O fotojornalismo brasileiro foi mais uma vez reconhecido na mais importante competição de jornalismo visual do mundo, promovida pela World Press Photo desde 1955.
Lalo de Almeida ganhou o primeiro lugar na categoria Série Meio Ambiente com sua reportagem Pantanal em Chamas, produzida para a Folha de S.Paulo no ano passado.
Os resultados das categorias especiais foram revelados hoje (15/4) em Amsterdam. A Foto do Ano, de autoria do dinamarquês Mads Nissen, é um registro da Covid-19 feito no Brasil.
Uma triste realidade
A série de Lalo de Almeida retrata uma triste realidade que vem castigando a imagem do Brasil no exterior ao longo do ano inteiro. Os incêndios no Pantanal e as queimadas na Amazônia têm sido extensivamente cobertos pelos mais importantes veículos de imprensa globais.
Pantanal Ablaze – Lalo de Almeida
A jurada Pilar de Oliveira, fotógrafa da Reuters, assim descreveu o trabalho:
“Essa é a série de incêndios que mais me impactou. Cada foto nos mostra uma triste situação de devastação sem perder o sentido estético. Esta série de fotos foi editada com perfeição. Não sinto que preciso ver mais e também não sinto que estou vendo muito.”
Pantanal Ablaze – Lalo de Almeida
Animais carbonizados e grandes áreas devastadas foram o resultado de um dos piores incêndios em décadas na região.
Nessa imagem, um voluntário busca focos de fogo sob uma ponte de madeira.
Pantanal Ablaze – Lalo de Almeida
Estima-se que entre 140 e 160 mil quilômetros quadrados foram destruídos pelo fogo.
Segunda conquista de Lalo no World Press Photo Award
Esta não é a primeira vez que Lalo de Almeida é reconhecido com um prêmio da World Press Photo Award. Em 2017 ele venceu na categoria Questões Contemporâneas, com reportagem sobre vítimas do Zika vírus.
Com o vídeo produzido sobre o tema, naquele ano ele ganhou também o POY Latam, a principal competição de jornalismo visual da América Latina, na categoria de vídeos curtos.
Em janeiro de 2021, Lalo voltou a ser premiado no POY Latam, só que desta vez pelo seu trabalho em fotografia. Arrebatou o primeiro prêmio, tornando-se o Fotógrafo Ibero Americano do Ano.
Lalo tem também no currículo um Prêmio Esso por equipe. Foi ganho em 2015, com o o trabalho Líquido e incerto – o futuro dos recursos hídricos no Brasil, publicado pela Folha de S.Paulo e posteriormente convertido em documentário.
Em 2019, seu projeto ‘Amazonian Dystopia’ foi finalista no Eugene Smith Grant na categoria Humanistic Photography.
Início na cobertura policial
Com 51 anos, Lalo começou a fotografar profissionalmente em 1991, depois de ter estudado Fotografia no Istituto Europeo di Design em Milão. Em estrevista ao Portal dos Jornalistas, ele relembrou o início da paixão pela fotografia:
“No começo minha ideia era fazer fotografia de natureza, mas logo consegui um emprego em uma pequena agência de fotojornalismo e me apaixonei pela coisa. Comecei cobrindo a crônica policial de Milão e depois de dois anos fiz algumas coberturas internacionais como as guerras na Bósnia e na Croácia.”
Vários projetos premiados
Em 1993 Lalo voltou para o Brasil, trabalhando por pouco tempo no Estadão e na Veja, até chegar à Folha, onde permaneceu por 25 anos. Paralelamente ao trabalho na área jornalística, desenvolveu trabalhos de fotografia documental como o projeto premiado “O Homem e a Terra”, sobre as populações tradicionais brasileiras e sua relação com o meio ambiente.
A partir de 2010, Lalo começou a produzir vídeos curtos que foram internacionalmente premiados, entre eles ‘Um Mundo de Muros’ e ‘Crise do Clima’.
Em 2012, ganhou o XII Prêmio Marc Ferrez da Fundação Nacional das Artes pelo trabalho sobre os impactos sociais causados pela construção da usina de Belo Monte no rio Xingu.
O tema gerou o projeto multimídia “A Batalha de Belo Monte”, que ganhou vários prêmios nacionais e internacionais, entre eles o da Sociedad Interamericana de Prensa.
Atualmente, além de colaborar regularmente nas áreas de fotografia, vídeo e multimídia com o jornal Folha de S. Paulo, fotografa para o The New York Times, desenvolvendo trabalhos para o jornal norte-americano no Brasil.
