Em mais um episódio de celebridade desconfortável com o assédio da imprensa, a tenista japonesa Naomi Osaka surpreendeu anunciando no dia 26 de maio que não iria participar das entrevistas coletivas do torneio de Roland Garros, na França, alegando que fazem mal à sua saúde mental. Mas diferentemente das perseguições que alguns famosos sofrem na rua, as coletivas são parte do contrato dos atletas com o circuito Grand Slam – e com os patrocinadores – o que desagradou o torneio e gerou reação enérgica. 

Neste domingo (30), a tenista foi multada em US$ 15 mil e ameaçada de desqualificação. Na segunda-feira, desistiu de participar do campeonato. 

O tom da nota oficial emitida pelos organizadores de quatro dos torneios do circuito Grand Slam mostra o tamanho da preocupação com uma atitude que desafiou os princípios do marketing esportivo, baseado na exposição máxima de seus astros. 

Avisamos Naomi Osaka que, caso ela continuasse a ignorar suas obrigações com a mídia durante o torneio, ela estaria se expondo a possíveis consequências de violação do código de conduta.

Como era de se esperar, as violações repetidas atraem sanções mais duras, incluindo desligamento do torneio e o início de uma investigação de grande ofensa que pode levar a multas mais substanciais e futuras suspensões do Grand Slam.

A japonesa tem um histórico de vitórias – já ganhou quatro torneios do Grand Slam – e começou bem em Paris. No sábado derrotou com facilidade a tenista romena Patricia Maria Tig. Chegou a falar rapidamente com fãs na quadra, mas não cedeu à pressão de participar da coletiva. 

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Na postagem em que anunciara a decisão antes do início da etapa de Paris, Osaka reclamou que as pessoas não têm consideração pela saúde mental dos atletas. Disse que os jornalistas fazem as mesmas perguntas e que muitas vezes essas questões fazem o profissional duvidar de sua capacidade. E acha que os esportistas são “chutados” quando estão por baixo. 

A nota distribuída pelos organizadores é longa, e dá o tom do impasse entre o desejo de alguns atletas de evitar a imprensa e os compromissos profissionais de eventos que envolvem patrocínios milionários: 

“As equipes de Roland Garros pediram a ela que reconsiderasse sua posição e tentaram, sem sucesso, falar com ela para verificar seu bem-estar, entender as especificidades de seu problema e o que poderia ser feito para resolvê-lo.

A saúde mental dos jogadores que competem em nossos torneios  é de extrema importância para os grand slams. Nós, individual e coletivamente, temos dedicado recursos significativos ao bem-estar dos jogadores.

Para continuar a melhorar, no entanto, precisamos do engajamento deles para entender sua perspectiva e encontrar maneiras de melhorar suas experiências.

Um elemento central dos regulamentos do Grand Slam é a responsabilidade dos jogadores de se engajarem com a mídia, qualquer que seja o resultado de sua partida, uma responsabilidade que os jogadores assumem em benefício do esporte, dos fãs e de si próprios.

Como esporte, não há nada mais importante do que garantir que nenhum jogador tenha uma vantagem injusta sobre outro, o que infelizmente é o caso nesta situação se um jogador se recusa a dedicar tempo para participar de compromissos de mídia enquanto os outros honram seus compromissos.

Finalmente, todos continuam comprometidos em revisar e discutir continuamente as oportunidades, junto com os torneios e os jogadores, para melhorar todos os aspectos da experiência do jogador, incluindo a mídia.

Mas consideramos que isso só é alcançado por meio de discussões respeitosas e construtivas.”

Não adiantou. Osaka manteve-se firme em sua decisão. Na noite de domingo, escreveu no Twitter:  “raiva é falta de compreensão. a mudança deixa as pessoas desconfortáveis.”

A desistência 

No fim da segunda-feira, fez outro post para anunciar sua decisão de desistir do torneio, em tom mais conciliatório. Admitiu que a hora de fazer essa manifestação não foi a melhor, e disse ter sofrido com depressão no passado. Fez um afago nos jornalistas que cobrem o tênis, “sempre gentis”, e pediu desculpas àqueles que possa ter ofendido.

Mas afirmou não ser uma “pessoa pública”, que se sente bem falando para grandes audiências. E que depois que Roland Garros acabar quer se reunir com os organizadores para melhorar o processo para jogadores, para a imprensa e para os torcedores. 

Outros casos

Naomi Osaka não é a primeira a manifestar insatisfação com a mídia, mas em geral essa insatisfação tem sido pautada por episódios específicos.

Um exemplo é o do príncipe Harry e de sua mulher Meghan Markle, que em 2020 anunciaram que não mais falariam ou responderiam a perguntas dos tabloides sensacionalistas britânicos, como parte de uma guerra maior. No entanto, eles continuam falando de forma controlada, em entrevistas como a que deram à apresentadora Oprah Winfrey em março e abalou ainda mais as relações com a família Real. E na qual atacaram a imprensa

Outros casos envolvendo atletas referem-se às mídias sociais, com boicotes totais ou temporários. Em março, o astro do futebol francês Thierry Henry fechou todas as suas contas nas redes, como protesto pela falta de ação para combater o assédio online. 

Semanas depois as principais entidades do futebol britânico convocaram um boicote de três dias, endossado por todos os clubes da Premier League, que acabou sendo acompanhado por ligas de outros esportes e até pelo príncipe William, segundo na linha de sucessão e que pode vir a ser o Rei da Inglaterra. 

E um outro Willian, só que brasileiro, que joga no Reino Unido, virou protagonista no movimento contra o racismo online nas redes sociais. Ele tem falado regularmente sobre o assunto e a Premier League destaca seus vídeos. 

Mas o caso de Naomi Osaka é diferente porque o marketing esportivo sustenta muitas modalidades e ajudam a pagam os salários altos que os atletas recebem. 

A tomada de posição dos organizadores dos torneiros do Grand Slam faz crer que querem dar um recado duro para outros atletas que possam se inspirar no exemplos da tenista japonesa. E também para outras organizações esportivas.

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