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Jornalismo de soluções pode ser o caminho para engajar audiência, mostra pesquisa

Jornalismo de soluções

Foto: Bruce Mars / Unsplash

A fadiga de notícia, fenômeno detectado por várias pesquisas que mostram o aumento de pessoas distanciando-se do noticiário por causa do excesso de matérias negativas, não é um problema sem solução. E a solução pode estar justamente no chamado jornalismo de soluções, que em vez de apontar só o lado ruim de um fato apresenta como a situação pode ser resolvida.

A oportunidade de engajar mais leitores com uma abordagem propositiva nas matérias foi confirmada por uma nova pesquisa feita nos Estados Unidos, mostrando que mais da metade (51%) das pessoas disse preferir o jornalismo de soluções. O número é bem maior do que a parcela de 32% que se contenta com as matérias focadas nos problemas.

O estudo inédito, batizado de #newsthatworks, foi realizado pela consultoria de mídia americana SmithGeiger, com base em uma pesquisa de campo em seis cidades do país em setembro de 2020. 

A preferência é tão flagrante ao ponto de o presidente da consultoria, Seth Geiger, afirmar que o jornalismo de soluções é a oportunidade para veículos interessados em assumir a liderança de seus mercados locais:

“O jornalismo de soluções distingue uma redação. Ele realmente infunde um ponto significativo de diferenciação, criando mais apelo, impacto e engajamento.”

O estudo ouviu 638 telespectadores das estações locais de TV de Chicago, Portland, Cleveland, Kansas City, Austin e Phoenix. Ele mostrou que 42% dos entrevistados acreditam que as matérias de soluções ajudam a fazer diferença na comunidade, enquanto apenas 25% acham o mesmo das reportagens focadas apenas nos problemas.

 

Os respondentes também disseram que as reportagens que identificam soluções têm mais chances de mudar o seu entendimento do problema e isso é motivo para preferir uma determinada emissora e assisti-la com mais frequência. Quatro em cada dez dos entrevistados considera essencial que as estações locais cubram os problemas de suas comunidades juntamente com as soluções, e essa parcela dobra acrescentando-se os que consideram isso importante.  

Os resultados foram consistentes independentemente de idade, gênero, convicções políticas ou cidade de moradia dos entrevistados. Segundo Andrew Finlayson, vice-presidente da SmithGeiger, os resultados mostram como o jornalismo de soluções pode fortalecer as notícias locais e que isso transcende a TV:

“Reportagens de soluções são valiosas para todas as plataformas e veículos. Elas falam para um público mais amplo e são a oportunidade para o jornalismo mudar.” 

Por que jornalismo de soluções funciona?

Pense no que tem sido publicado no último ano a respeito de sua cidade: algumas reportagens voltam a focar no mesmo problema, que até parecem repetidas. Por exemplo, as mortes não elucidadas de policiais ou criminosos em conflitos.

Ou matérias sobre a empresa poluidora do rio local. E se em vez de apenas reprisar as matanças as matérias mostrassem como o uso de câmeras afixadas nos uniformes dos policiais ajuda a esclarecer o que realmente aconteceu? Ou apresentassem o que outras cidades estão fazendo para a recuperação de seus rios e a legislação ambiental que utilizam para incentivar as empresas a avançarem na questão?

Isso é o jornalismo de soluções. O que levanta não apenas os problemas, mas aponta caminhos para ajudar a transformar a vida das pessoas, uma das principais missões do bom jornalismo. A pesquisa mostrou que apontar um problema sem fornecer um caminho potencial para resolvê-lo deixa o espectador com um sentimento que varia da frustração ao aborrecimento. Já as matérias que mostram possíveis saídas despertam esperança, mais envolvimento e motivação para a ação.

Ele também pode ser usado como elemento de diferenciação. Por exemplo, uma das razões pelas quais as pessoas assistem às notícias locais é a previsão do tempo. Na hora de anunciar uma ameaça de inundação, Finlayson sugere que os espectadores também ouçam”algumas das coisas que poderiam ser feitas para atenuá-la”, como obras necessárias para o escoamento das águas.

2021, o Ano das Soluções

Diante dos resultados, Seth Geiger, presidente da consultoria autora do estudo, chama 2021 de o “Ano das Soluções”:

“O jornalismo de soluções é o jornalismo de hoje. O público busca desesperadamente esperança e segurança, quer a sensação de que as coisas podem melhorar. Mais do que em qualquer outro momento da história recente, este é um momento para soluções.”

Jornalismo de soluções gera mais confiança

Os pesquisadores perguntaram o que estava faltando nas notícias. A resposta mais comum era a de que elas não gastam o tempo suficiente para explicar toda a história.

“Isso é algo que não teríamos visto neste grau antes da pandemia”, diz Geiger.

