Por  Mark Coddington, professor e pesquisador na Washington and Lee Univertity, e Seth Lewis, professor e pesquisador na University of Oregon

Em uma era digital dominada por mรญdias mรณveis e sociais, um estudo da revista New Media & Society que ouviu 488 consumidores de notรญcias na Argentina, Finlรขndia, Israel, Japรฃo e Estados Unidos – um dos maiores trabalhos dessa natureza – perguntou por que as pessoas ainda recebem um jornal impresso. Os resultados sugerem que temos pensando sobre esta questรฃo da maneira errada.

Foco centrado na mรญdia ignora como ela รฉ experimentada

Na maioria das pesquisas na รกrea da comunicaรงรฃo – e em grande parte dos debates da indรบstria de mรญdia sobre a transformaรงรฃo do consumo das notรญcias -, muita รชnfase รฉ colocada em fatores “centrados na mรญdia”, como conteรบdo e tecnologia. Elas tentam, por exemplo, investigar como as pessoas respondem a diferentes tipos de informaรงรฃo, ou sobre como as plataformas podem influenciar as experiรชncias que as pessoas tรชm e as preferรชncias que expressam sobre o uso da mรญdia.

No entanto, os autores desse estudo argumentam, com base em seu extenso conjunto de entrevistas, que o foco “centrado na mรญdia” nรฃo permite descobrir como a mรญdia รฉ realmente experimentada pelas pessoas no dia a dia. Com base nessa nova perspectiva adotada por eles, os que estudam jornalismo e comunicaรงรฃo podem compreender melhor como os processos de mรญdia e da vida cotidiana estรฃo interligados.  

Interaรงรฃo com vida cotidiana explica persistรชncia das velhas mรญdias

Alรฉm disso, ao focar na experiรชncia tรกtil, social e ritual do jornal impresso, em vez de focar nas substituiรงรตes digitais brilhantes que recebem a maior parte da atenรงรฃo, o estudo oferece um lembrete importante:

Vale a pena examinar como e por que โ€œvelhasโ€ mรญdias (e os rituais ligados a elas) tendem a ser teimosamente persistentes.

Sim, isso tem acontecido mesmo durante os perรญodos em que as โ€œnovasโ€ mรญdias estรฃo em ascensรฃo. Afinal, observa o estudo, โ€œainda hรก uma parcela considerรกvel da populaรงรฃo que lรช jornal impresso e consome os meios de comunicaรงรฃo. Compreender suas prรกticas pode ajudar a iluminar a dinรขmica de recepรงรฃo da mรญdia.

Jornal para acender a churrasqueira ou a sauna

Os autores โ€“ uma equipe multinacional composta por Pablo J. Boczkowski, Facundo Suenzo, Eugenia Mitchelstein, Neta Kligler-Vilenchik, Keren Tenemboim-Weinblatt, Kaori Hayashi e Mikko Villi – abrem seu artigo com os casos de dois homens, um na Argentina e a outra na Finlรขndia.

Eles recebem regularmente o jornal impresso, mas nรฃo exatamente pelas notรญcias: em vez disso, รฉ para acender o fogo do churrasco (na Argentina) ou comeรงar a aquecer o fogรฃo a lenha da sauna (na Finlรขndia). 

โ€œApesar dos quase 13 mil km que os separamโ€, escrevem os autores, โ€œhรก um ponto em comum entre as prรกticas de Josรฉ e Antero: a apropriaรงรฃo do jornal estรก ligada a prรกticas nรฃo noticiosas que podem parecer triviais para alguns estudiosos. 

Essa semelhanรงa รฉ crucial para responder ร  pergunta de como e por que as pessoas ainda recebem jornais impressos nesta era de comunicaรงรฃo mรณvel dominada pelas mรญdias sociaisโ€.

Trรชs fatores se destacam na recepรงรฃo das notรญcias

O estudo envolveu cinco paรญses com diferenรงas culturais, geogrรกficas e lingรผรญsticas importantes, mas tambรฉm com governos democrรกticos e uma penetraรงรฃo da Internet relativamente alta. 

A conclusรฃo ressalta os trรชs fatores que influenciam a recepรงรฃo da mรญdia que se destacaram nas entrevistas: acesso, sociabilidade e ritualizaรงรฃo.

