As plataformas digitais globais estรฃo sendo acusadas por ONGs de censurar conteรบdo palestino nas mรญdias sociais. O problema nรฃo รฉ novo, mas teria se agravado durante a onda recente de conflitos em Gaza, depois que aumentou o uso das redes por ativistas e cidadรฃos para relatar o que vem ocorrendo na regiรฃo, mobilizar manifestantes e sensibilizar a opiniรฃo pรบblica internacional. 

A Access Now, presente em 13 paรญses e que defende os direitos humanos na internet, diz ter recebido centenas de relatos de remoรงรฃo de postagens e de contas, bloqueio de transmissรตes ao vivo e supressรฃo de hashtags contrรกrias aos atos de Israel.

E o Centro รrabe para o Desenvolvimento da Mรญdia Social (7amleh) divulgou na รบltima sexta-feira (21/5) um relatรณrio documentando 500 violaรงรตes dos direitos digitais na Palestina entre os dias 6 e 21 de maio. 

Segundo o levantamento, cerca de 50% do conteรบdo removido foi no Instagram. Em seguida veio o Facebook (35%), seguido por Twitter (11%) e TikTok (1%).  O 7amleh afirma que, na maioria dos casos, as empresas de mรญdia digital nรฃo deram uma justificativa clara para a exclusรฃo de conteรบdo ou suspensรฃo de contas que tinham conteรบdo sobre os conflitos em Gaza. 

Direitos digitais foram massivamente violados na Palestina desde o comeรงo de maio, aponta relatรณrio

O levantamento mostra que quase metade dos incidentes no Instagram (46%) ocorreu sem prรฉvio aviso ou notificaรงรฃo aos usuรกrios sobre exclusรฃo de conteรบdo, e em 20% dos casos nรฃo foi informado o motivo da restriรงรฃo. Em 11% dos casos, os usuรกrios foram informados de que o conteรบdo foi considerado discurso de รณdio pelo Instagram e em 10%, que o conteรบdo foi contra os padrรตes da comunidade.

Os 13% restantes variaram entre termos do Instagram, padrรตes da comunidade, organizaรงรตes perigosas, violaรงรฃo de direitos autorais, necessidade de identificaรงรฃo, violรชncia ou incitaรงรฃo, contas comprometidas e erros.

O Centro sustenta que muitos desses casos estรฃo relacionados ร  Unidade Cibernรฉtica do Ministรฉrio da Justiรงa de Israel, afirmando em seu relatรณrio que, no dia 13 de maio, Benny Gantz, primeiro-ministro rotativo e ministro da Defesa de Israel, reuniu-se com empresas de mรญdia social e pediu removessem conteรบdo palestino que “incite ร  violรชncia ou espalhe desinformaรงรฃo”, o que na opiniรฃo da entidade intensificou ainda mais a censura. 

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O documento critica as declaraรงรตes pรบblicas sobre a censura do discurso polรญtico palestino feitas pelas plataformas, que “se concentraram apenas em ‘questรตes tรฉcnicas’, o que nรฃo รฉ explicaรงรฃo suficiente para a taxa pronunciada e o tipo de censura que os defensores dos direitos digitais documentaramโ€.

“Alรฉm disso, nenhuma empresa se pronunciou sobre a necessidade de abordar a questรฃo da incitaรงรฃo ร  violรชncia contra os palestinos em suas plataformas”, protesta o Centro รrabe. 

Silรชncio sistemรกtico

A Access Now tambรฉm responsabiliza as Big Techs. A entidade divulgou um manifesto acusando Facebook e o Twitter de “sistematicamente silenciar” os usuรกrios que protestam e documentam os despejos de famรญlias palestinas de suas casas no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalรฉm.

“Exigimos que o Facebook e o Twitter parem imediatamente essas remoรงรตes, restabeleรงam o conteรบdo e as contas afetadas e forneรงam uma explicaรงรฃo clara e pรบblica do motivo da remoรงรฃo do conteรบdo, diz o comunicado. 

A ONG afirma que centenas de postagens e contas que documentam essas violaรงรตes teriam sido excluรญdas do Instagram e do Twitter. E reclama que as plataformas nรฃo deram qualquer explicaรงรฃo. O Instagram teria excluรญdo atรฉ postagens arquivadas. 

“As decisรตes arbitrรกrias e nรฃo transparentes das plataformas constituem uma grave violaรงรฃo dos direitos fundamentais dos palestinos, incluindo seu direito ร  liberdade de expressรฃo e seu direito ร  liberdade de associaรงรฃo e reuniรฃo online, que o Facebook e o Twitter se comprometeram a honrar, de acordo com o Princรญpios Orientadores das Naรงรตes Unidas sobre Negรณcios e Direitos Humanos”, diz o manifesto, que exige das empresas a interrupรงรฃo imediata da prรกtica e restabelecimento das vozes palestinas. 

A Access Now reportou remoรงรตes de conteรบdo de cidadรฃos, ativistas e tambรฉm de jornalistas, como Marian Barghouti, que teve sua conta no Twitter suspensa e depois reativada. O Twitter disse ter sido um acidente. 

Um porta-voz do Instagram explicou ร  rede Al-Jazeera que a remoรงรฃo de conteรบdo sobre os ocorridos em Sheikh Jarrah foi resultado de uma “falha tรฉcnica global” que afetou a plataforma.  Mas a gerente do Centro รrabe Mona Shtaya disse que a posiรงรฃo nรฃo era digna de credibilidade. 