O concurso
A World Press Photo Foudation premia o melhor jornalismo visual em oito categorias: Temas Contemporâneos, Meio Ambiente, Notícias gerais, Projetos de longo prazo, Natureza, Retratos, Esportes e Spot News. Este ano foram inscritos 74.470 trabalhos de 4.315 fotógrafos.
Além da conquista de Lalo em Meio Ambiente, o Brasil está representado indiretamente no World Press Photo Award como local onde foi produzida a imagem escolhida como Melhor Foto em Notícias Gerais. “O primeiro abraço”, do dinamarquês Mads Nissen, retrata uma cena no Lar Viva Bem, em São Paulo.
Sobre essa foto, o jurado Ahmed Najm disse:
“É uma das raras fotos positivas sobre a COVID-19. É uma cena simbólica, transmitindo o esforço que os trabalhadores da linha de frente fizeram e as dificuldades por que passaram. O fotógrafo estava no lugar certo na hora certa”.
Considerando todas as fotos e as reportagens ganhadoras em todas as categorias, foram premiados 45 fotógrafos, dos quais 35 pela primeira vez, de 28 países. Dentre os premiados, ainda serão escolhidos a Foto do Ano e a Reportagem do Ano, cujos autores receberão um prêmio de 5 mil euros cada um.
Confira os vencedores de todas as categorias.
Meio Ambiente
A categoria premia uma foto e uma reportagem que documentam o impacto humano, positivo ou negativo, sobre o meio ambiente. Além da reportagem de Lalo, foi premiada também a foto do norte-americano Ralph Place.
De acordo com um relatório da BBC, cerca de 129 bilhões de máscaras e 65 bilhões de luvas descartáveis estão sendo usadas a cada mês na pandemia.
Na foto, um leão-marinho nada em direção a uma máscara facial descartada em Breakwater, local de mergulho de Monterey. O fotógrafo submarino e ambiental Ralph Place consegue evocar ao mesmo tempo o perigo da doença para o homem e o do lixo dela decorrente para os animais. Sobre a imagem, a jurada Kathy Moran, vice-diretora de Fotografia da National Geographic, disse:
“Eu amo a natureza dupla desta fotografia. À primeira vista, parece um curioso leão-marinho investigando o lixo. Mas a máscara descartada transformou a foto em um momento COVID, lembrando que mesmo debaixo d’água, não podemos escapar da pandemia.”
Questões Contemporâneas
Nessa categoria é premiada uma foto e uma reportagem que documentam questões culturais, políticas ou sociais que afetam indivíduos ou sociedades.
Foto vencedora: “Yemen: Hunger, Another War Wound” – Pablo Tosco (Argentina)
O trabalho de Pablo Tosco fala de excluídos e reflete a desigualdade e as tragédias resultantes de migrações e deslocamentos.
Nessa foto, Fátima e um de seus nove filhos preparam uma rede de pesca na costa do Iêmen para garantir o sustento da família. Sobre a imagem, a presidente do júri Nayan Tara Gurung Kakshapati disse:
“Esta fotografia de Fátima e de seu filho pescando ficará comigo como uma imagem poderosa de resiliência.”
Reportagem vencedora: “Sakhawood” – Alexey Vasilyev (Rússia)
O documentarista russo Alexey Vasilyev acompanhou várias gravações de filmes na república russa de Sakha, no extremo leste do país. Mesmo sendo pequena, a indústria cinematográfica local foi apelidada de “Sakhawood”.
A arte é uma forma de mostrar e preservar a cultura e as tradições de Sakha. Sobre o trabalho, o jurado Kevin Lee disse:
“Quando você conta uma história, seja em imagens ou palavras, você está essencialmente criando um mundo para envolver e sustentar nosso interesse e crença nesse mundo, de forma consistente e com ritmo, ao longo de toda a sequência. O fotógrafo fez isso muito bem – encontro-me experimentando a atmosfera, os cheiros, os sons e as conversas dos fotografados.”
Notícias Gerais
A categoria premia uma foto e uma reportagem relatando tópicos de notícias e suas consequências. Além da foto “O primeiro abraço”, do dinamarquês Mads Nissen, foi premiada a reportagem do russo Valery Melnikov.
Reportagem vencedora: “Lost Paradise” – Valery Melnikov (Rússia)
O trabalho trata do conflito entre armênios e azerbaijanos na disputada região de Nagorno-Karabakh.
Após o acordo de paz de novembro de 2020, os armênios perderam seu paraíso e tiveram que deixar a área, que passou ao controle do Azerbaijão. Sobre a reportagem, o jurado Gurung Kakshapati disse:
“A série captura os conflitos mais recentes ocorridos em Nagorno-Karabakh. É uma das representações mais humanas de guerra que já vi. Ela realmente dá a você uma noção de como é a vida diária e como é a perda diária, de maneira silenciosa, de maneiras que estão longe dos olhos do mundo”.