Segundo ele, o público identifica as reportagens de soluções como mais profundas e abrangentes do que as que só apresentam os problemas, e isso é o diferencial para que o jornalismo de soluções construa mais confiança. Mais de oito em cada dez dos entrevistados disseram confiar nas matérias de soluções, enquanto esse percentual cai para 55% entre os que confiam nas matérias que apresentam só os problemas.

Os entrevistados disseram que a prática mais importante para a construção de confiança era “contar toda a história”. Andrew Finlayson, vice-presidente da SmithGeiger, explica que como o jornalismo de soluções olha para caminhos de vários ângulos, com uma variedade de vozes, é percebido como mais imparcial:

“Com o jornalismo de soluções, os veículos podem ajudar toda a sua comunidade a resolver problemas. Isso dará uma vantagem única a quem verdadeiramente demonstrar isso todos os dias.”

+ Leia mais: Instituto Reuters aponta caminhos para resgate da confiança na imprensa

Preferência em todas as faixas etárias

A parcela das pessoas que preferem as matérias de soluções é maior do que as que preferem a abordagem tradicional em todas as faixas etárias. Entre os mais jovens, na faixa dos 18 aos 24 anos, a maioria (52%) prefere o jornalismo de soluções, o que mostra um caminho para a conquista de novos leitores e espectadores para os veículos. É também a faixa que mostra um dos menores índices de pessoas sem preferência.

Para Geiger, o fato gera uma grande oportunidade:

“Esta é a chance de envolver um público mais jovem nas notícias locais de forma mais eficaz do que por meio da abordagem somente do problema”.

A faixa com menor preferência pelo jornalismo de soluções é a mais velha, entre 45 e 54 anos, em função do alto índice dos que declaram não preferência, talvez por estarem mais acostumados com a abordagem tradicional.

Mais apelo das matérias

Os entrevistados disseram que sentiram maior apelo por parte das matérias de soluções. Além da nova abordagem para o problema, eles as consideraram mais profundas, com mais foco no que importa e descrevendo melhor a situação.

Também contribui para maior apelo o fato de as reportagens de soluções serem consideradas mais interessantes e com tom menos perturbador. Quase o dobro dos entrevistados descreveu o jornalismo de soluções como mais “edificante” em comparação com a abordagem tradicional.

Mais engajamento do público com o veículo

Por apresentar uma perspectiva única, representando uma mudança em relação à abordagem que só apresenta o problema, os entrevistados disseram que o jornalismo de soluções os incentiva a querer assistir a mais notícias locais e a acompanhar com mais frequência uma determinada estação.

Mais impacto e inspiração na vida pessoal

O jornalismo de soluções gera mais impacto pessoal, segundo os entrevistados. Quase nove em cada dez dos entrevistados disseram que uma matéria de soluções conseguiu deixar uma impressão inicial positiva sobre eles.

O jornalismo de soluções capacita o público. Os respondentes disseram que se sentiram mais inspirados a se envolver com o problema, a pesquisar online para saber mais e a falar com os outros sobre as questões, a partir de seu melhor entendimento do tema, o que levou Finalyson a comentar:

“Motivar essa ação pessoal é o que muitas redações almejam. Em um dos maiores elogios possíveis para um veículo, as histórias de soluções são as que mais motivaram as pessoas a comentá-las com as outras.”

Ele acrescenta que as matérias de soluções têm mais longevidade do que as demais:

“As pessoas compartilham uma reportagem de soluções e comentam sobre ela de uma forma que não fazem com as outras. Se colocadas corretamente online, são acessadas por semanas ou meses.”

Mais relevância

Normalmente, as histórias locais não causam muito interesse fora de sua região. Mas Finalyson enfatiza que isso não acontece com as histórias locais de soluções, já que as pessoas podem não se interessar pelos problemas de outras cidades, mas estão interessadas nas soluções que podem funcionar para elas:

“Se um jornal de Cleveland publicou uma matéria com uma solução para um problema, um repórter de Cincinnati pode republicar trechos da reportagem, perguntando às autoridades de sua cidade: por que vocês não estão tentando isso?”

Consistência e comprometimento 

Finlayson reconhece a liderança das breaking news na mobilização da audiência. Mas ressalta que há muitos problemas de longo prazo que são perfeitamente adequados para a aplicação do jornalismo de soluções:

“Temos a oportunidade de fazer isso todos os dias, se escolhermos as pautas certas – tudo, desde escolas, ao crime ou à falta de moradia.”

Mas ele ressalta que para o público associar uma organização de notícias a soluções esse tipo de jornalismo precisa ser rotulado, e deve ser uma prática diária:

“Qualquer redação que invista tempo nessa área colherá os benefícios em audiência, reputação da marca e ligação com a comunidade. Se você pensar em prioridades, outros investimentos podem não fazer tanta diferença para o seu sucesso a longo prazo quanto ter um compromisso consistente com o jornalismo de soluções”.

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