Para quem acha que a desinformação afeta a saúde mental, o príncipe Harry conseguiu unir as duas causas em seus novos cargos revelados esta semana. Depois de nomeado diretor de Impacto da consultoria de coaching BetterUp, onde irá dedicar-se a promover temas relacionados ao equilíbrio emocional, ele foi anunciado como um dos membros da Comissão de Desordem da Informação criada pela entidade. 

Fazem parte do grupo um time de notáveis em várias áreas, com expertise suficiente para olhar o problema da desinformação sobre diversos ângulos. 

O objetivo do think tank americano é ambicioso: examinar   como atenção especial para os fatos envolvendo as eleições americanas de 2020, a segurança das vacinas, as ameaças estatais e privadas e os riscos para as minorias raciais. A partir do diagnóstico, o Comitê vai propor soluções que incluem políticas públicas e  mecanismos regulatórios.

Com Harry engajado, grandes são as chances de uma visibilidade ainda maior para um problema que afeta o mundo inteiro, e não apenas famosos como ele.

Sua presença pode ajudar a também a fazer com que as propostas envolvam a mídia tradicional, já que os tabloides sensacionalistas britânicos são alvos frequentes da metralhadora giratória do duque de Sussex e de sua mulher, Meghan Markle. 

No statement em que comentou sobre a iniciativa, Harry destacou os males da desinformação:

“O mundo digital nos inundou com uma avalanche de desinformação, afetando a capacidade dos indivíduos e da sociedade de pensar com clareza e compreender verdadeiramente o mundo em que vivemos. Acredito que esta é uma questão humanitária, exigindo uma resposta das várias partes interessadas”.

Embora a participação de uma das maiores celebridades globais do momento na comissão tenha dominado o noticiário sobre a iniciativa, Harry não é o único notável a fazer parte dela. O Aspen reuniu nomes de peso em diversas áreas, como mídia, cibersegurança e diversidade, que durante seis meses vão examinar o problema das fake news e formular propostas para resolvê-lo. 

Entre os membros do comitê estão nomes como o do enxadrista Garry Kasparov e Kathryn Murdoch, casada com um dos filhos do magnata da mídia Rupert Murdoch, James, que em janeiro deste ano rompeu com o pai por discordar de sua visão sobre a crise ambiental.

Um dos três copresidentes é um destacado líder na luta contra o racismo nos Estados Unidos, Rashad Robinson. Para ele, a crise da informação também é uma questão de justiça racial:

“Abordar essa crise requer não apenas uma compreensão de como ela afeta as comunidades marginalizadas, mas um compromisso com a mudança sistêmica e o redesenho das regras que as têm prejudicado por muito tempo.

“Mas a desinformação e a proliferação de grupos de ódio online não afetam apenas os negros e as minorias raciais, como vimos nas eleições de 2020 e na Covid-19.

Precisamos de corporações, governo e agências regulatórias unidos para proteger os direitos civis em todas as principais plataformas de tecnologia e tornar o cenário digital um lugar mais seguro para todas as comunidades”.

O Aspen Institute

Pelos nomes envolvidos na iniciativa e pela relevância do think thank por ela responsável, podem-se esperar proposições sólidas e bem fundamentadas, capazes de causar real impacto no combate à desinformação.

Com sede em Washington, o Aspen Institute é uma organização sem fins lucrativos que se propõe a promover a justiça social. Foi criado em 1949, inicialmente como um fórum literário, por iniciativa do empresário Walter Paepke.

Um de seus programas é o Aspen Digital, destinado a capacitar formuladores de políticas, organizações, empresas e o público a administrarem melhor os recursos de tecnologia e mídia. Seus projetos tratam de questões globais como segurança cibernética, ecossistema de informações, tecnologias emergentes e políticas públicas relacionadas ao mundo digital.

A apresentação do programa salienta que “atores estatais e não estatais estão minando a confiança e semeando a discórdia na sociedade civil e nas instituições democráticas modernas, espalhando ou encorajando o compartilhamento de informações falsas em plataformas de mídia tradicionais e não tradicionais”. E que governos, indústria de mídia, academia e setor público estão lutando para entender as funções e responsabilidades de combater atividades mal-intencionadas ou prejudiciais.

A Comissão de Desordem de Informação é parte do Aspen Digital e será hospedada por ele, com investimento de US$ 3,5 milhões. Está sendo inteiramente financiada pela Craig Newmark Philanthropies, criada por Craig Newmark, fundador da plataforma de anúncios classificados Craiglist. O empresário integra o Cyber Group do Aspen. 

O trabalho será copresidido por três importantes figuras públicas, com perspectivas diferentes sobre a questão. Um deles é Rashad Robinson, presidente da ONG Color of Change, entre cujas atividades está o combate ao racismo em meios digitais.

