O Brasil é um dos sete países nos quais a população mais confia na imprensa dentre os 46 países pesquisados pelo Instituto Reuters de Estudos de Jornalismo da Universidade de Oxford. Mas é também o país mais preocupado com a desinformação (82%), o mais preocupado com o WhatsApp como canal de fake news sobre a Covid (35%) e o que mais associa os políticos à desinformação sobre a doença (41%).
A pesquisa aponta que 54% dos brasileiros afirmam confiar na imprensa. O país com maior percentual de confiança é a Finlândia (65%), enquanto os norte-americanos (29%) são os que menos confiam.
As conclusões são da 10ª edição do Digital News Report, apresentado hoje (23/6) em Londres. O estudo é baseado em uma pesquisa com 92 mil pessoas de 46 países, realizada em 2020, representando as opiniões de mais da metade da população mundial
O resultado mostra a resistência da imprensa brasileira como instituição em um ano marcado por ataques frequentes do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores a veículos e profissionais da mídia, como Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, que se tornou referência mundial de perseguição contra jornalistas.
O episódio mais recente aconteceu na última segunda-feira (21/6), quando Bolsonaro se irritou com a pergunta de uma repórter da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo, sobre o uso de máscara no evento do qual participava em Guaratinguetá (SP). O presidente voltou a atacar a emissora, além de criticar a CNN por ter feito a cobertura dos protestos contra seu governo no sábado anterior.
O relatório, que está em sua décima edição, é a mais abrangente investigação global sobre hábitos de consumo de notícias, confiança e acesso às fontes de informação e desinformação, modelos de negócios e sobre os rumos do jornalismo mundial. Um dos pesquisadores da equipe que o formulou, Charles Berkley, afirma que estamos num momento crucial que definirá a próxima década:
“O choque da Covid, combinado com a aceleração da mudança tecnológica, está levando a transformação de nossa atividade ao ápice, forçando um repensar mais fundamental sobre como o jornalismo deve operar na próxima década, tanto como um negócio em termos de tecnologia, mas também como profissão.”
Confiança nas notícias aumentou 6 pontos no mundo e 3 pontos no Brasil
O Brasil não foi o único país em que a confiança na mídia aumentou, embora esteja entre aqueles onde ela teve maior crescimento. A média global cresceu 6 pontos na esteira da pandemia, com quase metade dos respondentes (44%) dizendo que confia na maioria das notícias que recebe via imprensa na maior parte do tempo.
O resultado reverte uma tendência de queda que vinha se verificando nos últimos anos, demonstrando que o ganho de confiança da população na imprensa identificado por pesquisas realizadas no início da pandemia, quando a necessidade de informações confiáveis tornou-se questão de vida ou morte, deixou efeito residual.
O índice brasileiro foi 10 pontos mais alto em relação à média global, com crescimento de 3 pontos em relação ao ano anterior.
A confiança nas notícias recebidas pelos mecanismos de busca e pelas mídias sociais se manteve estável. Isso fez com que a diferença entre as notícias via imprensa e as recebidas por mídias sociais aumentasse, chegando a 20 pontos tanto na média global como nos índices do Brasil.
Segundo o estudo, quanto maior essa diferença, maior a valorização que os usuários dão às fontes de notícias mais acuradas e confiáveis.
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Aumento da confiança se reflete em assinaturas nas marcas mais importantes
Apesar da diferença entre os finlandeses que mais confiam e os norte-americanos que menos confiam na imprensa, quando se fala no percentual de assinantes nos dois países, os números são quase iguais: 21% nos Estados Unidos e 20% na Finlândia.
O estudo mostra que a grande maioria dos consumidores ainda não paga pelo acesso às notícias, embora o percentual tenha aumentado dois pontos no último ano nos 20 países onde os veículos têm promovido mais ativamente as assinaturas digitais. Porém, a maior parte dessas assinaturas se concentram nas poucas marcas de veículos nacionais de notícias.
O percentual médio de assinantes nos 20 países analisados é de 17%, cinco pontos acima do que em 2016. A pesquisa mostra que o percentual brasileiro está alinhado com essa média. O país de maior sucesso com assinaturas é a Noruega, onde 45% da população assina pelo menos um veículo, seguida pela Suécia, com 30%.
