeito de abuso online relacionado ao trabalho de jornalistas de veículos regionais: ela mostrou que 89% já foram assediados pelo Facebook, 80% em seus próprios sites e 67% no Twitter.
Extremistas buscam a fama atacando jornalistas
O relatório chama a atenção para a atuação de extremistas que se tornaram conhecidos por atacar jornalistas. Os casos mais notórios são os de Tommy Robinson e James Goddard.
James Goddard ficou famoso depois de perseguir a ex-parlamentar anti-Brexit Anna Soubry, chamando-a de nazista e traidora. Ele já tinha um longo histórico de ataques e ameaças contra a imprensa antes de ser condenado em novembro. Em junho de 2019, foi considerado culpado pela agressão contra um fotógrafo, além de ameaçar matá-lo: “Quando não houver polícia por aqui, vou arrancar sua cabeça”.
Tommy Robinson, cujo nome verdadeiro é Stephen Yaxley-Lennon, ficou famoso por transmitir com seu celular uma sessão de julgamento que não era aberta ao público. Foi indiciado e seus seguidores passaram a agredir a imprensa que cobria o seu processo, incluindo uma equipe da BBC.
Em maio do ano passado, uma repórter do The Mail, de Barrow-in-Furness, teve que ser colocada sob proteção policial depois de receber mais de 100 ameaças de morte de apoiadores de Robinson por ter publicado denúncias sobre a atuação do grupo na cidade.
Na semana passada, Robinson foi preso e recebeu uma ordem judicial de afastar-se da jornalista Lizzie Dearden, do Independent, ao ameaçá-la e a seu companheiro diante da casa onde moram. O extremista fez um escândalo, tentando entrar à força e acusando o companheiro da jornalista de pedófilo diante da vizinhança. O motivo foram matérias feitas pela jornalista denunciando o uso indevido de doações por parte do ativista.
No exemplo mais recente citado pelo relatório, e talvez o mais sombrio, em fevereiro deste ano pichações sinistras apareceram em vários locais ao leste de Belfast, destacando o nome da premiada repórter policial Patricia Devlin ao lado de uma cruz.
Sobre o caso, Martin Bright, chefe de conteúdo da Index On Censorship, que conhece Devlin, disse:
“Achamos que a situação dos jornalistas na Irlanda do Norte é uma preocupação real, que parece estar piorando. Os jornalistas estão sendo alvos diretos de uma forma até agora nunca vista, nem nos períodos políticos mais conturbados. E já vimos a morte da jornalista Lyra McKee, assassinada por republicanos dissidentes”.
Michelle Stanistreet, secretária-geral do Sindicato Nacional de Jornalistas, diz que a polarização cada vez maior da política britânica está levando ao “aumento coordenado de extremismo violento contra jornalistas e trabalhadores da mídia”. Ela renovou o alerta feito pelo Sindicato em 2019, que pediu uma abordagem mais eficiente dos órgão de segurança para lidar com os ataques cada vez mais frequentes a jornalistas por parte dos ativistas de extrema-direita.
Terrorismo nazista e adolescentes
O trabalho diagnosticou também que ameaça do terrorismo nazista vem crescendo e envolvendo cada vez mais adolescentes: só no ano passado, 12 jovens foram condenadas no Reino Unido.
E aponta uma tendência, ainda pequena mas preocupante, de grupos de adolescentes nazistas, que promovem ativamente o terrorismo. Um exemplo citado foi o Movimento Partidário Nacional, com 70 membros espalhados por 13 países e liderado por um garoto de 15 anos.
Retorno do nacionalismo racial como reação ao Black Lives Matter
A pandemia deu margem à propagação do racismo, com uma onda de preconceito e violência contra chineses, diz o relatório. A entidade acredita que as restrições às viagens para conter a propagação do vírus também deram oportunidade a dezenas de protestos contra imigrantes.
Para avaliar a extensão do racismo enfrentado por pessoas de comunidades negras, asiáticas e de minorias étnicas (BAME) no Reino Unido, a Hope not Hate encomendou uma pesquisa exclusiva, que mostrou que 45% dos britânicos BAME disseram ter sofrido ou testemunhado algum tipo de abuso relacionado à questão racial.
Esperança e combate às causas que alimentam o extremismo
O relatório alerta que não basta criminalizar os extremistas e negar-lhes o acesso às plataformas online. Da mesma forma, os autores explicam que leis mais rígidas e uma maior fiscalização não podem ser a base principal do combate ao extremismo:
“O foco excessivo em uma abordagem legalizadora pode influenciar a ‘cultura do cancelamento’ e a narrativa da ‘polícia do pensamento’, que já são tão persuasivas na mentalidade extremista”, explica o CEO Nick Lowles.
Da mesma forma que existem vários motivos que levam as pessoas ao extremismo, os pesquisadores dizem que há várias maneiras de combatê-lo, e que o ideal é uma combinação de várias delas, conforme esclarece Lowles:
“Alguns casos exigirão intervenção legal, mas as maneiras mais eficientes são a abordagem das preocupações e queixas (reais ou imaginárias) que dão oxigênio ao extremismo, o esclarecimento da desinformação e das conspirações que azedam o cenário político e a diminuição da polarização da sociedade.”
Lowles enfatiza que a esperança deve estar no centro de qualquer estratégia contra o extremismo, daí o nome e a razão de ser de sua própria organização:
“Temos que disseminar a esperança e a visão de que o ódio pode ser substituído por algo melhor. Afinal, é a falta de esperança que torna tantas pessoas tão suscetíveis ao discurso de ódio.”