Os resultados do maior prêmio mundial de fotojornalismo, o World Press Photo, anunciados nesta quinta-feira (15/4), acabaram colocando em evidência os dois temas de maior presença na pauta da imprensa internacional sobre o Brasil: a crise ambiental e a gestão da Covid-19, com crítica direta ao presidente Jair Bolsonaro. 

O discurso e o vídeo do dinamarquês Mads Nissen, que ficou em primeiro lugar na categoria Foto do Ano com uma imagem da Covid-19 produzida em São Paulo, menciona a gravidade da crise do coronavírus no País e a atuação do presidente. Matérias publicadas em vários jornais internacionais associaram a foto ao momento crítico da Covid-19 no Brasil.

Até o Facebook do concurso referiu-se ao presidente, classificando de “poor leadership“. 

Meio ambiente e Covid

Na categoria Séries Meio Ambiente, coube ao brasileiro Lalo de Almeida o primeiro lugar, com um registro fotográfico dramático dos incêndios no Pantanal. Sua série para a Folha de S.Paulo mostra animais carbonizados e enormes áreas devastadas no ano passado pelos piores incêndios ocorridos em décadas na região.

Mas foi a Foto do Ano que retratou a crise que abalou o mundo inteiro em 2020. Ela foi considerada pelo júri a imagem mais emblemática da Covid-19 no mundo: o abraço, no Brasil, em agosto do ano passado entre uma enfermeira e uma idosa por meio de uma cortina plástica para evitar o contágio do vírus.

A imagem foi produzida no Lar Viva Bem, em São Paulo, e foi escolhida entre as 74.470 imagens jornalísticas inscritas por 4.315 fotógrafos de 130 países. Estampou a primeira página do jornal Politiken, um dos mais importantes da Dinamarca. Mats disse por que resolveu cobrir a crise no Brasil:

“Quando soube da crise que estava acontecendo no país e da fraca liderança do presidente Bolsonaro, que desde o início negligenciou o vírus, chamando a doença de ‘pequeno resfriado’, realmente senti vontade de fazer algo sobre isso.”

Para ele, o flagrante reflete “uma história de amor e de esperança nos momentos mais difíceis”.

Repercussão global

A notícia do prêmio máximo dado à foto tirada no Brasil foi publicada em jornais do mundo inteiro. E vários mencionaram o presidente Bolsonaro e a grave situação da pandemia no país, como no caso da alemã DW, que ressaltou que “sob o presidente Jair Bolsonaro, o Brasil é um dos países mais afetados pelo vírus”.

 

Como surgiu a ideia

Nissen gravou um vídeo para o concurso explicando como foi feito o trabalho e fez críticas à gestão do presidente Bolsonaro. 

Ele disse que teve a ideia da foto quando soube dessas “cortinas de abraço”, feitas de plástico, para permitir o contato entre as pessoas sem o perigo de contágio pelo vírus. Decidiu visitar o Lar de Idosos Viva Bem, próximo da capital paulista, e percebeu que a cortina era transparente:

“Assim que entrei,  percebi que seria  incrível.”

Era o dia 5 de agosto de 2020. Nissen lembra que a luz estava muito bonita.

“Tudo que eu tinha que fazer era apenas falar com as pessoas, tentando me conectar e apenas ficar quieto. E daí tentar capturar aquelas emoções fortes que estavam se desenrolando na minha frente.”

As asas da idosa

Foi quando aconteceu o encontro entre a enfermeira e cuidadora Adriana Silva da Costa Souza e Rosa Luzia Lunardi, de 85 anos. Foi o primeiro abraço que a idosa recebeu em cinco meses. Ela não tinha tido qualquer contato físico desde março, quando lares de idosos em todo o país fecharam suas portas para os visitantes.

Elas não sabiam, mas aquele abraço conquistaria o júri da World Press Photo e em seguida o mundo. A diferença de estatura das protagonistas ressalta a sensação de proteção transmitidas pelos braços de uma envolvendo a outra. E o recorte transparente em volta dos braços produziu um efeito que parece dar asas à idosa.

 

O fotógrafo Kevin Lee, jurado do concurso, ressaltou esse detalhe e as sensações vivenciadas ao admirar a imagem escolhida como Foto do Ano:

“Esta imagem icônica da Covid-19 marca o momento mais extraordinário de nossas vidas, em todos os lugares. Eu sinto vulnerabilidade, entes queridos, perda e separação, morte. Mas também, e o mais importante, sobrevivência – tudo em uma imagem gráfica. Se você olhar para a imagem por tempo suficiente, verá asas: um símbolo de vôo e esperança. ”

Para Nissen, o segredo de sua fotografia é o de criar empatia, permitindo a todos se relacionarem, apesar de suas diferenças:

“Isso é o mais importante na fotografia: que possamos, na fração de segundo em que vemos as imagens, sentir como é ser a outra pessoa. Para ter uma noção do que nos une, como seres humanos.”

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Autor da Foto do Ano pela segunda vez

Mads Nissen vive em Copenhagen e já havia recebido o prêmio de Foto do Ano em 2015, com uma foto de um casal de homossexuais em São Petersburgo, em meio à onda de homofobia na Rússia. 

Depois de se formar em 2007 na Escola Dinamarquesa de Jornalismo, ele se mudou para Xangai para documentar as consequências humanas e sociais da histórica ascensão econômica da China. Desde 2014, trabalha como fotógrafo do diário dinamarquês Politiken. Ele é representado pela Panos Pictures, a mesma do brasileiro Lalo de Almeida.

Esta não é a primeira vez que Nissen se destaca com fotos realizadas no Brasil.Ele é o autor do álbum de fotos Amazonas, com 192 páginas e 132 imagens de seu mergulho sobre a vida na Amazônia. 

 

Outros cinco trabalhos concorreram a Foto do Ano

Além do “Primeiro Abraço”, outros cinco trabalhos excepcionais concorreram ao prêmio de Foto do Ano. Eles narram dramas que se desenrolaram no ano passado, alguns deles agravados pela pandemia: a luta contra a maior praga de gafanhotos ocorrida na África nos últimos setenta anos, um flagrante do movimento Black Lives Matter, a situação dos refugiados em Nagorno-Karabakh, a explosão no porto de Beirute e a discriminação contra os transgêneros.

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