Depois de desmascarar o tabloide sensacionalista New York Post por ter publicado uma matรฉria falsa contra a Vice-Presidente americana Kamala Harris, o Washington Post passou de estilingue a vidraรงa e teve que se retratar por uma informaรงรฃo falsa veiculada no prรณprio jornal.  A mesma informaรงรฃo foi publicada em seguida pela rede de TV NBC News e pelo jornal The New York Times, que tambรฉm tiveram que corrigir o erro, mostrando que o risco de manipulaรงรฃo por fontes existe mesmo em veรญculos com tradiรงรฃo de bom jornalismo e profissionais experientes. 

A matรฉria que deu origem ร  histรณria, corrigida dois dias depois, foi publicada no dia 29 de abril no Washington Post. O jornal revelou que a rede de TV conservadora One America News e Rudy Giuliani, advogado de Donald Trump, tinham sido avisados pelo FBI que estariam sendo manipulados em favor de uma operaรงรฃo de desinformaรงรฃo russa contra o presidente Joe Biden. 

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Desmentidos imediatos

Logo depois de a informaรงรฃo vir ร  tona, Giuliani negou ter recebido qualquer briefing do FBI sobre o tema. Na mesma linha, o presidente da One America News, Charles Herring, afirmou que a rede nunca foi contatada pelo FBI “a respeito da Ucrรขnia”.

A informaรงรฃo, atribuรญda a uma fonte nรฃo identificada, dava conta de que Giuliani teria recebido um briefing do FBI antes das eleiรงรตes presidenciais de 2020. No briefing, ele teria sido alertado de que estaria utilizando informaรงรตes deturpadas pela inteligรชncia russa para difamar o entรฃo candidato Joe Biden por um suposto favorecimento ao seu filho Hunter Biden, quando ele ocupava um assento no conselho de uma empresa ucraniana de energia.

Na matรฉria do Washington Post, o jornal explica que os briefings defensivos sรฃo ministrados pelo FBI a autoridades para alertรก-las de que estรฃo sendo alvos de governos estrangeiros para propรณsitos prejudiciais aos Estados Unidos. 

Alรฉm de Giuliani, o Washington Post informou que o senador republicano Ron Johnson, aliado de Trump, tambรฉm teria sido submetido a um briefing desse tipo e publicou a confirmaรงรฃo dele recebida:

โ€œCom relaรงรฃo a relatos de que recebi um briefing do FBI me avisando que eu era um alvo da desinformaรงรฃo russa, posso confirmar que recebi tal briefing em agosto de 2020. 

Como o briefing nรฃo tinha substรขncia, suspeitei que estava sendo dado para ser usado em alguma data futura para o propรณsito que estรก sendo agora usado: para oferecer ร  mรญdia tendenciosa uma oportunidade de me acusar falsamente de ser uma ferramenta da Rรบssia, apesar dos avisos.โ€

Washington Post foi o primeiro a corrigir

A correรงรฃo do Washington Post gerou repercussรฃo nas redes sociais. Oliver Darcy, da CNN, foi um dos que chamou atenรงรฃo para a “grande retrataรงรฃo” do jornal, um dos mais importantes dos Estados Unidos e de todo o mundo. 

Ao contrรกrio do afirmado na matรฉria original, a versรฃo corrigida do jornal passou a informar que os funcionรกrios do FBI “planejaram alertar” Guiliani e a OAN. A versรฃo original dizia:

O aviso, feito por agentes de contra-espionagem, foi separado da investigaรงรฃo criminal em andamento do Departamento de Justiรงa, mas reflete uma preocupaรงรฃo mais ampla da inteligรชncia dos EUA e dos investigadores federais de que Giuliani – entre outros americanos influentes e instituiรงรตes americanas – estava sendo manipulado pelo governo russo para promover seus interesses e que ele parece ter descaradamente desconsiderado tais temores.”

O parรกgrafo corrigido passou a informar:  

O plano para alertar os alvos em potencial foi separado da investigaรงรฃo criminal em andamento do Departamento de Justiรงa de Giuliani, mas reflete uma preocupaรงรฃo mais ampla da inteligรชncia dos EUA e dos investigadores federais de que ele – entre outros americanos influentes e instituiรงรตes americanas – estava sendo manipulado pelo governo russo para promover seus interesses.”

Em outra parte da matรฉria, mais uma correรงรฃo. Na versรฃo original o jornal publicou:

โ€œApesar do alerta, Giuliani avanรงou em dezembro de 2019 com uma viagem planejada para Kiev, capital da Ucrรขnia, onde se encontrou com um parlamentar ucraniano que o governo dos Estados Unidos posteriormente rotulou de ‘um agente russo ativo’ e aplicou sanรงรตes por estar exercendo uma ‘influรชncia na campanha’ contra Biden โ€.

