Donald Trump partiu para o ataque mais uma vez. Após movimentos contra redes sociais que tinham sua impressão digital, como a lei da Flórida contra bloqueios de perfis de políticos, ou a plataforma Gettr, uma emulação de Twitter lançada neste domingo (4/7), o ex-presidente dos Estados Unidos (EUA) agora veio a público anunciar um processo contra Facebook, Twitter e Google, que baniram os perfis do republicano. Ele não é o único a fazer esse movimento.

Na mídia americana, críticos afirmam que Trump “joga para a torcida”, num apelo sem fundamento à Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que assegura a liberdade de expressão. O texto originalmente foi forjado para proteger a imprensa de possíveis leis da mordaça, proibindo o Congresso de legislar a favor da censura.

A movimentação contra as plataformas digitais é pauta da extrema-direita e de movimentos negacionistas, como o QAnon. O Instituto America First, think tank político de Trump, se manifestou “aplaudindo patriotas” que se colocam contra a censura praticada por Mark Zuckerberg e seus colegas do Vale do Silício.

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“Na verdade, Facebook e Twitter têm o direito de liberdade de expressão da Primeira Emenda para determinar que discurso suas plataformas projetam e amplificam — e esse direito inclui a exclusão de usuários que incitem a violência, como Trump fez em relação à insurreição do Capitólio em 6 de janeiro”, avalia Paul Barrett, vice-diretor do Centro para Business e Direitos Humanos da Escola Stern de Business na New York University, em entrevista à agência Associated Press.

O Instituto America First mantém uma página dedicada à pauta, “Take on big tech”, algo como “tomar conta” das big techs, em tradução livre. A iniciativa tem eco global, com líderes de grandes países, como Rússia, Índia e Brasil, tomando iniciativas similares na tentativa de controlar e punir empresas que controlam as redes sociais.

No Brasil, cenas de uma novela parecida

Plataformas como Facebook, WhatsApp e Twitter foram grandes palanques para políticos como Jair Bolsonaro e Trump. Desde candidatos, suas campanhas difamatórias contra a mídia foram similares, na tentativa de tornar a imprensa um sinônimo de fake news.

Bolsonaro e Trump usaram as redes sociais para driblar entrevistas — as plataformas foram o canal direto com os eleitores que os então postulantes às presidências de Brasil e EUA precisavam. Ao assumir a cadeira de chefes de Estado, porém, a situação mudou. Posts dos líderes começaram a ser bloqueados, ou indicados como informações falsas. O namoro azedou.

No Brasil, há nas fornalhas de Brasília um projeto de lei que proíbe redes sociais de bloquearem posts ou perfis sem autorização judicial. O texto foi aprovado pela Advocacia-Geral da União e gerou críticas e alegações de que trata-se de uma ilegalidade.

Se aprovado, segundo analistas, a lei será capaz de aumentar a dispersão de fake news e atingir até mesmo as fintechs, empresas de “maquininhas” de pagamento no país.

Na Rússia, Putin disparou fogo uma semana antes de Trump

Na tentativa de controlar mais as empresas donas das redes sociais, o governo russo emitiu uma lei no primeiro dia deste mês obrigando Google, Facebook e Twitter, entre outros grandes sites de e-commerce e varejo, a terem escritório com representantes no país.

As empresas estão sendo processadas pelo governo de Vladimir Putin por demorarem a retirar do ar posts considerados ilegais segundo a lei russa. O Google é processado ainda na questão de direitos sobre dados pessoais. 

Como no caso de Trump, aparentemente a prioridade é fazer barulho, pois a multa pretendida ao Google, por exemplo, é de US$ 166 mil (R$ 863 mil), baixa comparada ao poder econômico do império digital. Sanções como a restrição da banda larga, deixando o serviço dos sites lentos, também são consideradas.

Facebook e Twitter são processados em cerca de R$ 560 mil cada.

Índia realiza temor das big techs: serem responsabilizadas pelo conteúdo de usuários

Uma decisão da Suprema Corte indiana coloca o Twitter na saia-justa planejada por Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Após a promulgação de uma lei que exige que as empresas de tecnologia sigam a legislação da Índia, um post exibindo o espancamento de um idoso muçulmano tomou dimensões catastróficas.

A Justiça decidiu a favor do governo do primeiro-ministro Narendra Modi, tornando o Twitter responsável pelo conteúdo exibido pelos seus usuários. A lei elaborada pelo governo coloca a obrigação de as empresas fazerem moderação do conteúdo, excluindo em até 36 horas posts considerados impróprios. 

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Executivos devem ser alocados na Índia para responderem diretamente ao poder central. O principal executivo do Twitter no país, Manish Maheshwari, recebeu uma ordem de prisão, que foi negada por um tribunal de primeira instância, mas ainda pode ser alvo de apelo em cortes superiores.

A redefinição da responsabilidade jurídica da plataforma sobre o conteúdo nela veiculado foi vista por críticos do governo como um sinal a outras empresas, como o Facebook, que controla também o Instagram e WhatsApp.

O “zap”, aliás, já se negou a estabelecer no país o rastreamento de mensagens, alegando que isso demandaria abrir mão da criptografia de ponta a ponta das conversas no aplicativo, o que deixaria os usuários expostos.

Foto: Gayatri Malhotra/IUnsplash
Postura das redes sociais passou a ser criticada mesmo por moderados

Se agora as plataformas digitais começam a estabelecer o compliance para casos de fake news e incitação à violência, por muito tempo elas permaneceram confortavelmente amparadas por constituições. 

O salvo-conduto de não ser responsável legal pelo conteúdo postado por usuários perdeu força após eleições serem prejudicadas por fake news, como em casos revelados nos EUA e no Brasil, e também após manifestações antidemocráticas como a invasão do Capitólio, em Washington, num inconformismo de eleitores de Trump com sua iminente derrota.

O presidente francês, Emmanuel Macron, foi contra o banimento de Trump das redes, e as classificou como uma ameaça à democracia. “Eu não quero viver em uma democracia onde decisões cruciais são tomadas por entes privados”, afirmou.

Ao condenar o ataque ao Capitólio, Macron defendeu a criação de uma legislação internacional para se contrapor à disseminação de ideologias extremistas em democracias ocidentais.

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