As vítimas da tragédia da Covid na Índia não são apenas as dezenas de milhares de pessoas que perderam a vida nos últimos dias. A liberdade de expressão também está sob risco no país, depois que o governo determinou a remoção de conteúdo de Twitter, Instagram e Facebook. Tiveram que ser retirados posts com críticas à gestão da pandemia e os que mostravam as cenas mais dramáticas do que acontece nas ruas e nos hospitais.

A notícia foi revelada pelo site de tecnologia indiano MediaNama no sábado (25/4) e espalhou-se pelo mundo. O comunicado do governo menciona cerca de 100 postagens removidas, mas o MediaNama diz que só no Twitter foram cerca de 50. 

Posts removidos continuam visíveis fora do país

Embora retirados na Índia, os posts continuam visíveis fora do país, pois segundo o Twitter não violaram as regras da plataforma. 

O uso do coronavírus como justificativa para atos de censura e pressões contra jornalistas havia sido destacado pela Repórteres sem Fronteiras na semana passada como um dos motivos para a deterioração da liberdade de imprensa no mundo em 2020.  Nanova edição do Press Freedom Index da organização, a Índia aparece em 142º lugar (31 posições atrás do Brasil) e é apontada como um dos países mais difíceis para jornalistas trabalharem. 

O movimento do governo de Narendra Modi não é isolado. O país já vinha apertando o cerco contra as mídias sociais. Em fevereiro,publicou no diário oficial um decreto para disciplinar de forma severa a atuação das plataformas digitais no país, que despertou críticas de organizações por permitir ao Estado controlar o que é compartilhado nas redes sociais.

Com mais de 1,3 bilhão de habitantes, a Índia é o segundo país mais populoso do mundo e o maior mercado global do Facebook e do WhatsApp.

Twitter, o principal alvo

Desde que a situação do coronavírus agravou-se no país, o tema tomou conta das plataformas digitais como Twitter e Instagram, utilizadas pela população para protestos e também para busca de ajuda.

O Twitter chegou a lançar recursos para facilitar a procura por auxílio médico, oxigênio e medicamentos. E foi justamente ele o principal alvo do Ministério da Informação indiano.

Censura a jornalistas, ativistas, políticos e cineastas

A ordem de remoção de conteúdo afetou pelo menos um jornalista em atividade, o editor da emissora ABP News, Pankaj Jha. Um tuíte dele chamava  a atenção para a diferença de atitudes em relação ao evento Tablighi Jamaat em 2020 e ao Kumbh Mela (festival hindu que não foi cancelado pelo governo e é apontado como responsável por agravar a atual crise).

Na mira do governo estão também ativistas, políticos e cineastas, entre eles o ex-jornalista Vinod Kapri. Ainda que a ordem tenha causado reação em vários países, as postagens removidas são uma gota d’água no oceano de notícias dramáticas que tomou conta das redes sociais na Índia.

Ato intimidatório e punitivo

Segundo o governo, teriam sido retiradas cerca de 100 mensagens. Isso faz crer que o ato do governo teve mais um caráter intimidatório e punitivo contra adversários do que propriamente para abafar a crise – o que seria praticamente impossível, a não ser que as redes sociais fossem tiradas do ar.

Na ordem de remoção, o Ministério da Informação disse: 

“Em vista do uso indevido de mídia social por certos usuários para espalhar informações falsas sobre a situação do Covid usando imagens visuais não relacionadas / antigas / fora de contexto, informações erradas sobre os protocolos da Covid, o Ministério de Eletrônica e TI (MeitY) pediu às plataformas de mídia social para remover cerca de 100 posts.
Esta decisão foi tomada para prevenir obstruções na luta contra a pandemia e manter a ordem pública.”
Conteúdo removido

Muitos dos tuítes removidos tinham conteúdo relacionado à falta de remédios e de vagas, às cremações em massa e à aglomeração de multidões em meio à pandemia. Parte do material agora off-line na Índia destacou com imagens fortes a contradição entre os comícios de Modi e as chamas das piras funerárias.

As mensagens retiradas, cujo conteúdo foi divulgado, confirmam a impressão de motivação política. O post do parlamentar Revanth Reddy dizia que a Índia estava tendo mais de 200 mil novos casos do vírus por dia e que o sistema de saúde estava entrando em colapso, junto com a imagem de uma cremação em massa.

A mensagem de um ministro do Estado de Bengala Ocidental, Moloy Ghatak, dizia que a Índia “nunca perdoaria” o primeiro-ministro por ter subestimado a seriedade da pandemia e exportado doses de vacina para outros países. 

O ator Vineet Kumar Singh criticou os comícios políticos realizados em meio à pandemia e tuitou que estava em Varanasi, onde era difícil conseguir medicamentos. 

Também tiveram postagens removidas o cineasta Avinash Das e Vinod Kapri, um ex-jornalista. Ele fez um tweet sobre as cremações em massa com um vídeo de um campo de cremação. E disse que a promessa do governo de fazer mais shmashānas (campos de cremação hindu) havia sido cumprida. 

Kapri confirmou ao MediaNama que recebeu um aviso do Twitter de que sua postagem havia sido restringida na Índia. Três outros usuários confirmaram o recebimento de tais e-mails também. O ativista Pieter Friedrich publicou o aviso do Twitter em sua conta. 

Ajuda humanitária nas redes sociais 

A pressão contra as plataformas digitais na Índia acontece no momento em que seu valor em momentos de crise fica mais uma vez evidenciado. As pessoas passaram a recorrer às plataformas para procurar e compartilhar a disponibilidade de leitos hospitalares, cilindros de oxigênio e medicamentos.