Londres – Um estudo global com mais de 150 mil pessoas e divulgado em 17/6 apontou os brasileiros e os afegãos como os povos que veem a violência como o maior risco que enfrentam em sua rotina diária. E mostrou a que pandemia do coronavírus teve um impacto significativo sobre a paz em todo o mundo, fazendo aumentarem os distúrbios civis e a instabilidade política.
O Global Peace Index (Índice Global da Paz) é feito anualmente pela organização Instituto de Paz Econômica. Em uma apresentação realizada pela Associação de Correspondentes Estrangeiros em Londres na manhã de quinta-feira (17/6), o fundador da entidade, Steve Kililea, e o pesquisador que conduziu o estudo, Thomas Morgan, explicaram a metodolodia e salientaram as principais conclusões.
O relatório afirma que o impacto total da pandemia sobre a paz ainda está se desenrolando. E embora algumas formas de violência tenham diminuído no curto prazo, o crescente mal-estar com os bloqueios e a crescente incerteza econômica resultou no aumento da agitação civil em 2020. Mais de 5 mil eventos violentos relacionados à pandemia foram registrados entre janeiro de 2020 e abril de 2021, um aumento de 10% em relação a 2019.
Os distúrbios civis aumentaram globalmente em 10%, com a Bielorrússia registrando a maior deterioração. Houve 14.871 manifestações violentas, protestos e motins registrados globalmente em 2020.
Segundo Kililea, as mudanças nas condições econômicas em muitas nações aumentaram a probabilidade de instabilidade política e manifestações violentas. Ele citou a América do Norte onde a paz se deteriorou principalmente por causa dos Estados Unidos:
“A queda da paz nos país foi impulsionada por um aumento nas manifestações violentas, bem como o aumento da instabilidade política. Isso elevou a agitação social em 2020, que culminou com os eventos de 6 de janeiro de 2021, nos quais manifestantes pró-Trump invadiram o edifício do Capitólio. Houve também um aumento significativo de homicídios em muitas cidades do país em 2020.”
Paz positiva e liberdade de imprensa
A violência é vista como o maior risco para a segurança diária em 49 dos 142 países pesquisados, mas apenas em cinco deles o índice engloba a maioria da população − sendo três deles na América Latina, incluindo o Brasil.
E um dos oito pilares que formam o conceito de paz positiva, considerada pelo Instituto como fundamental para construir paz em tempos de conflito e incerteza, é o livre fluxo de informações na sociedade. A paz positiva é definida como as atitudes, instituições e estruturas que criam e sustentam sociedades pacíficas.
Os sete outros pilares são níveis baixos de corrupção, aceitação dos direitos dos outros, ambiente sólido de negócios, governo que funciona, boas relações com os vizinhos, distribuição equitativa de recursos e altos níveis de capital humano.
Altos níveis de paz positiva ocorrem onde as atitudes tornam a violência menos tolerada, as instituições são resilientes e mais responsivas às necessidades da sociedade e as estruturas criam um ambiente para a resolução não violenta de queixas.
Thomas Morgan ressaltou que, nesse contexto, a liberdade de imprensa é fundamental para o índice de paz do país.
Tipo de democracia influencia na percepção da segurança
O estudo conclui que existem diferenças significativas nas percepções de segurança entre os diferentes tipos de governo. Utilizando as definições dos quatro tipos de governos elaboradas pela Economist Intelligence Unit (EIU), o estudo demonstra que o medo da violência é maior nos países classificados como democracias imperfeitas, como no caso de Brasil, México e África do Sul. Mais de 50% das pessoas estão muito preocupadas com a violência em mais de um terço dos 47 países classificados como democracias imperfeitas.
Segundo essa definição, as democracias imperfeitas são caracterizadas por eleições livres e justas, pelo respeito às liberdades civis básicas, mas onde pode haver fraquezas em áreas como problemas governança, participação política ou violação da liberdade de imprensa.
Cerca de 42% das pessoas que vivem em democracias imperfeitas relatam preocupação em serem vítimas de crimes violentos, enquanto esse índice cai para 31% nas democracias plenas.
O sentimento de segurança também diminuiu mais nas democracias imperfeitas, com 34% das pessoas revelando sentirem-se menos seguras nos últimos cinco anos, enquanto nas democracias plenas esse percentual permaneceu estável, com 58% relatando que se sentiram tão seguras quanto cinco anos antes.
Pandemia e os efeitos sobre a paz
Segundo o Instituto de Paz Econômica, embora tenha havido uma queda inicial na agitação civil e nas manifestações no início da pandemia, o número de manifestações em todo o mundo aumentou após essa calmaria inicial, ainda que nem todas as manifestações estivessem diretamente relacionadas à pandemia.
Na Holanda, o governo impôs um toque de recolher que desencadeou distúrbios descritos como os piores em mais de 40 anos. Espanha, Itália, Alemanha e Irlanda também testemunharam violentas manifestações anti-lockdown, nas quais os manifestantes atiraram objetos contra a polícia, quebraram vitrines de lojas, incendiaram lixeiras e acenderam bombas de fumaça.
Nem todas as manifestações relacionadas com a pandemia tiveram motivação anti-bloqueio. Em alguns países, a percepção de uma resposta frouxa dos governos à pandemia tornou-se o gatilho para manifestações antigovernamentais. Na Bielorrússia, a recusa do governo em reconhecer a gravidade da pandemia e o subsequente impacto no sistema de saúde foi um fator chave para a agitação civil.
Da mesma forma, tumultos eclodiram no Chile após um rápido aumento na taxa de desemprego. No Líbano, a falta de apoio econômico suficiente do governo foi um dos principais motivos da agitação.
