Ao tirar do ar nesta quarta-feira (2/6) o blog que havia criado há menos de um mês para se comunicar diretamente com os seguidores por estar banido das principais plataformas digitais, o ex-presidente americano Donald Trump virou motivo de piadas, como a de que tinha “cancelado a si próprio”. Mas o recuo despertou questionamentos sobre os planos já anunciados de criar uma rede social própria, já que o fim do blog foi aparentemente motivado por algo vital no universo dos negócios digitais: audiência. 

O movimento deixa dúvidas também sobre o real valor da marca “Trump”, sobretudo depois que o sucessor Joe Biden conseguiu avançar com o programa de vacinação contra a Covid-19 e vem fazendo uma gestão sem conflitos ou crises. Na época da posse, a consultora de imagem americana Allyson Stewart-Allen classificou a marca Trump como “radioativa”. 

Ela acha que apesar de ainda haver um núcleo significativo de apoiadores leais ao “Trumpismo” nos Estados Unidos, há sinais de que  os americanos tradicionais estão evitando os valores da marca Trump e voltando-se em um clima pós-Covid para um líder que é mais inclusivo e menos irritado

O motivo do fim do blog não foi revelado, e Trump não se manifestou sobre ele. A NBC News chegou a noticiar que houve apenas 212.000 engajamentos com as mensagens no total, muito menos do que os tweets do ex-presidente amealhavam até o momento em que foi desligado do Twitter, do Facebook e do Instagram, depois da invasão do Capitólio, em janeiro. 

Segundo o Washington Post, em seu último dia de vida o blog teria registrado 1,5 mil compartilhamentos no Facebook. Analisando dados de empresas de monitoramento de sites, o Post afirmou que o espaço virtual de Trump tinha atraído menos visitantes do que os sites de adoção de animais Petfinder e de receitas Delish. 

Citando dados da empresa de análises BuzzSumo, o jornal informou que houve um pico de interesse no primeiro dia do blog, com 159 mil interações, ainda baixo para os 80 milhões que ele tinha no Twitter. Mas a situação piorou, registrando média de 4 mil interações por dia.

No mês passado, o The Wall Street Journal havia revelado que Trump estaria negociando com empresas de mídia digital como a CloutHub e a FreeSpace.

As informações sobre os planos da rede própria haviam sido confirmadas por um de seus principais assessores, Jason Miller, na época do lançamento do blog. Ontem ele foi questionado e não descartou a possibilidade, sem dar detalhes sobre como nem quando isso ocorrerá. 

Mas a notícia da baixa audiência que veio à tona com o encerramento do blog pode assustar potenciais parceiros de negócio, já que coloca em questão a viabilidade financeira e traz o risco de associar a reputação a um empreendimento mal-sucedido. 

O lançamento de uma rede social é uma operação complexa, que envolve investimento alto em sistemas, servidores e equipe – bem mais complexo do que um blog. Encerrar um blog é fácil, mas recuperar recursos alocados em um projeto gigante pode desanimar tanto o próprio Trump como sócios ou investidores. 

Estratégia de marketing?

Trump é conhecido pela agressividade nos negócios e tido como um empresário de sucesso, embora notícias sobre problemas em suas empresas tenham começado a surgir. O encerramento abrupto do blog, que funcionava dentro do portal do ex-presidente na internet, acabou chamando atenção para o aparente fracasso de uma ideia que no início até parecia boa. 

O blog “Da mesa de Donald J.Trump” dava impressão de que ele ainda era presidente e despachava no escritório oficial. Os statements (posicionamentos) eram assinados como “De Donald Trump, 45º Presidente dos Estados Unidos”, como se não existisse um 46º presidente, Joe Biden.

As postagens seguiam estilo e tamanho das redes, feitas sob medida para que os apoiadores de Trump compartilhassem em suas próprias redes, burlando o banimento das plataformas digitais. 

O portal onde estava hospedado era o da campanha presidencial derrotada, que passou a ser usado pelo ex-presidente para arrecadar dinheiro e vender os produtos com a logomarca  MAGA – Make America Great Again. As postagens do blog encerrado foram arquivadas como comunicados à imprensa, em uma seção separada do site.

 A última, do dia 31/5, foi compartilhada por vários seguidores.

