Depois que Trump perdeu a eleição e mostrou-se incapaz de derrotar a cabala mundial de pedófilos adoradores de Satanás no Dia do Grande Despertar, o QAnon vem perdendo força nos Estados Unidos e no resto do mundo.

Mas como já ensinava Lavoisier, também no mundo das teorias da conspiração tudo se transforma: no lugar de Trump, surge a figura messiânica de Sabmyk, que se apresenta como o governante predestinado da Terra e vem conquistando cada vez mais seguidores com suas postagens no Telegram emulando e reciclando o QAnon.  

O alerta foi feito pela organização britânica Hope Not Hate, dedicada a combater extremismo e discurso de ódio. A entidade fez uma investigação e publicou um relatório sobre a nova teoria. 

A filosofia não tem pé nem cabeça, mas como já demonstrou sua teoria precedente, isso não importa. Quando o QAnon surgiu com suas bizarrices na rede 4chan, ninguém imaginava do que o movimento seria capaz apenas três anos depois, incluindo a tomada do Capitólio.

Do que pode ser capaz nos próximos anos Sabmyk, que tem a força de sua poderosa espada mágica Shawunawaz? Num mundo em que um cientista como Lavoisier perdeu a cabeça na guilhotina e Sabmyk e Q, líder anônimo do QAnon, são endeusados, é bom estar atento às novas conspirações que surgem. 

Crescimento desde de janeiro baseado no Telegram e na reciclagem das teorias do QAnon 

Com o cerco ao QAnon e teorias da conspiração menos cotadas promovido pelas plataformas das “Big Techs” como Facebook, Twitter e YouTube, seus adeptos foram forçados a se dispersar nas plataformas “alt-tech” não moderadas, como o aplicativo de mensagens Telegram, o Twitter clone Gab e o site de hospedagem de vídeos BitChute, diz o relatório da Hope Not Hate. 

E foi justamente no Telegram que a turbulência na comunidade QAnon passou a ser explorada por uma nova rede, formada por mais de 100 canais criados na plataforma desde o início de janeiro. Juntos, os canais coordenados já atingiram globalmente um total combinado de mais de 1 milhão de assinantes.

O duplo X como símbolo

Assim como a logomarca do QAnon é a letra Q, a Sabmyk adota a letra X dobrada como seu símbolo. E recicla sem constrangimento as teorias do QAnon, como o ceticismo quanto ao uso de máscaras, conspirações antivacinas e afirmações de que a eleição de 2020 nos Estados Unidos teria sido fraudada, mas na verdade o apelo é um disfarce: o verdadeiro propósito dos canais é promover a mitologia messiânica de Sabmyk e a espada de Shawunuwaz.

Em sua essência, Sabmyk é uma releitura do QAnon, com a troca do herói Trump, devido à sua derrota nas urnas. A nova crença messiânica acredita que o salvador Sabmyk empunhará uma espada de Shawunawaz que já foi propriedade dos “Reis Orion da Atlântida” e liderará um “despertar” contra uma cabala não especificada de celebridades, cientistas, banqueiros e proprietários de empresas que estariam manipulando o público em geral.

E da mesma forma que a identidade do líder “Q” do QAnon mantém-se anônima até hoje, a liderança da Sabmyk também não se revelou, segundo a Hope Not Hate. Desde seu surgimento, tem havido especulação generalizada sobre quem poderia ser essa figura.

A princesa Achaemenes 

Embora o boom da nova teoria conspiratória esteja acontecendo este ano, a entidade mapeou que os dois sites que deram origem à narrativa e a série de páginas interligadas do Facebook promovendo essas fábulas foram todos estabelecidos no início do ano passado, embora nenhum desses materiais tenha recebido muita atenção na época.

A narrativa, uma mistura de mitologia antiga, espiritualidade da Nova Era e alguns elementos inteiramente novos, surgiu pela primeira vez no site de uma suposta artista iraniana que viveria na Alemanha e atenderia pelo nome de princesa Ameli Achaemenes.

O site afirma que ela seria descendente da realeza persa e teria recebido a ancestral Espada de Shawunawaz, que teria pertencido a seus ancestrais, do investidor bilionário George Soros em 1992, como presente por uma noite com ela, recompensada também com uma grande soma em dinheiro. Esse conto é apresentado na seção de biografias do site, junto com outros elementos fantásticos de sua história de vida. A princesa teria decidido destruir a espada para que não ferisse mais ninguém. Seus minúsculos pedaços teriam sido encapsulados, incorporados às suas pinturas e espalhados pelo mundo.

A única foto que aparece no site e nos perfis de mídia social relacionados mostra uma mulher totalmente coberta por uma burka, com luvas e bolsa que mais parecem a da Minnie. Pelo menos uma conta que interagiu com ela no Twitter em julho de 2020 parece ter sido criada para esse fim, com uma conta do Facebook correspondente criada no mesmo dia.

A Espada de Shawunawaz

O estudo da ONG observa que o site Shawunawaz afirma ser mantido por uma organização chamada Sociedade Shawunawaz e lista um endereço em Baden Baden, na Alemanha, mas não tem presença visível em nenhum outro lugar. Os sites e páginas do Facebook apresentam supostos esboços e referências à espada de figuras históricas proeminentes como Picasso e Heráclito, todos falsificados.

Em dezembro surge a figura de Sabmyk, o governante da Terra

A nova teoria só começou a receber exposição em dezembro de 2020, quando a operação mudou para o Telegram. A essa altura, a narrativa da Espada de Shawunawaz conforme detalhada no site da princesa já tinha sido alterada com a adição de uma figura messiânica chamada Sabmyk, que se afirma ser o governante predestinado da Terra e cuja data de nascimento inventada seria a de 21 de dezembro.

