O objetivo era o de promover o lançamento do ID.4, o primeiro carro elétrico da Volkswagen nos Estados Unidos. E a ideia era boa: fazer uma pegadinha no Dia da Mentira anunciando a mudança da operação dos Estados Unidos para Voltswagen a fim de marcar o compromisso com os carros elétricos.
Só que a estratégia foi tão bem executada que assumiu ares de verdade. O 1º de abril da Volkswagen enganou boa parte da imprensa mundial. E entra para a história como uma das mais famosas histórias de 1º de abril envolvendo o jornalismo.
O primeiro a cair na pegadinha foi um repórter do USA Today, Nathan Bomey, que publicou na segunda-feira (29/3) o “furo mundial”. Ele encontrou pela manhã no site da empresa um release aparentemente divulgado antes do prazo e que ficou pouco tempo no ar.
Depois dessa publicação, Mark Gillies, porta-voz da operação americana, confirmou no mesmo dia que a notícia era correta. No dia seguinte, numa atitude não usual para uma companhia do porte da Volkswagen, a empresa distribuiu para toda a imprensa um comunicado oficial intencionalmente falso. E também confirmou a informação pelo Twitter:
“Nós sabemos, 66 anos não é uma idade usual para mudar o seu nome, mas sempre tivemos um coração jovem. Apresentamos Voltswagen. A mesma Volkswagen, mas com um foco renovado em carros elétricos. Começando com nosso totalmente novo e totalmente elétrico ID.4. Disponível a partir de hoje. “
As ações ordinárias da empresa dispararam 10,3% e as preferenciais quase 5% naquele dia. Nesse sentido, o caso lembra o da Tesla de 2008, quando o CEO Elon Musk, tuitou que tinha o financiamento garantido para tornar a empresa privada – um comentário que elevou o preço das ações.
Posteriormente, foi revelado que o financiamento não havia sido alinhado. Musk e Tesla tiveram que pagar US$ 20 milhões em multas à SEC, órgão regulador da bolsa norte-americana.
Com a confirmação oficial feita pela Volkswagen America, as grandes agências de notícias, Reuters e Associated Press à frente, acreditaram no comunicado e se incumbiram de espalhar a fake news por todo o planeta
A roda só parou quando o Washington Post confirmou com um porta-voz da matriz alemã em Wolfsburg que tudo não passava de uma brincadeira de 1º de abril da Volkswagen americana.
Depois do desmentido da matriz, a operação dos Estados Unidos retirou do ar o release intencionalmente falso.
Gillies, o mesmo porta-voz da operação americana que no dia anterior avalizara toda a história, confirmou na terça à noite que tudo não passara de uma piada do Dia da Mentira. Talvez a melhor e mais bem armada dos últimos tempos.
Os resultados da estratégia, porém, ainda ainda estão por ser avaliados. A empresa emitiu uma nota se desculpando:
“Desenvolvemos e implementamos uma campanha de marketing para chamar a atenção para a e-mobilidade da Volskwagen o lançamento do ID-4 totalmente elétrico. Nossa intenção era fazer isso de uma maneira divertida e interessante aproveitando o Dia da Mentira.
As muitas respostas positivas nas redes sociais mostraram que a campanha ressoou junto aos consumidores. Ao mesmo tempo, percebemos que o anúncio aborreceu algumas pessoas e lamentamos qualquer confusão que isso tenha causado.”
É inegável que a empresa obteve uma exposição de mídia estrondosa, mas as matérias passaram do positivo ao negativo após o desmentido. Também é possível que enfrente problemas com os órgãos reguladores em virtude da influência da falsa notícia no preço das ações.
A maior parte do público e muitos jornalistas se divertiram. Mas por outro lado, outros se enfureceram, principalmente o primeiro a cair na pegadinha, o repórter Nathan Bomey, que foi da plena confiança à decepção em 24 horas, como se pode conferir pelos seus tuítes.
Fake release tinha data de 29 de abril
O fake news release ficou no site da Volkswagen dos Estados Unidos pelo tempo suficiente para que fosse visto por um repórter. E para azar de Nathan Bomey, foi ele quem viu – e caiu – primeiro.
Bomey tirou um print do comunicado, que tinha a data do dia 29 seguinte (de abril), para dar a impressão de que fora publicado por engano um mês antes. O falso release fazia alusão até a supostas declarações do presidente e CEO da Volkswagen of America, Scott Keogh:
“Podemos estar trocando nosso K por um T, mas o que não estamos mudando é o compromisso desta marca em fazer os melhores veículos para motoristas e pessoas em todos os lugares.”
A retirada do material do site atiçou o interesse do jornalista, que publicou a matéria em seguida, depois de ouvir uma fonte da empresa sob anonimato. Essa fonte confirmou que o site não tinha sido hackeado, que o comunicado não era uma piada e nem uma jogada de marketing e o que plano era que a mudança se tornasse permanente.
A matéria anunciava que, de acordo com o comunicado, os modelos elétricos passariam a ostentar um emblema externo com o nome “Voltswagen”, enquanto os demais continuariam com o logotipo padrão. O repórter também postou no Twitter:
“A Volkswagen não faz piadas”
Bomey foi logo confrontado por seguidores que o alertaram no mesmo dia que poderia se tratar de uma mentira de 1º de abril, mas sua confiança na empresa era tanta que ele respondeu: “A Volkswagen não faz piadas”.
No dia seguinte, a decepção
Depois que a Volkswagen desmentiu a notícia, Bomey não escondeu toda a sua frustração no seu Twitter:
“Cara Volkswagen, vocês mentiram para mim. Vocês mentiram para a AP, CNBC, Reuters e vários outros. Isso não foi uma piada. Foi uma decepção. Caso vocês não tenham notado, temos um problema de desinformação no nosso país. E agora vocês fazem parte dele. Por que alguém acreditaria em vocês de novo?”
O repórter lembrou que teve o cuidado de checar com uma fonte da empresa se a informação que vira no site se tratava de uma piada:
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E deixou uma reflexão para os que acharam divertido o caso:
“Como você, quero desesperadamente restaurar a confiança no jornalismo. É por isso que é tão importante que possamos confiar em nossas fontes. Sem isso, a desinformação floresce.”
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