Outra é a premiada jornalista Katie Couric, autora de best-sellers e cofundadora da ONG Stand Up To Cancer. Foi a primeira mulher a ancorar sozinha um noticiário de TV noturno, na CBS, em 2006.

Couric chama o momento atual de “decadência da verdade” e vê riscos para a confiança no jornalismo:

“No cenário atual da mídia, os consumidores enfrentam uma enxurrada constante de conteúdo que reforça seus pontos de vista estabelecidos. Alimentadas por algoritmos e ideologias compartilhadas, as pessoas costumam obter afirmações em vez de informações, com fatos manipulados ou completamente ignorados.

“Essa ‘decadência da verdade’ é uma tremenda ameaça, não apenas para um público bem informado, mas para a própria democracia. Com os comentários substituindo cada vez mais as reportagens, a polarização se aprofundou e a confiança na mídia diminuiu”.

O terceiro é o especialista em cibersegurança Chris Krebs, fundador da Agência de Segurança de Infraestrutura e Segurança Cibernética do Senado americano. Ele supervisionou a segurança das eleições e liderou um trabalho de combate à desinformação no período de campanha eleitoral.  Krebs salientou a ameaça da desinformação para a democracia:

“Essa crise de informação mina a confiança em nossas instituições democráticas e atinge os alicerces da sociedade. Atores estatais e não estatais estão colocando cunhas no que seriam diferenças normais de opinião e criando abismos desestabilizadores na confiança pública.

 Isso exige uma abordagem multifacetada de toda a sociedade para interromper o fornecimento de informações tóxicas e, ao mesmo tempo, compreender e abordar os fatores que estão impulsionando a demanda por desinformação e desinformação ”.

Como vai funcionar

Os trabalhos começam em abril e vão durar seis meses, com reuniões regulares dos membros da Comissão. Serão também promovidos briefings com especialistas para entender o escopo do problema e identificar as lacunas na capacidade do governo, das plataformas tecnológicas e da sociedade civil de abordar o chamado “distúrbio de informação”. 

Os encontros cobrirão temas como a história das fake news, a ascensão e a ameaça atual de desinformação, a interseção de desinformação e comunidades marginalizadas, o desafio da educação cívica e alfabetização midiática, o declínio social da confiança nas instituições, a Primeira Emenda e os efeitos da Seção 230 sobre a informação e campanhas de desinformação contra a mídia e empresas privadas.

Além disso, a Comissão estabelecerá um Comitê Consultivo em Tecnologia para fornecer aconselhamento especializado e consulta aos membros durante o curso de suas deliberações.

Em dois meses, será publicado um relatório inicial contendo um panorama da desordem de informação e apontando áreas críticas a serem endereçadas com urgência. 

Em seguida serão formados grupos de trabalho para formular propostas em quatro eixos:

  • As soluções políticas mais eficazes para lidar com as ameaças oferecidas pela desinformação
  • Os meios legais e éticos pelos quais o governo federal norte-americano pode promover informações baseadas em fatos para conter as campanhas de desinformação mais perigosas
  • Como o governo, a iniciativa privada e a sociedade civil podem trabalhar juntos no curto prazo para ajudar a proteger grupos sub-representados e envolver populações insatisfeitas que perderam a fé na realidade baseada em evidências.
  • Os desafios de longo prazo, mais fundamentais, que exigirão um envolvimento profundo da sociedade.

Os membros do comitê são Sue Gordon (ex-diretora adjunta principal da agência de inteligência nacional); os parlamentares Aaron Ford  e Will Hurd; os pesquisadores e acadêmicos Yasmin Green (Jigsaw), Herb Lin (Universidade de Stanford) e Kate Starbird  (Universidade de Washington); os pensadores em tecnologia Safiya Umoja Noble (UCLA Center for Critical Internet Inquiry), Deb Roy (MIT Center for Constructive Communication) e Alex Stamos (Stanford Internet Observatory); os representantes da sociedade civil e de ONGs Jameel Jaffer (Knight First Amendment Institute), Garry Kasparov (Renew Democracy Initiative), Amanda Zamora (The 19th) e personalidades da filantropia. Além de Harry e Kathryn Murdoch, que preside a ONG Quadrivium, faz parte do grupo a presidente da Fundação Skoll Marla Blow.

Chris Krebs chamou a atenção para a necessidade de engajamento da sociedade:

“Todos têm um papel a cumprir, incluindo políticos eleitos, líderes, pesquisadores e executivos. Nosso grupo combina pessoas com pontos de vista diversos e compromisso inabalável com a verdade e com a busca de soluções tangíveis para ajudar a impedir de uma forma significativa e igualitária a disseminação da desinformação.”


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