A data teria sido profetizada pelo Noé da Bíblia, ao dizer que o “governante dos governantes” e o “profeta dos profetas” se tornariam conscientes em 21 de dezembro de 2020, dia em que Zeus se reuniria com a força primordial e começaria o tempo de Órion.

Os seguidores também afirmam que seu salvador messiânico poderia ser identificado por uma marca específica que identifica os “Reis de Órion”: um sinal na mão direita em forma de anel, geneticamente herdado de seus pais divinos, para torná-lo reconhecível entre todos os outros. E ensina aos adeptos: “Os verdadeiros reis não precisam de um anel. Eles nascem com um anel”.

Desde o final de dezembro, a norte-americana Newsweek contabilizou o surgimento de mais de 136 canais em inglês, alemão, japonês, coreano e italiano, adicionando dezenas de milhares de seguidores diariamente.

A maioria dos novos canais visa claramente a atrair a comunidade QAnon deslocada e tem nomes de figuras populares na comunidade ou de temas como o Great Awakening, uma alusão ao dia de ajuste de contas liderado por Trump ou o WWG1WGA (acrônimo de “onde vamos um, vamos todos”) usado pelos adeptos do movimento.

Alguns dos canais são direcionados a diferentes grupos ideológicos, como cristãos evangélicos ou entusiastas de OVNIs, enquanto outros assumem nomes de veículos de comunicação fictícios, como “Chicago Reporter” ou “London Post”. Três dos canais postam principalmente em alemão, enquanto os canais marcados como espanhol, francês e italiano contêm apenas postagens em inglês.

Postagens vistas mais de 200 mil vezes

A estratégia de usar títulos enganosos provou-se notavelmente bem-sucedida em expor essas alegações a um público mais amplo, acredita a ONG. 

Por meio de compartilhamentos frequentes na rede, algumas postagens do Telegram referentes a Sabmyk e à Espada de Shawunawaz foram vistas mais de 200.000 vezes.

Os 12 generais de Sabmyk

A entidade salientou que postagens mais recentes sobre Sabmyk foram assumindo cada vez mais um tom militar, com quatro novos canais postando mensagens de um dos “12 generais de Sabmyk”. Uma postagem recente exortava os seguidores a responder ao impeachment de Trump, atacando seus acusadores:

Rede vem ganhando mais de 40 mil seguidores por dia  

Num período de observação de 48 horas realizado pela ONG britânica, a rede como um todo conseguiu atrair um total de 81.000 novos assinantes. Os canais são configurados em lotes, às vezes até nove configurados em um único dia. Cada um é adaptado para apelar a comunidades específicas, enquanto promove sua nova narrativa quase religiosa.

O maior dos canais da rede, ostensivamente reciclando conteúdo QAnon, tem 125.000 assinantes, Apesar da variedade de nomes, os canais apresentam conteúdo quase idêntico. Cada um produz apenas um pequeno número de postagens exclusivas, geralmente conteúdo QAnon ou antivacinas, obtido de outras plataformas e postado sem crédito. No entanto, apesar da falta de postagens originais, cada canal dá a aparência de ser altamente ativo, repostando até sessenta postagens de outros canais da rede por dia.

Alguns canais são projetados para recrutar adeptos de cada país. No Reino Unido, em 27 de janeiro de 2021, os pesquisadores da Hope not Hate identificaram um novo canal denominado “British Patriots Party”. Usando o logotipo do Britain First, pretende representar o grupo anti-muçulmano de extrema direita britânica, mas é amplamente preenchido com conteúdo não relacionado retirado das mídias sociais regulares do QAnon. 

Os primeiros passos fora do Telegram

Há evidências limitadas de que a narrativa está pegando fora da rede. Postagens de mídia social referindo-se a Sabmyk são frequentemente indagações confusas sobre qual seria o significado da palavra. Mas os pesquisadores da Hope not Hate já identificaram um número crescente de postagens no Facebook e no Twitter endossando o conceito, em contas que parecem genuínas.

Artista de Berlim identificado por cicatrizes no braço seria o criador da rede

Esta semana, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, a Hope Not Hate desmascarou o líder da Sabmyk, que seria o negociante de arte alemão Sebastian Bieniek, autor do livro RealFake, publicado em 2011. A ONG afirma que Bieniek tem um histórico de criação de conspirações online, já inventou inúmeras identidades falsas para promover sua carreira como artista e que sua página da Wikipedia já foi excluída pelo menos quatro vezes, a última delas em janeiro.

Entre as pistas usadas para identificar Bieniek estão postagens que dizem que o messias Sabmyk poderia ser identificado por marcas específicas em seu corpo. Uma postagem afirmava que Sabmyk teria “17 cicatrizes em forma de V” em seu braço, o resultado de uma “cerimônia profética aos 24 anos”.

Para identificar Bieniek, os pesquisadores da Hope Not Hate encontraram uma seção excluída no site do artista. O material falava de uma performance feita pelo artista durante uma exposição em 1999 na qual Bieniek, aos 24 anos, cortou feridas em forma de V em seu braço por 16 dias consecutivos.

Sucesso da rede mostra potencial de ameaça das teorias de conspiração

Os pesquisadores da Hope not Hate alertam que o sucesso da Sabmyk serve como um lembrete gritante do potencial de disseminação das teorias da conspiração turbinadas por redes sociais não moderadas, o que representa uma mina de ouro para aqueles que pretendem explorá-las, sejam eles ideólogos excêntricos ou atores de má-fé. Gregory Davis, da Hope Not Hate, é taxativo:

“O sucesso da Sabmyk em arrebanhar um público tão grande em tão pouco tempo é um alerta de que o modelo QAnon de manipulação online anônima continuará a representar uma das maiores ameaças nos anos que estão por vir”.