A prisão de Michele Marchand – conhecida como Mimi – dona da principal agência francesa especializada em fotografia de celebridades, acabou revelando ao mundo uma das figuras mais conhecidas e influentes da mídia do país. O apelido de “rainha dos papparazzi” não veio à toa.

A Bestimage, dirigida por Mimi, de 74 anos, notabilizou-se por reunir fotógrafos especializados em capturar momentos íntimos de famosos, vendidas a grandes publicações de todo o mundo. E também pelos registros autorizados de artistas e políticos, de quem a empresária se tornou próxima, como a mulher do ex-presidente Nicolas Sarkozy, Carla Bruni, e Brigitte Macron, esposa do atual presidente.

Ela foi presa em casa no dia 4 de junho e indiciada no dia seguinte, acusada de subornar o empresário Ziad Takiedine, de 70 anos, a dar uma entrevista à revista semanal Paris Match mudando as acusações de corrupção que fizera contra Sarkozy. A entrevista tinha sido anexada ao processo a que o político respondia, mas não foi suficiente para evitar sua condenação.

Além de Mimi, a polícia francesa indiciou outras quatro pessoas que teriam ajudado a organizar a entrevista, publicada em 2020: um dos principais consultores de relações públicas da França, Arnaud de La Villesbrunne, que já dirigiu a agência Publicis; o empresário Pierre Reynaud e Noël Dubus, já condenado por fraude. 

O repórter da revista Paris Match François Labarre, que assinou a reportagem, chegou a ser preso, mas foi liberado no mesmo dia e não foi indiciado.

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Oficinas, boates e depois jornalismo

A empresária fez uma trajetória atípica, que foi documentada em uma biografia não-autorizada publicada em 2018 pela editora Grasset. Apesar de ter virado estrela do jornalismo francês, ela só entrou para a atividade em 1995.

“Ela fez tudo”, escreveram os autores de “Mimi”, Jean-Michel Decugis, Marc Leplongeon e Pauline Guena.

Nascida em uma família de classe trabalhadora nos subúrbios de Paris, parou de estudar aos 16 e foi mãe solteira. Uniu-se ao chefe de uma oficina mecânica em Paris na década de 1970, utilizada por figuras do submundo de Paris. Acabou conhecendo gente famosa. 

Em 1980 foi para os Estados Unidos, passando a viver na Califórnia empregando-se em manutenção de casas e em oficinas. 

De volta à França no início dos anos 1990, administrou duas casas noturnas que eram ponto de encontro de lésbicas. Em um perfil da empresária, a revista Vanity Fair diz que Mimi formou uma rede de contatos que incluía estrelas, bandidos, policiais, mecânicos e advogados. 

Em 1995, entrou para o semanário Voici e se tornou uma fonte de “furos” sobre a realeza de Mônaco, bem como sobre estrelas francesas como Gerard Depardieu e Johnny Hallyday. A biografia diz que ela também vendia informações para outros títulos, incluindo Paris Match e Closer.

Dali foi para a revista Here, em 1996. Ficou lá dois anos até ingressar na fotografia de celebridades, fundando a empresa Shadow & Co, que fornecia fotos de paparazzi para revistas de fofocas. 

A saída da Here foi tumultuada. A revista perdeu uma ação judicial por causa de uma entrevista falsa de Mimi com um dos guarda-costas de Diana, supostamente antes de seu acidente fatal. 

Em 2007, a empresária participou do lançamento do site de famosos Purepeople, um sucesso que a levou ao topo da imprensa de celebridades, até comprar a Angeli, uma das maiores agências de paparazzi da França, em 2010, rebatizando-a de Bestimage.

A empresa se consagrou-se com uma das três mais importantes agências francesas de fotografia de celebridades, segundo o Le Monde. Virou fonte importante para um grande número de revistas locais e internacionais. 

Em seu site, a Bestimage apresenta-se como uma agência que “cobre notícias diárias de gente bonita na França e em todo o mundo”. E que oferece aos clientes, “graças à perícia e talento dos seus repórteres, fotógrafos e correspondentes, uma produção nacional e internacional em Los Angeles, New York, Miami, Sydney, Madrid, Milão, Estocolmo, Londres constantemente enriquecida“.