Projetos de Longo Prazo
A categoria premia um projeto fotográfico centrado em um único tema executado ao longo de pelo menos três anos diferentes.
Reportagem vencedora: “Habibi” – Antonio Faccilongo (Itália)
Habibi, que significa “meu amor” em árabe, narra histórias de amor tendo como pano de fundo o conflito entre israelenses e palestinos. As imagens mostram o impacto do conflito nas famílias palestinas e as dificuldades que enfrentam.
A foto superior mostra Iman Nafi, esposa de Al-Barghouthi, que cumpre prisão perpétua. Ele já passou mais de 40 anos na prisão e é o prisioneiro palestino mais antigo nas prisões israelenses. Para visitar um prisioneiro, os familiares viajam por várias horas para ver os presos por 45 minutos através de uma divisória transparente e falar com eles por telefone.
As visitas conjugais são negadas e o contato físico é proibido, exceto para crianças menores de dez anos, que têm dez minutos no final para abraçar seus pais. Desde o início dos anos 2000, presos palestinos passaram a contrabandear seu sêmen da prisão, escondido em presentes para seus filhos. O sêmen é enviado dentro de tubos de canetas, embalagens plásticas de doces ou barras de chocolate.
As fotografias da reportagem retratam os sacrifícios enfrentados pelas mulheres palestinas para superar essa situação, incluindo os procedimentos de fertilização in-vitro. Em fevereiro de 2021, o Middle East Monitor relatou o nascimento do 96º bebê palestino nascido com sêmen contrabandeado das prisões israelenses. Sobre o trabalho, o jurado Ahmed Najm disse:
“A perspectiva fotojornalística, juntamente com a singularidade da história, criaram uma obra-prima. Esta é uma narrativa da luta humana no século 21: uma história sobre aquelas vozes não ouvidas que podem alcançar o mundo se nós do júri agirmos como um meio. Mostra o outro lado de um dos mais longos conflitos contemporâneos, entre Israel e Palestina”.
Natureza
A categoria uma foto e uma reportagem que mostrem a flora, a fauna e as paisagens em seu estado natural.
Foto vencedora: “Rescue of Giraffes from Flooding Island – Ami Vitale (EUA)
A imagem do fotógrafo, escritor e cineasta Ami Vitale mostra uma girafa sendo transportada para um local seguro em uma barcaça de uma ilha inundada de Longicharo, no Lago Baringo, no oeste do Quênia. Sobre a foto, o jurado Kevin Lee disse:
“Como o restante da natureza, a girafa é cheia de majestade, mas também de vulnerabilidade, como ilustrado lindamente nesse flagrante.”
Reportagem vencedora: “Pandemic Pigeons – A love story” – Jasper Doest (Holanda)
No meio da pandemia, a família do fotógrafo holândes Jasper Doest, morador de Vlaardingen, recebeu visitas regulares de um par de ponbos, que foram batizados de Ollie e Dollie.
A curiosidade e o destemor demonstrados pelos pássaros enquanto passeavam dentro de casa chamaram a atenção de Jasper. Sobre a série, a jurada Kathy Moran enfatizou como um olhar mais observador pode resultar em boas imagens:
“O que faz um fotógrafo de vida selvagem preso em casa por causa da COVID-19? Ele documentou a natureza fora – e ocasionalmente dentro – de sua casa. É um lembrete encantador de que a vida selvagem está ao nosso redor. Nós apenas temos que abrir nossos olhos e nossas portas.”
Retratos
A categoria premia uma foto e uma reportagem sobre o tema.
No flagrante de 23 de abril do ano passado, Ignat, transgênero, aparece abraçado por sua namorada Maria, em seu apartamento em São Petersburgo, na Rússia, onde as pessoas LGBT+ são extremamente discriminadas.
Uma emenda à Constituição russa, feita em julho de 2020, estipula que o casamento é uma união entre um homem e uma mulher, sem outras opções possíveis. Sobre a imagem, o jurado Andrei Polikanov disse:
“As primeiras impressões que tive quando vi esta fotografia foram de dignidade e amor. Ignat, o homem transgênero da foto, passou por um inferno ao longo de seus anos de escola, sendo vítima de insultos e humilhações.
Sua vida tem sido uma luta por um direito básico: o direito de existir. Apesar de tudo, Ignat preservou a dignidade e o amor. Mas, ao mesmo tempo, ele não tem certeza do que esperar das pessoas, e há uma expressão em seus olhos que diz: “Posso confiar em você? Você vai me machucar?”
