Referência para a indústria de notícias, o New York Times está mudando uma tradição de 50 anos, em sintonia com os tempos de digitalização cada vez maior de seu jornalismo. A partir de hoje, artigos de articulistas e comentaristas que não fazem parte da equipe da redação deixam de se chamar Op-Eds e viram Guest Essays (ensaios de convidados).
O termo Op-Ed foi adotado quando o jornal decidiu, em 1970, criar uma seção para dar espaço ao pluralismo de ideias. Ele refletia a posição da seção, que era publicada na página oposta à dos editoriais do jornal. E acabou passando a fazer parte do jargão do jornalismo em língua inglesa.
Kathleen Kingsbury, editora de opinião do New York Times, explicou em artigo publicado na segunda-feira (26/4) o que levou o jornal a quebrar a tradição:
“A razão é simples: no mundo digital, em que milhões de leitores do Times leem o jornal online, não existe um Op-Ed geográfico, assim como não existe um Ed geográfico para o Op-Ed ser oposto. É uma relíquia de uma era passada e de um design de jornal impresso antigo.”
A mudança, segundo o jornal, simboliza os tempos da digitalização do jornalismo. E também uma tentativa de aproximação maior com o leitor, abolindo jargões na busca de uma linguagem mais clara e direta com o público. A novidade foi notícia em jornais de vários países nessa terça-feira.
Motivação financeira
O site Politico diz que a digitalização é a oportunidade, mas que o verdadeiro motivo da mudança é financeiro: para vender os artigos de opinião em mais uma newsletter digital oferecida ao leitor. O autor do artigo, Jack Shafer, diz:
“O anúncio do New York Times pode ser lido como a mais recente despedida à sua forma impressa, enquanto continua sua metamorfose digital. Você ainda será capaz de ler artigos de opinião no jornal, mas a história real não é sobre o Times indo de Op-Ed para Guest Essay, mas de Op-Ed para ultradigital.”
Pesquisa do nome com leitores
O novo nome foi testado previamente. O jornal fez pesquisas com leitores para avaliar a aceitação do termo Guest Essay.
Segundo Kingsbury, eles compreenderam intuitivamente a ideia para mostrar a relação entre os articulistas convidados e o jornal, “refletindo a intenção de mostrar uma ampla gama de vozes e pontos de vista”.
Seção surgiu em 1970
No artigo, a editora de opinião relembrou a história da seção, lançada em setembro de 1970 para acomodar ideias e pontos de vista diversificados, “fora dos muros do The Times”, estimulando o pensamento e provocando a discussão de problemas da sociedade.
De tão importante, a nova seção chegou a ter edições comemorativas em seus aniversários, como os de 20 e 40 anos. Segundo Kingsbury, no início os editores ficaram em dúvida sobre se alguém iria querer contribuir. Mas a resposta não poderia ser mais positiva. No quadragésimo aniversário, o jornal contabilizou quase 15 mil páginas de Op-Ed desde a criação do espaço.
Fascínio das opiniões conflitantes
A editora aproveitou para valorizar o que chamou de “fascínio de opiniões conflitantes bem apresentadas”:
“Como Herbert Bayard Swope, editor do jornal New York World na década de 1920 e pioneiro no conceito de página de opinião, disse certa vez: “Nada é mais interessante do que a opinião quando a opinião é interessante.”
Ou nas palavras de John B. Oakes, um antigo predecessor dela, que impulsionou a criação do Op-Ed:
“A diversidade de opinião é a força vital da democracia. (…) No minuto em que começamos a insistir que todos pensem da mesma maneira que pensamos, nosso modo de vida democrático está em perigo.”
Diferença entre opiniões nas redes e no jornal
Kingsbury salientou o que vê como a diferença entre opiniões manifestadas nas redes sociais e em um jornal:
“Todo mundo tem seu meio de comunicação – no Facebook, no Substack e no Twitter. Isso é bem-vindo, mesmo que o volume de vozes às vezes seja opressor.
