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Dia da Terra: a justiça social na pauta da mudança climática

Foto: Lawrence Makoona/Unsplash

Antecipando as comemorações pelo Dia da Terra 2021 (em 22 de abril), a  Covering Climate Now, iniciativa global que reúne mais de 400 veículos de imprensa em todo o mundo e destina-se a incentivar a cobertura sobre as mudanças climáticas, inicia nesta segunda-feira (12/4) sua primeira Semana do Clima em 2021. 

Vai ser uma semana “estendida”, com 10 dias. Nesse período, os veículos que fazem parte da rede – o MediaTalks é um deles – estão comprometidos a chamar ainda mais atenção para os impactos do aquecimento global.

Imagem: Shutterstock

O Dia da Terra foi criado em 1970 nos Estados Unidos pelo senador Gaylord Nelson, como um protesto depois de um derramamento de óleo em Santa Bárbara, na Califórnia. Mais de 20 milhões de pessoas participaram de manifestações de rua, e o evento colocou a agenda ambiental na pauta da sociedade. Em 1990 tornou-se uma data global, comemorada em todo o mundo com campanhas, debates e iniciativas de engajamento do público. 

O tema escolhido este ano pela Covering Climate Now é Vivendo com a Emergência Climática.  A proposta é  motivar a imprensa a explorar  as formas pelas quais as pessoas e comunidades ao redor do mundo já estão enfrentando a emergência climática e o que estão fazendo para ajudar a resolvê-la, aproveitando o Dia da Terra. 

Os parceiros que estão compartilhando matérias para serem republicadas por integrantes da coalizão incluem alguns dos maiores nomes do jornalismo mundial como Agence France-Presse, Reuters, NBC News, CBS News, PBS NewsHour, Noticias Telemundo, VICE, The Guardian, The Asahi Shimbun e The Times of India. 

Nós começamos com este guia da Covering Climate Now sobre como associar as questões ambientais à justiça social. Há várias ideias de pauta que podem ser aproveitadas, ou inspirar pautas mais localizadas. E links para matérias que as inspiraram. 

Durante a semana, teremos conteúdos diários com sugestões para ampliar e aprimorar a cobertura sobre as mudanças climáticas. Acompanhe.

Mudança climática, uma questão de justiça social 

Uma narrativa completa das questões em torno da mudança climática não pode deixar de incluir as pessoas afetadas por ela e as que estão tentando resolvê-la. Em muitos casos, elas são integrantes de minorias raciais e étnicas e das classes menos favorecidas economicamente. A cobertura que se concentra predominantemente nas elites e apresenta apenas vozes brancas está simplesmente perdendo o melhor da história. 

Como resultado das desigualdades estruturais da sociedade, as pessoas negras, os indígenas e os mais pobres costumam sofrer o impacto dos desastres ambientais de forma mais severa. Ao mesmo tempo, suas experiências e necessidades muitas vezes não são abordadas quando governos, empresas, grupos de reflexão e membros das elites discutem soluções para a crise, o que apenas reforça ainda mais as desigualdades.

Isso também é perder o melhor da história, pois as comunidades desfavorecidas estão frequentemente na vanguarda da inovação climática. 

Nunca é demais lembrar que a mudança climática é um assunto que deve estar presente em todas as editorias, sobretudo na semana em que se comemora o Dia da Terra. O público precisa de ajuda para perceber o tema como mais do que uma pauta científica ou meteorológica.  E cabe ao jornalismo fazer a conexão entre justiça social e a crise climática e suas soluções.

 

O clima como uma desigualdade “multiplicadora de ameaças”
Foto: Sunyu Kim/Unsplash

As mudanças climáticas têm sido apontadas como “multiplicadoras de ameaças” em relação à segurança nacional e às condições climáticas extremas, na medida em que exacerbam as forças que impulsionam o terrorismo e aumentam a ferocidade de furacões e incêndios florestais. Mas elas também podem piorar dramas humanos como pobreza, saúde e iniquidades habitacionais.

Projeta-se que o século 21 viverá um aumento de “refugiados do clima” – pessoas que são forçadas a abandonar suas casas devido a secas, ao aumento do nível do mar e a outros impactos do aquecimento global. A maioria delas será pobre ou negra.

Só em 2019, cerca de 30 milhões de pessoas foram deslocadas ou forçadas a migrar por causas relacionadas ao clima. Esse número deve aumentar para 200 milhões ou mesmo 1 bilhão até 2050 .

O deslocamento climático também ocorre dentro das comunidades, assemelhando-se a um processo de gentrificação. Bairros mais resistentes ao clima, muitas vezes em terrenos elevados ou nos arredores de uma cidade, podem se tornar mais desejáveis ​​e, portanto, mais caros, expulsando os residentes existentes, como já está ocorrendo em Miami.  

Em ambos os casos, os refugiados do clima geralmente enfrentam riscos adicionais para sua segurança, saúde (incluindo saúde mental) e condições econômicas, gerando mais instabilidade e sofrimento.

E quando as crises colidem – como no verão de 2020, quando uma temporada de furacões extra forte coincidiu com a pandemia de coronavírus – são as comunidades pobres que correm maior risco. Uma das razões é a deficiência dos sistemas de saúde em regiões menos favorecidas. 

Mas a imprensa não deve se limitar a relatar as injustiças.  

É importante mostrar como governos e comunidades podem ajudar a equilibrar as desigualdades, por meio de estímulos a iniciativas que protejam o meio ambiente. E a semana em que se comemora o Dia da Terra é uma ótima oportunidade. 

