Veio da Suécia o mais novo alerta sobre os riscos da desinformação nas redes sociais. Na apresentação de um novo estudo científico publicado pela Royal Swedish Academy of Science sobre as mudanças climáticas, um grupo de pesquisadores afirmou que que as medidas necessárias para criar um planeta mais saudável e resiliente serão difíceis de aplicar se as fake news sobre clima continuarem a proliferar nas redes. 

Um dos autores, Owen Gaffney, do Stockholm Resilience Center, acredita que a desinformação tem até o potencial de afetar a cooperação internacional necessária para travar o aquecimento global: 

“As mídias sociais transformaram-se em um ambiente tóxico, tornando difícil distinguir os fatos da ficção.

Um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta hoje é a incapacidade de separar o que é falso do que é verdadeiro.

 Isso está enfraquecendo a democracia, que por sua vez é necessária para salvar o planeta no longo prazo”. 

Carl Folke (Foto: Wikipedia)

A opinião foi endossada pelo principal autor do relatório, o professor Carl Folke, diretor do Instituto Beijer de Economia Ambiental, na Universidade de Estocolmo. 

 “Os progressos sobre o clima estão em curso. As grandes potências têm se comprometido com ações para enfrentar as ameaças ambientais. Mas as mídias sociais causam uma inútil polarização de visões. Precisamos resolver isso. ”

Mídias sociais tornaram-se barreira à solução do problema

A dificuldade de acesso a conhecimento confiável, agravado pelas fake news disseminadas pelas mídias sociais são destacados como barreiras ao progresso por outro dos autores, Victor Galaz, vice-diretor do Stockholm Resilience Center.

“À medida que a pressão das atividades humanas se acelera na Terra, também aumenta a esperança de que tecnologias como a inteligência artificial possam nos ajudar a lidar com mudanças climáticas e ambientais perigosas. Mas isso só vai acontecer se agirmos com força para redirecionar a mudança tecnológica para a melhor gestão dos recursos do planeta e para a inovação responsável.”

O estudo foi publicado na segunda-feira (22/3) no periódico científico Amber, da Academia de Ciências da Suécia, como parte dos preparativos para a primeira Cúpula de Clima do Prêmio Nobel, que será realizada em abril.

Programada para ocorrer em Washington no ano passado, a reunião foi adiada por causa da Covid-19. Reunirá cientistas que receberam o Prêmio Nobel e personalidades globais engajadas nas questões ambientais, como o americano Al Gore, que foi vice-presidente dos Estados Unidos 

O papel das mídias sociais na mudança social 

No extenso trabalho, os autores descrevem o impacto da ação humana sobre o meio ambiente. E indicam as várias formas de reduzir os efeitos da mudança climática, a perda de biodiversidade e as desigualdades, sugerindo como novas tecnologias podem ajudar a salvar o planeta.

Um dos capítulos  é dedicado aos efeitos − positivos e negativos − das mídias sociais e de tecnologias como inteligência artificial nesse esforço. 

Os pesquisadores acham que até agora essas evoluções tecnológicas não vêm auxiliando a promoção da sustentabilidade global, salientando sua disseminação “cada vez mais abrangente, ambígua e amplamente não regulamentada”. 

Foto: Georgia de Lotz/Unsplash

“As redes sociais online são sistemas dinâmicos que mudam como resultado de inúmeros feedbacks entre pessoas e máquinas. 

Os algoritmos sugerem conexões, às quais os usuários respondem. E os algoritmos, treinados para otimizar a experiência do usuário, adaptam-se às respostas. Juntos, essas interações e processos alteram quais informações as pessoas recebem e como veem o mundo”. 

Esperança no apoio da inteligência artificial

Os autores acreditam que novas tecnologias como a inteligência artificial têm o potencial de aprimorar a gestão de recursos naturais e favorecer intervenções favoráveis. Mas observam:

“Essa questão precisa ser levada a sério, pois essas tecnologias influenciam as decisões, gerando consequências climáticas com efeitos prolongados”.

Quanto às mídias sociais, os pesquisadores não são essencialmente contrários. Eles destacam o papel central delas ao influenciar atitudes, sentimentos e comportamentos individuais. E também no estímulo à mobilização e ao engajamento em protestos que determinam novos hábitos e formulação de políticas: 

“As mídias sociais mudam nossa percepção do mundo, despertando um sentimento de crise e injustiça. Por elas, grupos de ativistas buscam obter apoio, enquanto movimentos de estilo de vida inspiram escolhas alternativas.  