Repressão estatal
O relatório afirma que a pandemia tem sido usada como pretexto para a repressão governamental e o terror político em alguns países. O relatório registra que na Rússia vários organizadores de protestos foram colocados em prisão domiciliar por violar medidas de saúde pública e centenas de pessoas foram processadas por supostamente espalharem informações falsas sobre a pandemia.
No Egito, várias equipes médicas foram detidas por espalharem notícias − falsas, sob as leis de terrorismo − sobre a falta de equipamentos de proteção individual e a falta de testes. Na Índia, a polícia deteve um oncologista por postar fotos de equipes médicas vestindo capas de chuva devido à falta de equipamentos de proteção individual.
Em Uganda, as forças de segurança prenderam o líder da oposição, Robert Kyagulanyi, por violar as restrições da Covid-19. Eles também usaram gás lacrimogêneo e balas ativas contra manifestantes antigovernamentais, matando 54 e ferindo 45.
A força excessiva também foi usada para impor bloqueios e leis de restrição de movimento. No Quênia, a polícia matou sete pessoas na tentativa de aplicar o toque de recolher. Na África do Sul, um indivíduo foi morto pelos militares por supostas violações das restrições de bloqueioe, em outro caso, a polícia usou balas de borracha para dispersar indivíduos vadios no primeiro dia de quarentena.
As forças de segurança mataram 16 na Etiópia em meio a protestos contra a prisão de líderes locais que supostamente realizaram uma reunião em desafio às restrições da Covid-19. Casos de violência policial diretamente relacionados ao coronavírus também geraram mais violência. Manifestações violentas eclodiram em Honduras e no México após a morte de indivíduos sob custódia policial por suposta violação das restrições ao movimento.
Embora os dados de homicídios e crimes em 2020 não estejam ainda disponíveis em todos os países, em vários houve redução drástica nas ocorrências. Um exemplo citado é a redução de roubos imediatamente após as medidas de bloqueio em Colômbia, Guatemala e Honduras.
Quedas menores foram observadas em vários países europeus, e o número de vítimas de homicídio na África do Sul caiu quase 50% e quase 80% no Cazaquistão. 26 No entanto, na maioria dos países, o número de homicídios por mês voltou a o mesmo nível dos anos anteriores quando as medidas de bloqueio foram relaxadas. No México, crimes normalmente associados aos movimentos diários das pessoas − como roubos, assaltos, sequestros e extorsão − experimentaram melhorias notáveis em 2020.
Mas isso não aconteceu em todos os países. No México e no Brasil, os bloqueios não tiveram um impacto significativo no número de homicídios, com o número deles por mês caindo apenas ligeiramente. No Chile, houve uma queda inicial no número de homicídios, que foi rapidamente seguida por um aumento acentuado nos seis meses após a implementação das medidas de bloqueio.
Brasileiros são os mais preocupados com a violência
A alta percepção do risco de ser vítima da violência faz com que os brasileiros sejam os mais preocupados do mundo com o tema. Mais de oito em cada dez brasileiros disseram estar muito preocupados de serem vítimas de algum tipo de violência em sua vida diária. E o pior: esse índice engloba 95% dos brasileiros quando se considera os pouco ou muito preocupados em sofrer violência.
Os percentuais são bem maiores do que a média global. No mundo, pouco mais de seis em cada dez pessoas mostraram-se preocupadas em sofrer danos graves decorrentes de crimes violentos no futuro.
Mais de 40% dos brasileiros sofreram ou conhecem quem sofreu violência
Na maioria dos países, existe uma forte correlação entre sentir-se inseguro e ter sido vítima ou conhecer quem tenha sido vítima de violência.
Mais de 40 por cento dos brasileiros relatam uma experiência de violência nos últimos dois anos. O índice é mais que o dobro da média global (18%) e bem superior à média dos países sul-americanos (29%).
Sul-americanos são os que mais se consideram menos seguros
Apesar de a maioria das pessoas temer sofrer danos de crimes violentos, quase 75% das pessoas em todo o mundo sentem-se tão ou mais seguras hoje do que há cinco anos.
Mas esse índice cai drasticamente na América do Sul, que teve o pior resultado das noves regiões pesquisadas e onde a maioria sente-se menos segura do que há cinco anos.
A sensação de segurança caiu mais na América do Sul do que em qualquer outra região, com mais de 50% dos sul-americanos relatando que se sentiam menos seguros em 2019 em comparação com 2014. Mais da metade das populações de Venezuela, Brasil, Paraguai, Argentina e Chile relataram sentir-se menos seguras no período.
Mais de oito em cada dez dos sul-americanos com medo da violência
A América do Sul é a região do mundo que apresenta os índices mais elevados de medo da violência, com 84% das pessoas apresentando algum tipo de preocupação de serem vítimas de crimes violentos.
Enquanto os brasileiros são os que demonstram o maior medo da violência no mundo e na região, o menor índice é o dos paraguaios, onde 68% da população mostram-se um pouco ou muito pouco preocupados. Esse índice do Paraguai foi o único dentre os países sul-americanos inferior à média global.
Quase metade dos sul-americanos consideram violência o maior risco para a segurança
A América do Sul é também a região que considera a violência o maior risco para a segurança da vida diária.
A violência é de longe o maior risco à segurança na região, citada por 44% dos sul-americanos. O risco é apontado em primeiro lugar em todos os países da região, com índices superiores à média global em todos eles.
Maioria dos sul-americanos não se sente segura ao caminhar à noite
Em nenhuma região do mundo é tão alto o percentual de pessoas que não se sentem seguras ao caminhar sozinhas em seu bairro à noite.
O índice tem se mantido em torno de 60% desde 2006, mas subiu na última medição, em 2019.
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