A já anunciada compra do Tribune Publishing, um dos maiores grupos de mídia dos Estados Unidos, para o fundo de hedge Alden sofreu uma reviravolta. Na última sexta-feira (26/3), um bilionário suíço de 85 anos uniu-se a um empresário americano do ramo hoteleiro  e cada um colocou US$ 100 milhões na mesa para juntos tentarem adquirir a empresa.

Na segunda, outro empresário colocou mais US$ 100 milhões para viabilizar a operação. 

Hansjörg Wyss, que mudou os rumos da negociação já avançada ao entrar no negócio, fez fortuna com a Synthes, uma companhia de equipamentos médicos vendida à Johnson & Johnson por US$ 20 bilhões. Tem uma fundação beneficente com seu nome e é reconhecido pelo engajamento em causas ambientais. Junto com ele na empreitada está Stewart Bainum, presidente da rede de hotéis Choice. 

Bainum já estava em negociações para comprar o Tribune, cujo principal título é o lendário Chicago Tribune, em associação com o Alden. O fundo tem histórico de aquisição de empresas jornalísticas em dificuldades e detém 32% das ações do Tribune. 

Pela ideia inicial, anunciada formalmente há um mês, o empresário ficaria com os dois jornais do grupo em Maryland e com o Baltimore Sun, por US$ 65 milhões, formando uma empresa sem fins lucrativos. 

Mas os dois lados não chegaram a um acordo, levando o presidente da Choice a fazer uma oferta separada, em conjunto com Wyss. Ao comentar sua entrada no negócio,  na semana passada, o bilionário suíço disse: 

Não quero ver outro jornal que tenha a chance de aumentar a quantidade de verdade sendo dita ao povo americano indo pelo ralo’

 

A possibilidade seria um alívio para os jornalistas da casa, que haviam lamentado publicamente a aquisição do Tribune pelo Alden. O grupo jornalístico é avaliado em US$ 650 milhões.

Determinados, os dois empresários sinalizaram até a possibilidade de tomar empréstimos para viabilizar a compra do Tribune, dono de títulos como New York Daily News e Baltimore Sun, além do Chicago Tribune e de uma série de jornais regionais. E também a intenção de atrair investidores para tornar os jornais organizações sem fins lucrativos. 

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O apelo foi atendido na segunda-feira. O Wall Street Journal revelou que Mason Slaine, ex-executivo da indústria de mídia que já foi o terceiro maior acionista da Tribune Publishing, também anunciou a intenção de entrar com  US$ 100 milhões, ao lado do suíço e de Stewart Baiman.

Ele havia adquirido grande parte de sua participação de 8,1% na Tribune Publishing no ano passado, no mercado aberto por menos de US $ 7 por ação. Mas veio se desfazendo dela com lucro. Na quinta-feira passada, vendeu 450.000 ações por US $ 17,26 cada, reduzindo sua participação para 1,26 milhão de ações, ou 3,4% da empresa. 

Em um e-mail ao jornal, Slaine confirmou seu interesse em participar da compra, mas disse que dependia de “diligência e prazos”. E contou que a decisão foi tomada depois de ler as declarações do Wyss na imprensa.

Mas as motivações dos empresários paracem ser diferentes. Menos altruísta, Mason Slaine estaria entrando por ter interesse em comprar os jornais do Tribune na Flórida, segundo o próprio Chicago Tribune.

Ele chegou a fechar em julho passado um acordo com outro acionista do Tribune, o proprietário do Los Angeles Times Patrick Soon-Shiong, que lhe daria 24,6% na Tribune Publishing. Mas a operação não foi aceita pelo conselho.  

“Capitalistas  abutres”

A tentativa de compra do Tribune pelo fundo Alden segue uma tendência dos últimos anos no país, com vários grupos de mídia americanos adquiridos por fundo de hedge e de private equity.  E pode resolver o problema do desaparecimento de jornais regionais nos Estados Unidos.

Mas o Alden não tem boa reputação. Segundo o New York Times, funcionários das publicações administradas pelo Alden por meio de seu braço jornalístico MediaNews Group descreveram o grupo como “capitalistas abutres”.

Eles afirmam que o modelo adotado pela empresa é o de fazer cortes severos para aumentar os lucros, usando como exemplos os casos do The Denver Post e do The San Jose Mercury News. O Alden contesta, afirmando que sem cortes os jornais fechariam. 

Quando se tornou pública a possibilidade de o fundo comprar o Tribune, em 2020, o sindicado de funcionários do jornal chegou a fazer uma campanha para impedir a operação, conclamando empresários a assumirem a empresa.

Hansjörg Wyss disse ao New York Times ter sido inspirado por um artigo publicado no jornal ano passado, assinado pelos repórteres do Chicago Tribune, David Jackson e Gary Marx. Eles afirmaram que a compra do Tribune pelo Alden levaria a “uma versão fantasma do The Chicago Tribune – um jornal que não consegue mais cumprir sua missão essencial de vigilância ”. Os dois deixaram o jornal.

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Até políticos entraram na briga. O democrata Chuck Schumer, líder da maioria no Senado americano, manifestou-se dizendo que a gestão de jornais regionais por fundos de hedge está tendo um impacto negativo na democracia americana. 

Conselho não é favorável 

Mas é cedo para os jornalistas comemorarem a compra do Tribune por Wyss, Bainum e Slaine. O Conselho do grupo recomendou que os acionistas votassem na oferta da Alden.

A justificativa é de que ela seria mais segura para o futuro do grupo. Ao mesmo tempo, deu sinal verde para Stewart Baiman buscar investidores, o que ele fez atraindo Hansjörg Wyss para o negócio.

A aquisição pelo Alden precisa ser aprovada pelo menos dois terços dos acionistas. E o fundo, mesmo sendo acionista, não pode votar. E aí poderia entrar um outro personagem na história: Patrick Soon-Shiong.

O bilionário da indústria farmacêutica,  já dono do Los Angeles Times, detém 24% das ações do Tribune, uma participação que assegura influência na decisão. E se ninguém se entender, o grupo poderia acabar em suas mãos. A operação deve ser concluída até julho. 

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Weyss e seu passado de jornalista 

Hansjörg Wyss não é estranho ao mundo do jornalismo. Ele contou ao New York Times ter feito cobertura de esqui para o Neue Zürcher Zeitung, um jornal de Zurique, e escrito sobre esportes americanos para o Der Bund, um jornal de Berna, quando estava estudando na Harvard Business School.

Wyss, que doou parte de sua fortuna para ajudar na preservação da vida selvagem nos estados americanos de Wyoming, Montana e Maine, disse que estava motivado a se juntar à oferta do Tribune por acreditar na necessidade de uma imprensa robusta.

“Tenho a oportunidade de fazer 500 vezes mais do que estou fazendo agora”, disse ele.

Ele se mostrou determinado a viabilizar a compra do grupo e de tornar o Chicago Tribune sustentável: 

“Talvez eu seja ingênuo, mas acredito que a combinação de investir recursos suficientes em uma equipe profissional para fazer as coisas certas e no processo de digitalização será capaz de torná-lo um jornal muito lucrativo”.

Os jornais que fazem parte do Tribune Publishing são o Chicago Tribune, o The Baltimore Sun, o Courant de Hartford (Connecticut), o Orlando (Flórida) Sentinel, o South Florida Sun Sentinel; o New York Daily News; o Capital Gazette ( Annapolis, Maryland) o The Morning Call em Allentown (Pensilvânia); o Daily Press em Newport (Virginia) e o The Virginian-Pilot em Norfolk (Virginia). 

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