O estudo aponta que mais da metade dos assinantes da Noruega e dos Estados Unidos já optam por uma segunda assinatura, geralmente de marcas regionais ou locais, dedicados à cobertura mais próxima das comunidades onde vivem.
Brasil é o país mais preocupado com fake news
Embora a confiança na imprensa tenha aumentado, continua grande a quantidade de brasileiros preocupados com as fake news.
Seis em cada dez dos entrevistados (58%) expressou preocupação em diferenciar o que é verdadeiro ou falso na internet quando se trata de informação.
O Brasil aparece como o país com o maior índice (82%) de pessoas preocupadas com a desinformação pela internet, enquanto a Alemanha, com 37%, é a menos preocupada.
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Mais de sete em cada dez entrevistados ainda prefere jornalismo imparcial
Principalmente devido ao extremismo político, o estudo identificou sinais de leitores abandonando marcas de notícias e até a imprensa em geral, principalmente nos Estados Unidos, entre os politicamente alinhados à direita.
Mas apesar de mais opções de veículos com viés partidário e da maior polarização, a maioria da amostra global (74%) continua preferindo veículos que reflitam vários pontos de vista e deixem ao leitor decidir o que pensar.
A maioria dos entrevistados também pensa que os veículos devem ser neutros em relação a cada tema e dedicar cobertura igual a todos os pontos de vista, embora alguns grupos mais jovens achem que a imparcialidade não seja desejável em alguns casos, como nas questões de justiça social.
O estudo mostrou que a imprensa em alguns países tem sido avaliada como injusta pelos mais jovens, os mais polarizados politicamente e os representantes de minorias, colocando em pauta a discussão sobre a inclusão e a diversidade nas redações.
Aceleração rumo ao ambiente digital, social e móvel
A pandemia também acelerou as mudanças para os ambientes digitais, sociais e móveis ao redor do mundo, e no Brasil não foi diferente.
O relatório mostra que a Covid-19 foi a pá de cal no declínio dos veículos impressos. A queda foi generalizada, inclusive nos países que tinham altos níveis de circulação de jornais, acelerando o impulso para as assinaturas digitais.
O Brasil foi um dos que teve uma das quedas mais drásticas, em relação aos 40% que acessavam notícias pela via impressa em 2016 ou aos 50% em 2013.
Acesso a notícias por mídias sociais aumenta, mas cai pelo Facebook
O consumo das notícias nas mídias sociais também vem aumentando, principalmente entre os mais jovens e os de menor nível de escolaridade.
O Facebook continua sendo a rede social mais acessada para a busca de notícias, mas sua participação vem diminuindo, assim como a do Twitter, que são as duas redes mais usadas pelos jornalistas e veículos de notícias.
O dado sugere um ganho de relevância pelas personalidades e influenciadores no TikTok, YouTube, Snapchat e Instagram.
Enquanto 25% da amostra global disse se informar no início do dia por meio de um site ou um aplicativo de notícias, os nativos digitais da geração Z (18 a 24 anos) têm duas vezes mais chance de se informar pelas mídias sociais, agregadores de notícias ou notificações do celular.
Segundo a pesquisa, 7% dos entrevistados com menos de 35 anos usam o TikTok para a busca de notícias, com maior ênfase na América Latina e na Ásia.
Apesar dos lockdowns, a mobilidade do consumo de notícias não foi afetada. A pandemia fez o uso dos smartphones para essa finalidade aumentar num ritmo superior ao dos últimos anos, atingindo um índice de 73% do acesso online de notícias.
O uso de notebooks, desktops e tablets se manteve estável ou caiu, enquanto os smartspeakers ainda são pouco utilizados para acesso a notícias em um número reduzido de países.
No Brasil, acesso a notícias online e pelas mídias sociais superam TV
O acesso online à imprensa (seja pelos sites dos veículos de comunicação ou por seus canais de mídia social) se mantém na liderança com ampla margem no Brasil, apesar da queda geral de todos os tipos de acesso. Mais de oito em cada dez brasileiros preferem o acesso online na hora de buscar notícias.