O que está desaparecendo, porém, são os espaços onde as vozes podem ser ouvidas e respeitadas, onde as ideias podem durar um pouco, serem avaliadas seriamente, interrogadas e então florescer ou perecer.”
Fim do jargão busca linguagem direta
Kingsbury destacou ainda uma questão que foi observadana última pesquisa do Instituto Reuters sobre confiança na imprensa: a falta de conhecimento do público sobre o funcionamento do jornalismo. Ela enfatizou que alguns termos como Op-Ed são, por natureza, jargões de jornais. A medida reflete o esforço para serem mais inclusivos na explicação de como e por que o jornal faz seu trabalho.
“Em uma era de desconfiança na mídia e confusão sobre o que é jornalismo, acredito que as instituições – mesmo aquelas com muitas tradições – atendem melhor a seu público com uma linguagem direta e clara. Não gostamos de jargão em nossos artigos e não o queremos acima deles também.”
Em 2020, Op-Ed de senador causou revolta dos leitores
O site Politico diz que o New York Times espera que o rótulo “Guest Essay” erga uma barreira de proteção caso venha a publicar artigos de convidados tão controversos quanto o Op-Ed do senador republicano Tom Cotton. No texto, publicado em junho de 2020, ele defendia a invasão de cidades dos Estados Unidos com tropas militares.
Além de uma revolta dos leitores, o artigo do senador forçou a renúncia do então editor de opinião, James Bennet. Isso deu oportunidade à ascensão de Kingsbury, que está promovendo a mudança para evitar que ela própria seja vítima de nova confusão desse tipo, no momento em que no anúncio da aposentadoria do termo Op-Ed, ela convida os leitores a pagarem pela assinatura do boletim informativo “Opinion Today”.
Potencial de assinatura do boletim de opinião
O site afirma que com o boletim informativo de opinião, o jornal espera impulsionar as vendas de assinaturas como fez com seus aplicativos de culinária, jogos e áudio. E apresenta dados que demonstram que nos primeiros seis meses do ano passado o New York Times arrecadou US$ 25,1 milhões com seus produtos autônomos de assinatura, 60% a mais do que os US$ 15,7 milhões do ano anterior.
E o potencial comercial de um boletim informativo de opinião do Times é real, avalia o site, que cita o potencial de atratividade mensurado pelo especialista Adam Piore em artigo para a Columbia Journalism Review no ano passado:
“A seção de opinião estava produzindo menos de 10% da produção total do New York Times, mas seus artigosrepresentavam 20% do volume total lido pelos assinantes.”
O crescimento das assinaturas
O Politico diz que a newsletter de opinião se alinha com a estratégia do New York Times de usar as mais de 70 newsletters diferentes que oferece para vender assinaturas para novos leitores. Segundo o site, elas são recebidas por 28 milhões de pessoas, que em 2020 abriram mais de 3,6 bilhões de e-mails para acessá-las.
Dos 7,5 milhões de assinantes do Times, o site ressalta que 90% deles (6,69 milhões) são apenas digitais. E que o jornal espera aumentar esse número dez vezes, segundo declaração em fevereiro deste ano da CEO da New York Times Co., Meredith Kopit Levien:
“Com um bilhão de pessoas lendo notícias digitais e com base na estimativa de que 100 milhões de leitores em inglês estariam dispostos a pagar por isso, não é difícil imaginar que, com o tempo, a base de assinantes do Times poderia ser substancialmente maior do que onde estamos hoje.”
O esforço parece estar sendo bem compreendido pelos leitores. O New York Times fechou o ano da pandemia celebrando a conquista de 2,3 milhões de assinantes novos.
Leia também
https://mediatalks.com.br/2021/04/22/estudo-do-instituto-reuters-sobre-confianca-na-imprensa/
https://mediatalks.com.br/2021/04/15/jornalismo-digital-o-jornal-que-saiu-do-online-para-o-papel/
https://mediatalks.com.br/2021/04/21/daily-mail-processa-google-por-concorrencia-desleal/