O jornalismo investigativo sempre tem seus riscos, e eles podem ir desde ameaƧas em redes sociais a um carro suspeito parado Ć  porta da casa do repĆ³rter. O caso do jornalista holandĆŖs Peter R. De Vries, baleado no centro de Amsterdam no dia 6 de julho, Ć© um triste exemplo dos perigos da profissĆ£o mesmo em paĆ­ses seguros. Como o jornalista deve proceder nesses casos em que percebe uma ameaƧa fĆ­sica Ć  sua integridade?

Com base em uma conferĆŖncia que analisou o caso do repĆ³rter investigativo Ronan Farrow, filho do diretor Woody Allen e da atriz Mia Farrow, a Investigative Reporters & Editors ā€“ AssociaĆ§Ć£o de Jornalistas Investigativos, com sede nos Estados Unidos preparou um guia com as principais recomendaƧƵes.

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Farrow notou carros estranhos perto do seu apartamento durante a investigaĆ§Ć£o para a revista The New Yorker sobre alegaƧƵes de agressĆ£o sexual contra o produtor de cinema Harvey Weinstein. Uma das medidas que adotou foi trancar em um cofre todo o seu material de pesquisa.

O repĆ³rter Ronan Farrow (DivulgaĆ§Ć£o/Pulitzer Award)
Apague seus dados na internet sempre que possĆ­vel

Algumas dicas nĆ£o servem sĆ³ para os repĆ³rteres investigativos, mas tambĆ©m para qualquer pessoa que queira evitar ser ā€œseguidaā€ nas redes sociais ou ter seus dados roubados. Uma delas Ć© limpar sempre suas informaƧƵes pessoais de lista de sites de compras e sites que salvam os seus dados automaticamente.

Pesquise no Google tudo o que aparece sobre vocĆŖ e desative todos os sites que tem seus dados.

Nas redes sociais, evite divulgar sua rotina, publique apenas o que jĆ” aconteceu. Isso Ć© uma forma de preservar vocĆŖ e a sua famĆ­lia.

Para os repĆ³rteres investigativos, o melhor Ć© parecer que vocĆŖ estĆ” em um lugar, mas na realidade vocĆŖ estĆ” em outro. Algumas recomendaƧƵes do evento: inscreva-se em newsletters listando um endereƧo de email diferente. Adicione uma empresa “sua” ao Yelp (site de avaliaƧƵes) com sede em algum lugar onde nĆ£o estĆ”.

Como saber se vocĆŖ estĆ” sendo seguido
  • Observe quem faz os mesmos trajetos que vocĆŖ no transporte pĆŗblico
  • Preste atenĆ§Ć£o nas pessoas que estĆ£o em filas Ć  frente de detectores de metal e postos de controle em tribunais e aeroportos.
  • Em restaurantes sente perto da janela, finja ler o cardĆ”pio e procure por pessoas que faƧam o mesmo e se destaquem
  • Ao caminhar, mude sempre o trajeto e ande sempre em zigue-zague e preste atenĆ§Ć£o nos que estĆ£o atrĆ”s
  • PeƧa a um amigo para monitorar os carros atrĆ”s de vocĆŖ, especialmente nos cruzamentos. Se um carro seguir em linha reta quando vocĆŖ faz uma curva e isso acontecer mais de uma vez e vocĆŖ o encontrar de novo um quarteirĆ£o depois, pode ter certeza que vocĆŖ estĆ” sendo seguido
  • Leia livros sobre vigilĆ¢ncia e cobertura de suas trilhas digitais, como ā€œTĆ©cnicas de InteligĆŖncia de CĆ³digo Abertoā€ ou ā€œPrivacidade Extrema: o que Ɖ Preciso para Desaparecer na AmĆ©ricaā€, ambos de Michael Bazzell.

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O que fazer depois de detectar a vigilĆ¢ncia
  • Se vocĆŖ achar que corre perigo, chame a polĆ­cia e avise suas fontes e seus editores.
  • NĆ£o se aproxime das pessoas que o seguem. NĆ£o deixe transparecer que as viu.
  • Organize reuniƵes importantes em tribunais federais ou zonas do aeroporto alĆ©m dos postos de controle de seguranƧa.
  • Se vocĆŖ estiver sob vigilĆ¢ncia de agentes do governo, procure aconselhamento de advogados e organizaƧƵes sem fins lucrativos de seguranƧa dos direitos humanos. Se vocĆŖ estiver sendo seguido pela polĆ­cia em um paĆ­s estrangeiro, o melhor Ć© partir ou ir para a embaixada.
  • Ao falar com as fontes, use comunicaĆ§Ć£o criptografada e reĆŗna-se o menos possĆ­vel.
  • Configure as palavras de cĆ³digo mais simples possĆ­veis para alertar as fontes sobre ameaƧas de espionagem
  • Lembre-se que os agentes podem se passar por jornalistas para entrevistar suas fontes
O jornalista Tim Lopes foi assassinado quando investigava bailes funk do Rio. (ReproduĆ§Ć£o)
Assassinatos de repĆ³rteres investigativos

Segundo dados da ONG RepĆ³rteres Sem Fronteiras, 17 repĆ³rteres investigativos foram assassinados nos Ćŗltimos 12 anos. No total, dez estavam investigando casos de corrupĆ§Ć£o local, quatro trabalhavam em reportagens sobre a mĆ”fia e o crime organizado e trĆŖs sobre temas relacionados ao meio ambiente.

A FederaĆ§Ć£o Internacional de Jornalismo tambĆ©m advertiu em seu relatĆ³rio anual o declĆ­nio da liberdade de imprensa. A instituiĆ§Ć£o registra 2.658 profissionais mortos desde 1990, sendo que 90% dos assassinatos foram pouco investigados ou ignorados.

No Brasil, os Ćŗltimos casos registrados de jornalistas assassinados aconteceram em 2019 no Rio de Janeiro: Robson Giorno, dono do jornal O MaricĆ” foi executado com trĆŖs tiros na porta de casa no dia 25 de maio, e RomĆ”rio Barros, fundador do site Lei Seca MaricĆ”, foi morto, tambĆ©m com trĆŖs tiros, enquanto dirigia seu carro no dia 18 de junho.

Giorno e Barros se empenhavam em noticiar e denunciar os acontecimentos polĆ­ticos da regiĆ£o. Os dois inquĆ©ritos ainda nĆ£o foram concluĆ­dos e correm em sigilo na JustiƧa.

Um dos casos mais conhecidos no paĆ­s foi o do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, assassinado em abril de 2002 no Rio de Janeiro, enquanto fazia reportagens sobre trĆ”fico de drogas e exploraĆ§Ć£o sexual infantil em bailes funk. 

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