A liberdade de expressão nas redes sociais foi mais uma vez colocada à prova no Paquistão, com a decisão do governo de suspender temporariamente o acesso da população às plataformas durante um período de quatro horas na última sexta-feira (16/4). O ato despertou uma onda de protestos por parte de entidades que defendem os direitos humanos e a liberdade de expressão e foi notícia em vários países.
O objetivo alegado foi o de restabelecer a ordem e evitar conflitos durante as orações do dia, depois de vários dias de protestos violentos.Distúrbios têm agitado o país desde a prisão no início da semana passada de Saad Rizvi, líder do partido islâmico e de ultradireita Tehreek-i-Labbaik Paquistão (TLP).
A situação se agravou na quinta-feira (15/4), quando o governo declarou o TLP uma organização proscrita, com base na lei anti-terrorismo, por agir “de maneira prejudicial à paz e à segurança do país”. Com sua inclusão à lista de organizações terroristas proibidas, o número total no país passou para 79.
Outros banimentos
Não é a primeira vez que o Paquistão investe contra as plataformas digitais para controlar conteúdo considerado imoral, ofensivo à religião ou político. Mas desta vez as preocupações se elevaram porque o país adotou em novembro de 2020 uma regulamentação mais severa para restringir a liberdade de expressão nas redes sociais, que começa a ser colocada em prática.
Em 2010 o país havia bloqueado o Facebook em represália a um concurso para desenhar imagens do Profeta Maomé veiculado pela plataforma.
Em novembro de 2017, o observatório NetBlocks e a Digital Rights Foundation denunciaram o bloqueio em massa de mídias sociais e sites de compartilhamento de conteúdo, incluindo YouTube, Twitter e Facebook em todo o Paquistão, imposto pelo governo em resposta aos violentos protestos do Tehreek-e-Labaik.
As principais operadoras de telefonia fixa e móvel do Paquistão foram afetadas pelas restrições, que foram levantadas no dia seguinte, quando os protestos diminuíram. Em 2020, o TikTok foi banido do país e depois voltou. Em março foi suspenso novamente.
O comunicado emitido na última sexta-feira, intitulado “Bloqueio completo de plataformas de mídia social”, determinou a proibição das 11h às 15h, no horário local. As plataformas que saíram do ar são Twitter, Facebook, WhatsApp, YouTube e Telegram.
Em uma mensagem de vídeo, o ministro do Interior, Sheikh Rashid, disse que as plataformas foram bloqueadas porque vinham sendo usadas pelo TLP em apelos para que seus seguidores saíssem para protestar após as orações de sexta-feira. O ministro disse que devido à ação do governo, “os terroristas e aqueles que espalham a agitação nas redes sociais foram derrotados”.
Críticas das organizações de direitos humanos
Organizações de direitos humanos criticaram o apagão decretado no Paquisão no dia 16/4, que coloca em risco a liberdade de expressão nas redes sociais, alertando que isso poderia levar a restrições mais severas às liberdades.
“Essas decisões arbitrárias de bloqueio e banimento nunca fizeram bem. Em vez disso, abrem caminho para proibições mais abrangentes”, disse Nighat Dad, chefe da Digital Rights Foundation no Twitter, pouco antes de a plataforma ser tirada do ar.
Novas leis
A diferença entre os banimentos anteriores o o que aconteceu no dia 16/4 é que o país está desde outubro de 2020 sob uma nova legislação para regular a liberdade de expressão nas redes sociais, destinada a proteger segurança nacional, os sentimentos religiosos e o respeito pelas instituições.
O pacote chama-se “Regras de 2020 para remoção e bloqueio de conteúdo online ilegal (procedimento, supervisão e salvaguardas)”, de acordo com a Lei de Prevenção do Crime Eletrônico de 2016″.
Pela nova lei, elas não podem publicar, hospedar, exibir, alterar, transmitir, atualizar ou compartilhar qualquer conteúdo que pertença a outra pessoa, seja blasfemo, pedofílico, pornográfico, seja contra as crenças e sensibilidades religiosas, culturais, étnicas, prejudica menores, ou que ameace a segurança, integridade da defesa do Paquistão ou ordem pública.
“Tudo nessas novas regras é vago”, disse Asad Baig, do Media Matters for Democracy, reagindo às novas regras.
Em entrevista ao jornal The New Indian Express, o ativista de direitos digitais Nighat Dad disse que as novas regulamentações passam por cima da autoridade judicial, pois a Federal Investigation Agency (FIA) não precisa de um mandado, podendo acionar as empresas de mídia social diretamente para obter os dados de um usuário.
A reação mais forte veio das próprias Big Techs. Elas ficaram obrigadas a abrir escritório no Paquistão, nomear um representante local e estabelecer um servidor de banco de dados no país. Além disso, devem entregar os dados à autoridade reguladora de forma “decifrada e legível”.
As empresas também são obrigadas a cumprir as ordens de censura da Autoridade de Telecomunicações do Paquistão (PTA) e fornecer dados relacionados aos usuários. Caso não o façam, enfrentam multas e bloqueio total no país.
Devido às restrições, as principais gigantes da tecnologia se uniram em 2020 e ameaçaram deixar o país por causa das regras propostas. O grupo, batizado de Asia Internet Coalition (AIC) reúne Facebook, Google, Twitter, Apple, Amazon, LinkedIn, SAP, Expedia, Yahoo, Airbnb, Grab, Rakuten, Booking, Line e Cloudflare.
Em comunicado de novembro de 2020, as empresas disseram que estavam “alarmadas” com o escopo da nova lei do Paquistão para as empresas de internet. O grupo também tem se posicionado contra a nova lei e mídia da Índia.
TikTok no alvo
Uma das principais brigas do governo paquistanês é com o TikTok, já suspenso várias vezes. A última foi em março. Um tribunal superior na cidade de Peshawar ordenou a autoridade de telecomunicações do país a proibir a rede atendendo a uma reclamação por conteúdo imoral.
Na Índia o TikTok foi proibido em 2020.
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