Elas catalisaram a primavera árabe, ao retratar as atrocidades dos regimes autoritários na região. E o veganismo é promovido por campanhas de mídia social que expõem a situação do bem-estar animal”. 

Foto: Fred Moon/Unsplash
Iniciativas elogiadas

Outros exemplos citados são as greves escolares − iniciadas pela sueca Greta Thumberg −, o grupo Extinction Rebellion, as campanhas contra o uso de aviões e em favor do consumo local e as plataformas de trocas de produtos usados.

São iniciativas estimuladas pelas redes sociais e vistas pelos autores como relevantes, por desencadearem reformas em direção à sustentabilidade e à redução da desigualdade. 

Porém, além da desinformação, eles chamam a atenção para o risco de o discurso ambiental assumir um tom excessivamente negativo: 

“É sabido que alertas catastróficos podem podem levar à desconexão do público se não forem acompanhados por uma perspectiva viável de ação”.

Perigo do isolacionismo

O estudo aponta o perigo do “isolacionismo estimulado pelo descontentamento impulsionado pela mídia social, capaz de dificultar a cooperação global necessária para conter o aquecimento global, a perda de biodiversidade e a concentração de riqueza”. 

“A expansão das mídias sociais e de tecnologias como bots e perfis foi explosiva, tornando difícil para a sociedade acompanhar o ritmo.  A checagem de fatos coletados pode ser combinada com análises e julgamentos assistidos por computador, rotulando a qualidade de fontes de mídia que vão de fóruns da internet a jornais e estações de televisão”.

Os autores acham que com o tempo, essas abordagens, juntamente com novas leis, acordos de boas práticas e a conscientização maior do público para julgar a qualidade das fontes podem neutralizar alguns dos efeitos colaterais negativos das plataformas digitais. 

Mas levantam dúvidas sobre se o que chamam de “nova mão invisível” que moverá o mundo por caminhos mais sustentáveis: 

“Será que a capacidade global e rápida de compartilhamento de informações e geração de conhecimento por meio das mídias sociais pode ajudar a nos levar a um mundo justo, no qual as gerações futuras prosperem dentro dos limites da capacidade do nosso planeta?”

Homem já alterou 75% das terras sem gelo 

O relatório Nosso Futuro na Biosfera do Antropoceno traça um abrangente panorama de como os impactos das mudanças climáticas estão atingindo as pessoas com mais força e mais cedo do que se previa há apenas uma década. E sustenta que “ajustes modestos” em práticas industriais e agrícolas atuais serão insuficientes.

“Mudanças transformadoras agora são necessárias”, dizem os pesquisadores, demonstrando a escala do desafio.

Há trezentos anos, havia 1 bilhão de pessoas no planeta. No final deste século, esse número se aproximará de 10 bilhões ou possivelmente o ultrapassará. Como resultado desse aumento dramático, a totalidade dos seres humanos vivos hoje, mais o gado que nos fornece alimentos, representam 96% do peso total de todos os mamíferos da Terra. Os 4% residuais são compostos pelos animais selvagens remanescentes do planeta”. 

Os autores lembram que não há lugar no mundo que não tenha sido tocado pelo homem, com exemplos que incluem até a Covid-19: 

  • Três quartos de todas as terras sem gelo da Terra foram alteradas diretamente pelos humanos. 
  • A cada oito dias, construímos o equivalente a uma cidade do tamanho de Nova York. 
  • Simplificamos as paisagens para garantir que forneçam o máximo de benefícios econômicos, o que acaba por corroer a resiliência da biosfera. Um dos resultados é o surgimento de novos patógenos, como o causador da Covid-19.
Foto: William Bossen/Unsplash

“Em uma única geração, principalmente  desde a década de 1950, simplificamos grosseiramente a biosfera, um sistema que evoluiu ao longo de 3,8 bilhões de anos. Agora, apenas algumas plantas e animais dominam a terra e os oceanos”, disse o principal autor, Carl Folke. “Nossas ações estão tornando a biosfera mais frágil, menos resiliente e mais sujeita a choques do que antes”. 

Os anos relativamente frios que constituem a época do Holoceno, que começou há 11.700 anos, foram agora substituídos pelo Antropoceno, uma época em que a humanidade é o principal motor dos eventos ecológicos. Ao mesmo tempo, o aquecimento global está provocando ondas de calor, secas, tempestades, inundações e incêndios florestais sem precedentes.