Com o objetivo de alcançar uma decisão com repercussão global, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) apresentou queixa nessa terça-feira (23/3) à Promotoria Pública de Paris contra o Facebook, endereçada contra as operações da empresa na França e na Irlanda.
A denúncia é baseada em “práticas comerciais enganosas”, caracterizadas pela contradição entre os compromissos assumidos pela rede social perante seus consumidores e a realidade do seu funcionamento, que permite a proliferação da desinformação da Covid-19 e do discurso de ódio, especialmente contra jornalistas. O Facebook tem 38 milhões de consumidores na França, dos quais 24 milhões de usuários únicos diários.
Em comunicado, a RSF explica que o objetivo é denunciar essa prática da empresa em escala global, e que a escolha da França para o registro da queixa deve-se à sua legislação de direitos do consumidor que se aplica particularmente ao caso.
Como os termos de serviço do Facebook são os mesmos em todo o planeta, uma decisão judicial na França sobre sua natureza enganosa acarretaria um impacto global. A RSF informa que está estudando o registro de queixas semelhantes em outros países.
Na mesma semana, uma matéria do jornal britânico The Guardian revelou que a política de moderação de conteúdo permite ataques a figuras públicas, incluindo jornalistas.
Emmanuel Colombié, Diretor da RSF para a América Latina, reconhece que o Facebook sabe demonstrar uma grande capacidade de resistência. Mas acredita que desta vez a reclamação pode contribuir para uma mudança.
Ele observa que esta é a primeira vez que uma reclamação é feita contra a empresa com base no direito penal do consumidor. E que o crime pode ser punido com multa de até 10% do faturamento médio anual, além da pena de prisão. “É um forte apelo à ação”, diz Colombié.
“As obrigações assumidas pelo Facebook para com seus usuários são as mesmas em todo o mundo. A condenação em um país, neste caso a França, provavelmente ocorreria na Europa, mas também em qualquer país que também esteja preocupado com a proteção d
O Facebook está sendo convidado a implantar os meios necessários para produzir os resultados prometidos a seus usuários em um ambiente seguro, protegido e livre de erros. Esta é uma meta alcançável”.
Discurso não é coerente com o que o Facebook faz na prática, acusa RSF
Usando quatro relatórios judiciais, análises de especialistas e depoimentos pessoais de ex-funcionários do Facebook, o processo mostra que a “empresa permite que a desinformação e o discurso de ódio floresçam, ao contrário das alegações feitas em seus termos de serviço e por meio de seus anúncios”, afirma a organização.
Também foi anexado um relatório do German Marshall Fund (GMF) que mostra que durante o último trimestre de 2020 1,2 bilhões de interações com sites enganosos foram registradas no Facebook. Outro estudo, publicado em 2020, mostra que o Facebook foi apontado como a “menos segura das principais plataformas”.
Desrespeito aos termos gerais de uso e à promessa de campanha publicitária
A RSF alega na ação que nos seus termos gerais de uso o Facebook se compromete a exercer a devida diligência “para manter um ambiente seguro e livre de erros”. A empresa se compromete a proibir o compartilhamento de “qualquer coisa ilegal ou enganosa”. Segundo os padrões da comunidade, que especificam as modalidades de aplicação dos termos de uso, o Facebook se compromete a “reduzir significativamente a disseminação de informações falsas”.
No processo também foi anexada uma campanha publicitária divulgada pelo Facebook na imprensa francesa no início deste ano. Nos anúncios, o Facebook orgulha-se de agir para oferecer “informações precisas em tempo real, para melhor combater a pandemia” e afirma que colabora com governos e organizações internacionais “para compartilhar informações confiáveis sobre a Covid-19”.
Provas de incitação de ataques a jornalistas
Em termos de luta contra o ódio online, a RSF fornece dois relatórios judiciais (um com 80 e outro com 73 páginas). O primeiro diz respeito à página do Charlie Hebdono Facebook, em particular quanto à postagem referente à edição “Tout ça pour ça”, de setembro de 2020 (durante a abertura do processo relativo aos atentados de janeiro de 2015). Na postagem são apontadas dezenas de comentários insultando, ameaçando ou pedindo violência contra o jornal e sua equipe.
O segundo relatório trata de comentários de ódio e ameaças dirigidos a jornalistas do programa de TV Quotidien e do jornal L’Union, o qual atestou em documento a violência que seus jornalistas enfrentam regularmente devido ao Facebook, incluindo a agressão a um de seus fotógrafos em fevereiro deste ano.
Evidências da disseminação de desinformação
No processo, a RSF apresenta também outros dois relatórios judiciais que mostram como é fácil acessar na plataforma uma vasta gama de desinformação sobre a Covid não rotulada como tal pelo Facebook. Os relatórios foram preparados em dezembro de 2020 e juntos contêm mais de 564 páginas repletas de exemplos, como as cinco postagens do vídeo conspiracionista Hold-up, com mais de 4,5 milhões de vizualizações em dois meses.
Também são apresentadas postagens veiculando as falsidades do filme Manigances-19 destacadas pela agência France-Presse e que foram vistas quase 4 mil vezes por dia, em média, durante dois meses. Outro exemplo apresentado na queixa é o de uma postagem que contém um link para um vídeo intitulado “Claire Edwards, membro da ONU, denuncia o genocídio planejado da Covid-19”, que foi visualizado por quase 400 mil usuários.
Facebook da França não comenta o caso
A operação do Facebook na França recusou-se a comentar o processo, mas disse à Reuters que tem tolerância zero para conteúdo nocivo e está investindo para combater o discurso de ódio e a desinformação.