Reportagem vencedora: “TheAmeriguns” – Gabriele Galimberti (Itália)
Torrel Jasper, também conhecido como Black Rambo, tornou-se uma estrela do Instagram ao exibir suas armas. Na foto superior, ele se exibe ao lado de uma piscina para o fotógrafo italiano Gabriele Galimberti, que em sua reportagem mostra diferentes proprietários de armas de fogo nos Estados Unidos.
Esportes
A categoria premia uma foto e uma reportagem que capturem esportes individuais ou coletivos.
Foto vencedora: “Log Pile Bouldering” – Adam Pretty (Austrália)
O fotógrafo esportivo australiano Adam Pretty capturou o alpinista durante um treinamento de escalada em Kochel am See, na Bavária.
O esportista parece flutuar em uma pilha de troncos de madeira. Em Munique, as academias de escalada e ginásios foram fechados devido à pandemia, forçando os atletas a usarem a criatividade em seus métodos de treinamento. Sobre o flagrante, o jurado Kevin Lee disse:
“Uma grande imagem de ação esportiva que define o ano da COVID-19 e o espírito do homem para sobreviver, competir e se destacar além das probabilidades e limites.”
Reportagem vencedora: “Those Who Stay Will Be Champions”- Chris Donovan (Canadá)
A reportagem tem como tema o time de basquete Flint Jaguars e sua luta para sobreviver, que é a mesma da cidade que representa. Flint, no Michigan, é o berço da General Motors, e sofre os efeitos da emigração, causada pelo declínio de sua indústria automotiva.
O basquete é parte integrante da cultura de Flint. Por décadas, quatro times do ensino médio lutaram como rivais ferozes. Sobrou apenas uma escola secundária e os Flint Jaguars resultaram da fusão em 2017 das equipes das duas últimas escolas.
Em 2020, os Flint lutaram para reverter o que até então era uma história quase sem vitórias. Em março, eles estavam preparados para chegar às finais da divisão, tendo vencido mais jogos no ano passado do que nos três anos anteriores combinados.
O play-offdeles terminou prematuramente quando a Covid-19 forçou o cancelamento da temporada. Mas eles persistem. Os que ficarem serão campeões. Sobre o trabalho, o jurado Kevin Lee disse:
“Esta série é lindamente produzida em quadros em preto e branco e maravilhosamente editada. O que eu também gosto nela é que dá uma outra visão da vida dos negros na América, além dos protestos e do movimento Black Lives Matter”.
Notícias de última hora
A categoria premia uma foto e uma reportagem que testemunhem flagrantes de notícias ou de eventos.
Foto vencedora: “Emancipation Memorial Debate” – Evelyn Hockstein (Estados Unidos)
Na foto de Evelyn Hockstein para o The Washington Post, a estátua de Lincoln ao fundo é a chave da questão. Anais, como os demais ativistas do Black Lives Matter presentes no protesto, quer a remoção do Memorial da Emancipação, em Washington.
Durante a manifestação em 25 de junho de 2020, ela é confrontada por um homem branco. A estátua de Lincoln segura a Proclamação da abolição, tendo um homem negro ajoelhado a seus pés vestido com uma tanga.
Os críticos argumentam que o memorial é humilhante na sua representação dos negros. Os defensores dizem que a remoção representa um apagamento da história. Sobre a foto, Mulugeta Ayene, membro do júri, disse:
“Você pode sentir a dor dela e compreender suas emoções. Do lado dela, o homem discutindo. E temos a estátua ao fundo. É muito rato capturar tudo isso para mostrar em uma foto.”
Reportagem vencedora: “Port Explosion in Beirut” – Lorenzo Tugnoli (Itália)
Na foto superior, um homem ferido caminha desorientado em meio aos escombros no porto de Beirute, enquanto os bombeiros trabalham para apagar os incêndios nos armazéns. Por volta das 18h do dia 4 de agosto de 2020, uma grande explosão, causada por mais de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, sacudiu a capital do Líbano.
A explosão, que registrou 3,3 na escala Richter, danificou ou destruiu cerca de 6 mil edifícios, matou pelo menos 190 pessoas, feriu outras 6 mil e desabrigou até 300 mil. O nitrato de amônio veio de um navio que havia sido apreendido em 2012 por não pagar as taxas devidas ao porto e foi abandonado pelo seu proprietário.
Os funcionários da alfândega escreveram aos tribunais libaneses pelo menos seis vezes entre 2014 e 2017, perguntando como se livrar do explosivo. Até que ocorreu a tragédia, captada pelas lentes do fotógrafo italiano Lorenzo Tugnoli. O jurado Gurung Kakshapati fala do impacto que a reportagem causou no júri:
“Acho que estas imagens da explosão do Porto de Beirute captam toda a dor da situação. A do homem forte mostra a sua fragilidade profunda neste momento de crise, de uma forma bonita.”
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