Na versรฃo corrigida, foi retirada a expressรฃo “apesar do alerta”. Giuliani de fato esteve na Ucrรขnia naquele mรชs em busca de informaรงรตes que poderiam interferir na corrida presidencial, enquanto pressionava sem sucesso as autoridades locais a abrir um inquรฉrito contra Biden. Ele fez uma sรฉrie de encontros, inclusive com o parlamentar Andriy Derkach, mas disse posteriormente que nรฃo sabia que ele estaria ligado ร  inteligรชncia russa.

Durante a viagem, Giuliani foi acompanhado por uma equipe da emissora OAN, que produziu uma sรฉrie de documentรกrios, inclusive com Derkach. Mas a rede alega que essa entrevista foi anterior ร  revelaรงรฃo de que o parlamentar ucraniano atuaria como agente russo.

Em marรงo, jรก no governo Biden, as agรชncias de inteligรชncia norte-americanas divulgaram um relatรณrio afirmando que altos funcionรกrios de Moscou tentaram influenciar as eleiรงรตes de 2020 espalhando informaรงรตes enganosas sobre o presidente por meio de indivรญduos proeminentes, โ€œincluindo algunsโ€ que eram โ€œprรณximos ao ex-presidente Trumpโ€.

NBC reconhece erro, mas ressalta que Washington Post foi o primeiro a publicar

O erro repercutiu tambรฉm na NBC News, que depois da veiculaรงรฃo da matรฉria do Washington Post publicou:

“FBI preparou um briefing para Giuliani alertando que ele era alvo de espiรตes russos”

Depois da retrataรงรฃo do Post, a NBC atualizou sua matรฉria com o seguinte subtรญtulo: 

“Mas o briefing nรฃo foi entregue, devido ao receio de que isso pudesse complicar a investigaรงรฃo criminal sobre o ex-prefeito de Nova York.”

Na atualizaรงรฃo, a NBC informa que o Washington Post havia sido o primeiro a revelar que Giuliani havia sido avisado pelo FBI, mas que o jornal havia corrigido o seu artigo, retirando a notรญcia de que ele teria recebido o alerta.

Acompanhando o caso, Oliver Darcy tuitou a correรงรฃo da NBC News.

New York Times tambรฉm teve que se corrigir, mas inicialmente nรฃo apontou o erro

A informaรงรฃo falsa tambรฉm foi publicada pelo New York Times, mas nรฃo como principal destaque, apenas no texto de uma matรฉria veiculada no mesmo dia da publicada pelo Washington Post.

Na reportagem original do NYT, centrada no fato de que a demissรฃo da embaixadora dos Estados Unidos na Ucrรขnia estaria no centro da investigaรงรฃo de Giuliani, o erro constava no seguinte parรกgrafo:

“O FBI intensificou suas advertรชncias sobre a desinformaรงรฃo russa antes da eleiรงรฃo de 2020, incluindo um briefing defensivo para Giuliani advertindo-o de que algumas das informaรงรตes que ele estava falando sobre a famรญlia Biden haviam sido deturpadas pelos esforรงos da inteligรชncia russa para espalhar a desinformaรงรฃo, segundo uma fonte ligada ao assunto.”

 A correรงรฃo do NYT foi feita no mesmo dia em que foi realizada a do Washington Post. Sem que a atualizaรงรฃo fosse apontada aos leitores, o parรกgrafo original ficou assim:

 “Altos funcionรกrios advertiram Trump no final de 2019 que Giuliani estava promovendo a desinformaรงรฃo russa, e a comunidade de inteligรชncia advertiu o pรบblico americano de que os serviรงos de inteligรชncia de Moscou estavam tentando prejudicar as chances de Biden nas eleiรงรตes, divulgando informaรงรตes sobre o trabalho de sua famรญlia na Ucrรขnia.”

Acompanhando o caso, Oliver Darcy foi o primeiro a chamar a atenรงรฃo para o fato de que o New York Times fizera a correรงรฃo, mas sem se retratar perante os leitores:

Em seguida, ele informou que o New York Times adicionara na matรฉria atualizada o devido aviso reconhecendo o erro e apontando a correรงรฃo realizada:

Sobre a demora na publicaรงรฃo da mensagem de correรงรฃo, Oliver Darcy publicou a explicaรงรฃo dada em seguida por um porta-voz do New York Times:

“Decidimos atualizar a matรฉria o mais rapidamente possรญvel para parar de perpetuar a informaรงรฃo incorreta enquanto revisรกvamos o texto da correรงรฃo”.

Um episรณdio como esse nรฃo tem o poder de abalar a reputaรงรฃo de um dos mais combativos jornais americanos, cรฉlebre por ter revelado ao mundo o escรขndalo de Watergate, que resultou na queda do presidente Richard Nixon, na dรฉcada de 70. E que ao ser comprado pelo bilionรกrio Jeff Bezos em 2013, conseguiu se reerguer financeiramente e se tornou um dos mais inovadores do mundo. 

Mas o caso acende a luz amarela para os riscos de se acreditar demais em fontes, por mais confiรกveis que pareรงam. E em se tratando de um jornal que tem como slogan “Democracy dies in darkness” (democracia morre na escuridรฃo), o constrangimento รฉ ainda maior. 

 

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