+ Leia mais: A incrรญvel histรณria do jornal que nasceu online e vai ganhar versรฃo impressa

O acesso 

Primeiro, o acesso ao jornal impresso variou amplamente de paรญs para paรญs. 

โ€œPor um lado, os entrevistados em Israel nรฃo mencionavam ter uma assinatura ou comprar habitualmente exemplares avulsos na banca de jornal. Em vez disso, eles recebem jornais trazidos por outra pessoa ou os acessam como parte de uma atividade nรฃo relacionada ร  mรญdia”, diz o estudo.

Na outra extremidade, os entrevistados no Japรฃo descreveram uma sรฉrie de opรงรตes de acesso muitas vezes vinculadas ร  compra de jornal impresso, incluindo vรกrias assinaturas domiciliares, sua onipresenรงa nos locais de trabalho e a facilidade de acesso em espaรงos de terceiros. Enquanto isso, participantes da Argentina, Finlรขndia, e dos EUA se posicionaram entre esses extremos. 

Mas os autores descobriram que as questรตes de acesso sรฃo independentes das questรตes de conteรบdo e tecnologia. Em vez disso, estavam conectadas a hรกbitos culturais mais amplos, dinรขmicas de mercado ou outros padrรตes estruturais nรฃo vinculados ร  prรณpria mรญdia. 

A sociabilidade

No que diz respeito ร  segunda dimensรฃo – sociabilidade – o estudo revelou โ€œa presenรงa de dinรขmicas geracionais e de gรชnero no que se refere ร  escolha e a prevalรชncia da leitura individualโ€. 

Mais uma vez, esses padrรตes nรฃo sรฃo vinculados ao conteรบdo ou ร  tecnologia. Os autores demonstram que sรฃo decorrentes de forรงas estruturais, como tradiรงรตes familiares, culturas nacionais e, em alguns casos, “a persistรชncia de tendรชncias patriarcais maiores que moldam a seleรงรฃo de mรญdia” (por exemplo, crianรงas lendo o que seu pai lhe dรก para ler). 

โ€œIsso, por sua vez, ajuda a colocar em uma perspectiva conceitual mais ampla a descoberta comum de que a idade e o gรชnero influenciam o consumo de jornais: o poder desses fatores deriva de como eles ajudam a estruturar a vida diรกria em geral, ao invรฉs da recepรงรฃo da mรญdia em particular”.

A ritualizaรงรฃo

Finalmente, no que diz respeito ร  ritualizaรงรฃo, os autores descobriram que os entrevistados tรชm “vidas cotidianas altamente ritualizadas”. Isso nรฃo รฉ uma surpresa real por si sรณ, mas serve como um lembrete de que as pessoas โ€œenvolvem sua recepรงรฃo da mรญdia nesses rituaisโ€. 

Como o estudo deixa claro: โ€œas pessoas visitam cafeterias e leem o jornal impresso que encontram lรก como parte da experiรชncia – mas elas nรฃo vรฃo a cafeterias principalmente para fazer isso.”

Da mesma forma, os jovens entrevistados visitam seus pais como parte da rotina familiar e leem o jornal que encontram em suas casas – mas nรฃo visitam seus pais principalmente para obter as notรญcias.

Notavelmente, no entanto, foram os entrevistados mais velhos que se revelaram mais propensos a ter โ€œsedimentadoโ€ em seus rituais cotidianos certos costumes de sentir, tocar e ler jornais, o que indica como a interaรงรฃo do ritual diรกrio e da recepรงรฃo da mรญdia pode ser incorporada ao longo do tempo.

No geral, tanto na anรกlise da mรญdia antiga quanto da nova, ao retirar o foco do conteรบdo e da tecnologia e deslocรก-lo para as experiรชncias mais amplas das pessoas, podemos descobrir fatos que a pesquisa centrada nesses fatores pode ter perdido sobre a interaรงรฃo da mรญdia na vida cotidiana.

 

                                                                              Este artigo foi republicado em MediaTalks mediante autorizaรงรฃo dos autores. 


Leia tambรฉm:

https://mediatalks.com.br/2021/04/22/estudo-do-instituto-reuters-sobre-confianca-na-imprensa/