Exemplos e leituras adicionais:

Calor perigoso, consequências desiguais (The Center for Public Integrity)

O que é um ‘refugiado climático’ e quantos são?(Grist)

A Gentrificação do Clima Ameaça a Última Moradia Acessível de Miami (CBS News)

Combatendo ciclones e coronavírus: como evacuamos milhões durante uma pandemia (The Guardian)

A mudança climática acabará com a vida à beira-mar? Não se você puder pagar (The Guardian)

Quando a mudança climática e a pandemia colidem, um terceiro animal nasce (The Wire; Índia)

Como eventos climáticos extremos afetam a saúde mental (American Psychiatric Association)

 

Siga o dinheiro
Foto: Michelle Henderson/Unsplash

À medida em que a preparação para lidar com os impactos das mudanças climáticas e e a adoção de soluções energéticas verdes tornam-se preocupações econômicas, onde serão feitos os investimentos, quem decide e quem se beneficiará?

Os projetos de resiliência priorizarão comunidades ricas, comunidades historicamente carentes ou ambas?

Se os gastos com estímulos verdes continuarem, os empregos criados e a infraestrutura construída beneficiarão todas as partes da sociedade, incluindo as comunidades desfavorecidas? São bons ângulos a serem abordados. 

Exemplos e leituras adicionais:

Como a vida dos negros é importante para o novo acordo verde (a nação)

Os outros fósseis na sala de reuniões (Bloomberg Green)

Pautas sobre desastres ambientais são pautas sobre desigualdade

Os eventos climáticos extremos afetam desproporcionalmente as pessoas desfavorecidas, mas a injustiça não termina aí. Após essas catástrofes, os governos muitas vezes deixam de atender às necessidades dessas pessoas, enquanto as comunidades ricas recebem assistência imediata e eficaz.

A cobertura da imprensa deve se concentrar nas comunidades mais pobres, antes, durante e depois dos desastres ambientais

Foto: Piyush Priyank/Unsplash

Preste atenção às respostas da comunidade e do governo: que necessidades estão sendo atendidas e quem está sendo deixado de fora? Se a ajuda chega às comunidades carentes, ela dura o suficiente para a reconstrução ou apenas o tempo necessário para que que o desastre saia das  manchetes?

Exemplos e leituras adicionais:

Refugiados climáticos: a busca por um refúgio contra eventos climáticos extremos (CBS News)

Um ano após o furacão Harvey, os bairros mais pobres de Houston demoram a se recuperar (The New York Times)

Inundações prejudicam desproporcionalmente os bairros negros (Scientific American)

Como o furacão Michael revelou as vítimas esquecidas da mudança climática (Earther)

Poluição

As mesmas corporações e empresas financeiras  que estão poluindo o planeta com suas refinarias de petróleo, oleodutos e usinas de energia também representam um perigo enorme para as pessoas pobres e comunidades carentes.  

Cobrir a poluição gerada por elas como uma questão urgente de saúde pública não é apenas bom jornalismo preciso, mas pode atrair novos públicos que talvez estejam menos interessados na cobertura sobre as mudanças climáticas focada na ciência abstrata. 

Como várias comunidades são afetadas por poluentes? Quem é o responsável, que ações do governo incentivam ou impedem essa poluição e o que a sociedade civil organizada está fazendo a respeito? Como políticas como um New Deal Verde e diferentes regulamentações governamentais podem mudar a situação?

Exemplos e leituras adicionais:

Poluição é violência racial (Earther)

Pessoas de cor vivem com 66% a mais de poluição do ar, constata um estudo dos EUA (The Guardian)

Morar perto de poços de petróleo e gás vinculados ao baixo peso ao nascer em bebês (The Guardian)

O que o racismo e a pobreza têm a ver com a poluição e as mudanças climáticas?(Grist)

Lideranças comunitárias engajadas nas soluções 

Observe o que estão dizendo e falando os membros da sociedade civil engajados nas soluções para a crise climática. Há uma boa chance de que incluam pessoas menos favorecidas ou minorias raciais que também estão tratando de questões relacionadas à injustiça sistêmica.

O que especificamente esses líderes comunitários estão defendendo, quais são os resultados e que lições outros podem tirar de seus exemplos? Como suas propostas diferem das soluções convencionais para a crise climática? 

Exemplos e leituras adicionais:

Foto: Eyoel Kahssay/Unsplash

Agricultores negros adotam práticas de resiliência climática (revista Yes!)

Resiliência climática no lado leste de Detroit (Belt Mag)

Semente a Semente, um Coletivo de Mulheres Ajuda a Reflorestar a Bacia do Rio Xingu, no Brasil (Mongabay)

Milhares de pessoas estão cultivando ‘jardins da vitória climática’ para salvar o planeta (HuffPost)

Ao prestar atenção, as tribos de Northwoods estão liderando o caminho para as mudanças climáticas (Yale Climate Connections)

Por que os observadores de pássaros negros querem ‘mudar toda a face do exterior’ (Earther)

 
Amanhã (13/4) em MediaTalks: Fato ou ciência? um guia para fugir das armadilhas dos estudos cientíticos 
 
Leia também: 

https://mediatalks.com.br/2021/03/26/covering-climate-now-cria-pautao-com-ideias-de-materias-mostrando-efeitos-da-mudanca-climatica-sobre-a-vida-real/


Este artigo é parte da Covering Climate Now, uma colaboração de jornalismo global  destinada a fortalecer a cobertura jornalística sobre meio ambiente e mudança climática. Organizado por jornalistas e para jornalistas, o CCNow foi criado em abril de 2019, tendo como co-fundadores a Columbia Journalism Review, o The Nation e o The Guardian. Conta com mais de 400 veículos associados, que juntos atingem uma audiência superior a 2 bilhões de pessoas. 

O MediaTalks by J&Cia é membro da iniciativa. Se quiser saber mais sobre como participar da rede, entre em contato conosco em mediatalks@jornalistasecia.com.br

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