Censura ร  imprensa

A Federaรงรฃo Internacional de Jornalistas e o Sindicato de Jornalistas Palestinos (PJS) mostraram-se preocupados com o papel das plataformas de mรญdia social por permitirem o que consideram censura, e igualmente exigiram explicaรงรตes urgentes das empresas.

“As mรญdias sociais sรฃo ferramentas cruciais para jornalistas compartilharem seu trabalho com o pรบblico, que nรฃo deve ser censurado arbitrariamente. As plataformas devem explicar em detalhes todas as decisรตes para bloquear a liberdade de informaรงรฃo em suas redes”, disse Anthony Bellanger, secretรกrio-geral da entidade.


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Em fevereiro deste ano, o PJS e o 7amleh assinaram um acordo de cooperaรงรฃo e organizaram um fรณrum com jornalistas palestinos que cobrem os acontecimentos da regiรฃo para discutir maneiras de garantir seus direitos digitais ao reportar as questรตes palestinas.

Alรฉm do relatรณrio sobre censura e violaรงรฃo dos direitos digitais, o centro recebeu tambรฉm 40 denรบncias de discurso de รณdio e incitaรงรฃo ร  violรชncia contra palestinos e รกrabes nas redes, incluindo movimentos de grupos extremistas israelenses que incentivam linchamentos no WhatsApp e no Telegram.

Outro tรณpico interessante destacado pelo relatรณrio รฉ a posiรงรฃo do Google Maps no assunto. O 7amleh cita uma reportagem da BBC, que questiona por que a regiรฃo da Faixa de Gaza aparece embaรงada e com resoluรงรฃo baixa na plataforma .

Aric Toler, jornalista do site investigativo britรขnico Bellingcat, postou em seu Twitter que “a imagem mais recente da Faixa de Gaza disponรญvel no Google Maps รฉ de 2016, e estรก horrรญvel. Eu dei zoom em uma รกrea rural aleatรณria na Sรญria e havia mais de 20 imagens capturadas, todas com excelente resoluรงรฃo”.

Direitos digitais foram massivamente violados na Palestina desde o comeรงo de maio, aponta relatรณrio
Imagem de Gaza no Google Maps ร  esquerda, e de Pyongyang, na Coreia do Norte, ร  direita (Fotos: Google Maps)

O 7amleh escreveu que o Google “tem o objetivo de atualizar regularmente imagens de regiรตes populosas”, mas que no caso da Faixa de Gaza, um dos lugares mais populosos do mundo, isso nรฃo acontece”.  

Recomendaรงรตes para solucionar o problema

O relatรณrio do Centro รrabe aponta uma sรฉrie de saรญdas para solucionar a violaรงรฃo dos direitos digitais e a censura na regiรฃo. Uma delas รฉ pressionar o governo de Israel e as empresas digitais para que respeitem os direitos humanos, a liberdade de expressรฃo e o direito ร  privacidade e combatam a discriminaรงรฃo contra os palestinos.

A entidade cobra ainda que as plataformas digitais sejam transparentes ao retirar conteรบdo de suas plataformas, elaborando relatรณrios com informaรงรตes sobre essas aรงรตes, contendo o nรบmero de remoรงรตes, o conteรบdo dos posts e a localizaรงรฃo dos perfis denunciados pelas autoridades israelenses, para garantir que as empresas nรฃo estejam desrespeitando os direitos digitais.

Alรฉm disso, pede que sejam contratados profissionais especialistas em checagem de fatos e que tenham o conhecimento necessรกrio sobre direitos humanos para interpretar as informaรงรตes.

Notรญcias falsas compartilhadas pelo governo de Israel, polรญticos e organizaรงรตes financiadas pelo governo devem ser imediatamente retiradas das redes, pede o Centro. E as empresas nรฃo podem aceitar anunciantes que apoiem a violรชncia e o desrespeito aos direitos humanos, incluindo os dos palestino, segundo a organizaรงรฃo. 

Outros ataques ร  mรญdia

As violaรงรตes denunciadas nรฃo se limitaram ao ambiente digital. Segundo a Repรณrteres Sem Fronteiras (RSF), ataques aรฉreos de Israel destruรญram as instalaรงรตes de ao menos 23 organizaรงรตes de mรญdia palestinas e internacionais na Faixa de Gaza nos รบltimos dez dias. Os bombardeios mais recentes destruรญram os escritรณrios da agรชncia de notรญcias dos Estados Unidos Associated Press e da emissora de TV do Catar Al Jazeera

Os militares justificaram os ataques alegando que a inteligรชncia militar do Hamas, o movimento islรขmico que governa a Faixa de Gaza, tinha equipamentos nesses edifรญcios, o que nรฃo รฉ verdade, destacou a RSF. 

Christophe Deloire, secretรกrio-geral da RSF, declarou que “visar deliberadamente os meios de comunicaรงรฃo constitui um crime de guerraโ€.

โ€œAo destruir intencionalmente os meios de comunicaรงรฃo, as forรงas de defesa de Israel nรฃo estรฃo apenas infligindo danos materiais inaceitรกveis โ€‹โ€‹ร s operaรงรตes de notรญcias.

Eles tambรฉm estรฃo, de forma mais ampla, obstruindo a cobertura de um conflito que afeta diretamente a populaรงรฃo civil. Apelamos ao promotor do Tribunal Criminal Internacional para determinar se esses ataques aรฉreos constituem crimes de guerraโ€.

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