Acabou sendo  um fim melancólico para o que havia sido apresentado como uma grande notícia e o prenúncio de algo ainda maior. Quando o blog foi lançado, no dia 4 de maio, Jason Miller tuitou que o “site seria um ótimo recurso para encontrar” as últimas declarações de Trump, mas que não era ainda sua prometida “plataforma de mídia social”, que estaria sendo planejada.

 

 

 

 

 

 

 

 

Por que ele desistiu?

 

 

 

 

 

 

Nesta quarta-feira Miller confirmou à CNBC  o site “não retornará”, mas nada falou sobre os planos futuros. Mais tarde, questionado no Twitter, não descartou a possibilidade e sugeriu que os que perguntavam deveriam “ficar ligados”. 

 

 

 

 

 

 

 

Citando uma fonte anônima, o Washington Post disse que o ex-presidente queria mesmo abrir uma nova ‘plataforma’, e não gostou de ver o blog ridicularizado e com poucos leitores”. O blog Intelligencer, da New York Magazine, ironizou, lembrando que blogar exige esforço: “Olha, a vida de um blogueiro não é para todos!”

 

A julgar pelo que deu a entender o assessor Jason Miller, as informações escassas sobre os planos da rede no momento em que o blog sai do ar poderiam ser apenas uma estratégia de marketing para surpreender quando a nova plataforma for lançada. Mas a julgar pela repercussão negativa, se a intenção foi essa o objetivo não foi alcançado, pois a imagem de derrota acabou prevalecendo.

E poucos acreditam que essa fosse a ideia. Para o Inteliggencer, a fala enigmática de Miller, dizendo esperar ter mais informações sobre os planos maiores em breve, mas admitindo não ter um prazo para revelá-los, não é difícil de traduzir. O blog afirma que “Trump ficou entediado e por isso saiu. E que seu assessor não faz a mínima ideia do que o ex-presidente pretende fazer agora”. 

 

No centro de tudo está a falta de popularidade da iniciativa. Sem considerar um possível cansaço de seus seguidores, uma das razões pode ter sido o fato de que muitos podem não ter querido correr o risco de serem punidos pelas plataformas ao compartilharem as mensagens do blog. 

O Twitter disse ao site americano Politico no dia do lançamento da novidade, em maio, que o compartilhamento do conteúdo do novo site “Da Mesa de Donald J. Trump” poderia ser permitido, “desde que não violasse as regras da plataforma”. 

Ressaltou, no entanto, que medidas seriam tomadas se os usuários tentarem imitar a conta de Trump ou se sua “única intenção for substituir a conta suspensa”. Talvez alguns usuários tenham ficado temerosos de postar conteúdos. 

No início do ano, Twitter e o Facebook já tinham investido contra a conta de campanha de Trump e a de sua nora, Lara Trump, que estavam sendo usadas com esse objetivo, além de terem removido posts da conta oficial da Casa Branca utilizados para refletir as posições de Trump antes de ele deixar o cargo.

O blog “Da Mesa de Donald J.Trumphavia sido criado na véspera da esperada decisão do Conselho de Supervisão do Facebook sobre o banimento definitivo do ex-presidente da rede. No dia em que o resultado foi anunciado, mantendo o ex-presidente fora da plataforma por mais seis meses, Trump atacou o Facebook (assim como o Twitter e o Google):

“O que o Facebook, Twitter e Google fizeram é uma vergonha total e uma vergonha para o nosso país”, escreveu Trump. “A liberdade de expressão foi retirada do presidente dos Estados Unidos porque os lunáticos da esquerda radical têm medo da verdade, mas a verdade virá de qualquer maneira, maior e mais forte do que nunca.” Trump também emitiu uma vaga ameaça de que “empresas corruptas de mídia social devem pagar um preço político” e alegou que de alguma forma trabalharam para “destruir e dizimar” o processo eleitoral americano.

A passagem de Donald Trump pela presidência foi marcada por um clima de hostilidade com a imprensa e pela disseminação de fake news associadas ao líder nos primeiros meses da pandemia. O projeto US Press Freedom Tracker contabilizou mais de 2, 5 mil tweets do ex-presidente contra a Imprensa nos cinco anos e meio desde que lançou a candidatura até o fim do mandato, média de um por dia. A Universidade de Cornell apontou-o como o principal gerador de fake news sobre a Covid-19.

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