Na prática, além de documentar grandes eventos, a empresa agencia fotos de famosos captadas pelos papparazzi, os fotógrafos que ficam à espreita para flagar momentos íntimos de personalidades públicas.

Ou nem tanto. No livro sobre a empresária, os autores citam uma fonte da indústria dizendo que Marchand se tornou um especialista em encenar fotos de paparazzi, pré-arranjadas com gente faminta por atenção.

O site exibe capas de várias publicações com fotos de seus profissionais, mas nem todas as expostas são fruto de indiscrição. 

Mimi e os presidentes 

Os autores da biografia afirmam que coube a Mimi Marchand a quebra de um padrão histórico da política francesa: a preservação da vida particular dos políticos. 

A famosa foto do ex-presidente François Hollande de capacete em uma scooter indo ao encontro de sua amante, a atriz Julie Gayet, publicada pela revista Closer em 2014, teria tido a participação da empresária. 

Hollande não esconde a inimizade. Chegou a falar que ela representa “um perigo para a vida democrática” por causa de suas atividades profissionais.

Ela também teria vendido fotos de outros expoentes da vida pública francesa, como de Segolene Royal na praia, ou a de Nicolas Sarkozy em um encontro.

Mas Mimi não elegeu todos os políticos como inimigos, ao contrário. O episódio que a levou para a cadeia é aparentemente o resultado da amizade com o casal Nicolas Sarkozy-Carla Bruni, tentando ajudá-lo a se livrar da condenação. 

A entrevista foi feita no Líbano, e Marchand estava lá. O fotógrafo contratado para documentar a situação era da Bestimage. Sua advogada diz que ela apenas atuou como jornalista, sem participação no esquema de suborno que segundo Takiedine o levou a defender Sarkozy. 

A ajuda não funcionou. Sarkozy acabou condenado por corrupção em março de 2021. A sentença foi de três anos de detenção, dos quais dois foram suspensos e um deverá ser cumprido na prisão, mas ele recorreu e não ficou preso. 

Em mai, o ex-presidente tornou-se réu em outro processo de corrupção, desta vez por conta da eleição presidencial de 2012. Depois de perder essa campanha e também a seguinte, de 2016, Sarkozy anunciou sua retirada da vida pública. 

Mimi continuou bem conectada com o alto escalão da política francesa. Em 2016 ela se tornou próxima de Brigitte Macron, apresentada à mulher do então candidato à presidência por um empresário de telecomunicações.  

Passou a orquestrar a comunicação do casal, com ações como a foto da primeira-dama de maiô no início da campanha política, para reverter comentários negativos sobre a diferença de idade entre ambos –  e boatos de que o então candidato seria gay, segundo os biógrafos. Ficou com acesso privilegiado ao Governo, orientando a comunicação de Macron. 

Ganhou apelidos nada edificantes, como “a Rasputin do Eliseu”, dado pelo jornal espanhol El Pais, ou “a gata entre os pombos de Macron”, recebido do francês Le Monde. 

A biografia não-autorizada diz que ela tem personalidade forte “trabalha como ninguém”.

Os autores a descrevem como uma pessoa que “mobiliza sua rede, tecida ao longo de cerca de cinquenta anos”.

“É eficiente e esperta, e coloca-se a serviço dos mais fortes, dos mais ricos, dos mais poderosos. (…) Mimi está lá quando você precisa. E de serviços prestados em pequenos arranjos entre amigos, ela traça seu caminho.”  

Mimi Marchand nega o envolvimento com a entrevista de Takieddine. “Não tenho nada a ver com esse negócio”, disse ela ao site de notícias francês Mediapart.

Folha corrida

Não é a primeira vez que a empresária se envolve com a justiça. Dois de seus ex-maridos já estiveram na prisão. Ela já foi para a cadeia por falsificação de cheques e recebeu pena de três anos por transportar cannabis com seu então marido, Maurice Demagny, condenado por roubo. 

Chegou a passar dois anos atrás das grades aguardando julgamento por envolvimento com um namorado gangster identificado em sua biografia como “Hafed”, embora não tenha sido condenada.

O novo episódio mostra que a vida de Mimi Marchand é tão ou mais movimentada do que a dos personagens famosos de quem se tornou amiga ou inimiga em mais de 50 anos.  Vale um filme ou uma série. 

 

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