Na segunda colocação, o estudo mostra o acesso às notícias pelas mídias sociais à frente da TV, que já tinha perdido a vice-liderança no ano passado. Quase a metade dos entrevistados brasileiros (47%) disse que costuma compartilhar notícias pelas redes sociais, apps de mensagens ou por e-mail.
Na última colocação aparecem os impressos, aprofundando ainda mais a sua crise e caindo a quase metade do índice do ano anterior. Pouco mais de um em cada dez brasileiros acessam notícias pela via impressa – um percentual sete vezes menor do que os que acessam por via online.
Apesar das restrições à mobilidade provocadas pela pandemia, deixando muita gente presa em casa, os brasileiros continuaram acessando as notícias online pelo celular, aumentando em um ponto o índice do ano anterior, que chegou a 77%.
O índice brasileiro de uso do celular para acesso de notícias online é 4 pontos superior ao da média global. Por outro lado, os percentuais dos que acessam pelo desktop/notebook ou pelo tablet diminuíram ainda mais.
Principais marcas de TV, rádio e impressos diminuem participação; CNN sobe
Os rankings das principais emissoras de TV, rádio, jornais e revistas elaborados pelo Instituto Reuters não trazem mudanças significativas de posições, mas quase todos diminuíram seus percentuais em relação ao ano anterior, com exceção da CNN, que subiu de 14% para 19%, já que era uma emissora nova quando a pesquisa de 2020 foi feita.
A Revista Veja (12%) aparece no ranking deste ano, enquanto a TV Brasil e o Jornal Extra deixaram de constar da relação.
Participações de principais marcas online permaneceram estáveis
Os percentuais de participação das principais marcas online brasileiras permaneceram praticamente estáveis em relação ao ano anterior. Praticamente todas as marcas líderes continuaram na lista dos principais, com exceção da Buzz Feed, que deu lugar ao Terra, acessado por 12% dos entrevistados.
Jornal do SBT assume liderança entre marcas de notícias mais confiáveis
As três marcas mais confiáveis do estudo permaneceram inalteradas, mas com mudanças de posições entre elas, com o Jornal do SBT assumindo a liderança em relação à Band News na edição referente a 2020. O estudo conclui que os brasileiros tendem a confiar mais nas marcas de notícias de TV, juntamente com as marcas de jornais regionais e locais.
No ranking mais recente entraram a Revista Época e o Jornal Metrópoles. Na comparação com o ano anterior, saíram da lista o jornal Extra e o IG.
Brasil é o mais preocupado com fake news sobre a Covid-19 no WhatsApp
Os brasileiros mostraram maior preocupação com as fake news veiculadas pelo WhatsApp. Mais de um terço dos brasileiros (35%) citaram essa plataforma, com um índice quase o dobro do que o Facebook, o segundo colocado.
Os percentuais das demais redes (Twitter, YouTube e Google) foram muito baixos, pouco associados à veiculação das fake news ligadas ao vírus.
Facebook e WhatsApp foram apontados como os principais canais online da desinformação.
O estudo destaca que apesar de o Facebook ter sido citado por mais de um quarto dos entrevistados em todo o mundo, a preocupação maior é com os aplicativos de mensagens fechadas, já que as informações falsas tendem a ser menos visíveis e mais difíceis de combater nas redes privadas.
Pandemia é o principal alvo da desinformação
A pandemia continua como o tema mais associado à desinformação, citada por 54% da amostra global. Foi também o tema mais associado às fake news pelos brasileiros. Outros temas citados com índices relevantes foram as notícias falsas ligadas a temas políticos, a celebridades e à mudança climática.
As principais fontes de fake news associadas à Covid-19 foram os políticos. O Brasil foi o país com o maior índice (41%) de associação da pandemia com os políticos, seguido por Espanha, Polônia e Nigéria.
As pessoas comuns foram a segunda fonte de notícias falsas sobre a Covid-19 mais citadas, mas com quase metade do índice dos políticos. Em seguida aparecem os ativistas, jornalistas e governos estrangeiros.
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